quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Discurso do Papa Francisco aos Prefeitos “A mudança climática é um problema de justiça social” (2ª parte)

        Neste artigo continuo a apresentação do Discurso do Papa Francisco aos prefeitos. Ele diz: “No entanto, é a saúde que está em jogo. Há uma quantidade de ‘doenças raras’, assim são denominadas, que derivam de muitos elementos utilizados para fertilizar os campos - ou talvez ainda não se conheçam as suas causas - e, contudo, de um excesso de tecnicização. Entre os maiores problemas em jogo há aqueles ligados ao oxigênio e à água. Ou seja, a desertificação de grandes áreas por causa do desmatamento”.
Continua o Papa: “Ao meu lado encontra-se o Cardeal Arcebispo (Claudio Hummes) encarregado da Amazônia brasileira, que nos pode dizer o que significa hoje a desertificação na Amazônia, que constitui o pulmão do mundo. O Congo e a Amazônia são os grandes pulmões do mundo. Na minha pátria, há alguns anos (oito ou nove), recordo-me que o Governo Federal promoveu um processo numa província para impedir o desmatamento, que atingia a população”.
Francisco pergunta:: “O que acontece quando todos estes fenómenos de tecnicização excessiva, sem preocupação pelo meio ambiente, além dos fenómenos naturais, incidem sobre a migração?”. E responde: “O desemprego e depois o tráfico de pessoas. É cada vez mais frequente o trabalho ilegal, o trabalho sem contrato, o trabalho ‘arranjado debaixo da mesa’. Como aumentou! O trabalho ilegal é muito difundido, e isso significa que as pessoas não ganham o suficiente para viver. Isso pode provocar atitudes criminosas e tudo o que acontece nas grandes cidades em função das migrações causadas pela tecnicização excessiva”.
E ainda: “Refiro-me sobretudo ao agronegócio ou ao tráfico de pessoas no trabalho minerário. A escravidão minerária é ainda muito grande e muito forte. E o que significa o uso de determinados elementos no tratamento dos minerais - arsênico, cianeto - que levam a população a adoecer”?
Francisco afirma: “Nisto há uma responsabilidade muito grande. Ou seja, tudo se repercute, tudo volta para trás, tudo... Trata-se do efeito de repercussão contra a própria pessoa. Pode ser o tráfico de seres humanos para o trabalho escravo e a prostituição, que constituem fontes de trabalho para poder sobreviver hoje em dia. Por isso, estou feliz por saber que vocês refletiram a respeito de tais problemáticas - mencionei apenas algumas delas - que atingem as grandes cidades”.
E declara: “Em última análise, eu diria que isso deve interessar às Nações Unidas. Tenho muita esperança na Cúpula de Paris” (COP 21: realizada de 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015). “Esperemos que se alcance um acordo fundamental, básico. Tenho muita esperança! No entanto, as Nações Unidas devem interessar-se profundamente desta questão, principalmente do tráfico de pessoas provocado por este fenómeno ambiental, da exploração das pessoas”.
O Papa relata: “Há uns dois meses recebi uma delegação de mulheres das Nações Unidas, encarregadas do problema da exploração sexual das crianças nos países em guerra. Ou seja, das crianças como objeto de exploração. Trata-se de outro fenômeno! E também as guerras constituem um elemento de desequilíbrio do meio ambiente”.
Enfim - diz Francisco - “gostaria de concluir com uma reflexão, que não é minha, mas do teólogo e filósofo Romano Guardini, que fala de duas formas de ‘incultura’: a incultura que Deus nos deixou, para que a transformássemos em cultura - e foi por isso que Ele nos conferiu o mandato de preservar, fazer crescer e cuidar da terra; e a segunda incultura, quando o ser humano não respeita esta relação com a terra, quando não a preserva - isto é muito claro na narração bíblica, que constitui uma literatura de tipo místico. Quando não a preserva, o ser humano apodera-se daquela cultura e começa a deturpá-la. Ou seja, a incultura desvirtua-a, fá-la perder o controle e dá origem a uma segunda forma de incultura: a energia atómica é boa, pode ajudar. Mas só até um certo ponto. Pensemos em Hiroshima e Nagasaki! Ou seja, criam-se o desastre e a destruição, só para citar um exemplo antigo. Hoje em dia, de todas as formas de incultura, como aquelas que vocês abordaram, este segundo tipo de incultura é responsável pela destruição do ser humano”.
Para ilustrar o seu pensamento, Francisco narra uma história: “Um rabino da Idade Média, mais ou menos da época de são Tomás de Aquino - talvez alguns de vocês já me ouviram dizê-lo - explicava num ‘midrash’ o problema da torre de Babel aos seus fiéis na sinagoga, e dizia que para edificar a torre de Babel foi necessário muito tempo, tanto trabalho, sobretudo para fabricar os tijolos. Era preciso preparar a argila, procurar a palha, amassá-la, cortá-la, secá-la, colocá-la na fornalha, cozê-la... Um tijolo era uma joia, tinha um grande valor! E faziam subir os tijolos para os pôr na torre. Quando caía um tijolo era um problema muito grave e o culpado, aquele que tinha descuidado do seu trabalho deixando cair o tijolo, era castigado. Mas quando caía um dos trabalhadores que labutavam na construção, nada acontecia. É precisamente este o drama da segunda forma de incultura: o ser humano como criador de incultura e não de cultura. O ser humano criador de incultura, porque não cuida do meio ambiente”.
Termina, pois, dizendo: “E por que razão a Pontifícia Academia das Ciências Sociais dirigiu este convite aos prefeitos, alcaides, intendentes das cidades? Porque não obstante esta consciência saia do centro para as periferias, o trabalho mais sério e mais profundo é feito a partir das periferias para o centro. Ou seja a partir de vocês, visando a consciência da humanidade. A Santa Sé, este país ou aquele outro poderá dirigir um bonito discurso às Nações Unidas, mas se o trabalho não começar a partir das periferias para o centro, não terá efeito algum. Daqui deriva a responsabilidade dos prefeitos, alcaides, intendentes das cidades”.
E conclui com as palavras: “Por este motivo, sou profundamente grato a vocês porque quiseram reunir-se como periferias que levam realmente a sério esta problemática. Cada um de vocês encontra no âmbito da sua própria cidade situações semelhantes àquelas das quais vos falei, e que vocês devem governar, resolver, e assim por diante. Agradeço a cola
Neste artigo continuo a apresentação do Discurso do Papa Francisco aos prefeitos. Ele diz: “No entanto, é a saúde que está em jogo. Há uma quantidade de ‘doenças raras’, assim são denominadas, que derivam de muitos elementos utilizados para fertilizar os campos - ou talvez ainda não se conheçam as suas causas - e, contudo, de um excesso de tecnicização. Entre os maiores problemas em jogo há aqueles ligados ao oxigênio e à água. Ou seja, a desertificação de grandes áreas por causa do desmatamento”.
Continua o Papa: “Ao meu lado encontra-se o Cardeal Arcebispo (Claudio Hummes) encarregado da Amazônia brasileira, que nos pode dizer o que significa hoje a desertificação na Amazônia, que constitui o pulmão do mundo. O Congo e a Amazônia são os grandes pulmões do mundo. Na minha pátria, há alguns anos (oito ou nove), recordo-me que o Governo Federal promoveu um processo numa província para impedir o desmatamento, que atingia a população”.
Francisco pergunta:: “O que acontece quando todos estes fenómenos de tecnicização excessiva, sem preocupação pelo meio ambiente, além dos fenómenos naturais, incidem sobre a migração?”. E responde: “O desemprego e depois o tráfico de pessoas. É cada vez mais frequente o trabalho ilegal, o trabalho sem contrato, o trabalho ‘arranjado debaixo da mesa’. Como aumentou! O trabalho ilegal é muito difundido, e isso significa que as pessoas não ganham o suficiente para viver. Isso pode provocar atitudes criminosas e tudo o que acontece nas grandes cidades em função das migrações causadas pela tecnicização excessiva”.
E ainda: “Refiro-me sobretudo ao agronegócio ou ao tráfico de pessoas no trabalho minerário. A escravidão minerária é ainda muito grande e muito forte. E o que significa o uso de determinados elementos no tratamento dos minerais - arsênico, cianeto - que levam a população a adoecer”?
Francisco afirma: “Nisto há uma responsabilidade muito grande. Ou seja, tudo se repercute, tudo volta para trás, tudo... Trata-se do efeito de repercussão contra a própria pessoa. Pode ser o tráfico de seres humanos para o trabalho escravo e a prostituição, que constituem fontes de trabalho para poder sobreviver hoje em dia. Por isso, estou feliz por saber que vocês refletiram a respeito de tais problemáticas - mencionei apenas algumas delas - que atingem as grandes cidades”.
E declara: “Em última análise, eu diria que isso deve interessar às Nações Unidas. Tenho muita esperança na Cúpula de Paris” (COP 21: realizada de 30 de novembro a 11 de dezembro de 2015). “Esperemos que se alcance um acordo fundamental, básico. Tenho muita esperança! No entanto, as Nações Unidas devem interessar-se profundamente desta questão, principalmente do tráfico de pessoas provocado por este fenómeno ambiental, da exploração das pessoas”.
O Papa relata: “Há uns dois meses recebi uma delegação de mulheres das Nações Unidas, encarregadas do problema da exploração sexual das crianças nos países em guerra. Ou seja, das crianças como objeto de exploração. Trata-se de outro fenômeno! E também as guerras constituem um elemento de desequilíbrio do meio ambiente”.
Enfim - diz Francisco - “gostaria de concluir com uma reflexão, que não é minha, mas do teólogo e filósofo Romano Guardini, que fala de duas formas de ‘incultura’: a incultura que Deus nos deixou, para que a transformássemos em cultura - e foi por isso que Ele nos conferiu o mandato de preservar, fazer crescer e cuidar da terra; e a segunda incultura, quando o ser humano não respeita esta relação com a terra, quando não a preserva - isto é muito claro na narração bíblica, que constitui uma literatura de tipo místico. Quando não a preserva, o ser humano apodera-se daquela cultura e começa a deturpá-la. Ou seja, a incultura desvirtua-a, fá-la perder o controle e dá origem a uma segunda forma de incultura: a energia atómica é boa, pode ajudar. Mas só até um certo ponto. Pensemos em Hiroshima e Nagasaki! Ou seja, criam-se o desastre e a destruição, só para citar um exemplo antigo. Hoje em dia, de todas as formas de incultura, como aquelas que vocês abordaram, este segundo tipo de incultura é responsável pela destruição do ser humano”.
Para ilustrar o seu pensamento, Francisco narra uma história: “Um rabino da Idade Média, mais ou menos da época de são Tomás de Aquino - talvez alguns de vocês já me ouviram dizê-lo - explicava num ‘midrash’ o problema da torre de Babel aos seus fiéis na sinagoga, e dizia que para edificar a torre de Babel foi necessário muito tempo, tanto trabalho, sobretudo para fabricar os tijolos. Era preciso preparar a argila, procurar a palha, amassá-la, cortá-la, secá-la, colocá-la na fornalha, cozê-la... Um tijolo era uma joia, tinha um grande valor! E faziam subir os tijolos para os pôr na torre. Quando caía um tijolo era um problema muito grave e o culpado, aquele que tinha descuidado do seu trabalho deixando cair o tijolo, era castigado. Mas quando caía um dos trabalhadores que labutavam na construção, nada acontecia. É precisamente este o drama da segunda forma de incultura: o ser humano como criador de incultura e não de cultura. O ser humano criador de incultura, porque não cuida do meio ambiente”.
Termina, pois, dizendo: “E por que razão a Pontifícia Academia das Ciências Sociais dirigiu este convite aos prefeitos, alcaides, intendentes das cidades? Porque não obstante esta consciência saia do centro para as periferias, o trabalho mais sério e mais profundo é feito a partir dasboração de vocês. D. Sánchez Sorondo disse-me que muitos de vocês intervieram e que tudo isto é deveras muito bom! Agradeço-lhes e peço ao Senhor que nos conceda a graça de poder tomar consciência desse problema de destruição que nós mesmos continuamos a fomentar, quando deixamos de cuidar da ecologia humana, quando não temos uma consciência ecológica como a que nos foi dada no princípio, para transformar a primeira incultura em cultura, detendo-nos ali, sem transformar esta cultura em incultura. Muito obrigado!”.
Ah, se os prefeitos do mundo inteiro de todas as cidades e municípios - grandes, médios e pequenos - levassem a sério o Discurso do Papa. O mundo seria bem melhor! Cabe aos Movimentos Populares, às Pastorais Sociais e Ambientais e a todos/as nós cobrar isso dos prefeitos.


Fr Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 20 de janeiro de 2016

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

Discurso do Papa Francisco aos Prefeitos “A mudança climática é um problema de justiça social” (1ª parte)


           No dia 21 de julho de 2015 - depois de entregar a Carta dos Movimentos Populares - o Papa Francisco falou de improviso no Encontro Mundial dos Prefeitos (cerca de cem das maiores cidades do mundo), organizado pela Pontifícia Academia das Ciências Sociais, para enfrentar duas emergências interligadas: a crise climática e as novas formas de escravidão.
       Após saudar os prefeitos, Francisco inicia o seu discurso dizendo: “Agradeço-vos sinceramente, de coração, o trabalho que fizestes. É verdade que tudo se referia ao tema do cuidado do meio ambiente, da cultura do cuidado do meio ambiente. Mas essa cultura do cuidado do meio ambiente não é unicamente uma atitude - digo-o no bom sentido da palavra - ‘verde’, não é uma atitude ‘verde’, mas muito mais. Ou seja, cuidar do meio ambiente significa uma atitude de ecologia humana. Isto é, não podemos dizer: a pessoa está aqui e a criação, o meio ambiente, está ali. A ecologia é total, é humana. Foi o que eu quis dizer na Encíclica ‘Laudato si’: que não se pode separar o ser humano do resto; há uma relação de incidência mútua, quer do ambiente sobre a pessoa, quer da pessoa sobre o modo como ele cuida do meio ambiente; e há também o efeito de repercussão contra o ser humano quando o meio ambiente é maltratado”.
Continua o Papa: “Por isso, a uma pergunta que me dirigiram, eu respondi: não é uma Encíclica ‘verde’, mas social, porque no contexto social, na vida social dos seres humanos, não podemos separar o cuidado do meio ambiente. Ainda mais, o cuidado do meio ambiente é uma atitude social, que num certo sentido nos socializa - cada um pode atribuir-lhe o valor que quiser - e, além disso, nos leva a receber da ‘criação’ (gosto da expressão italiana ‘criação’, quando se fala do meio ambiente), daquilo que nos foi concedido como dom, ou seja, o meio ambiente”.
Diz ainda Francisco: “Por outro lado, qual é o motivo dessa iniciativa, que me pareceu uma ideia - da Pontifícia Academia das Ciências Sociais, de D. Sánchez Sorondo - muito fecunda, de convidar os prefeitos das grandes cidades e não tão grandes para vir aqui e falar sobre isso? Porque um dos aspectos que mais se notam, quando não se cuida do meio ambiente, da criação, é o crescimento incomensurável das cidades”.
O Papa acrescenta: “Trata-se de um fenómeno mundial. É como se as cabeças, as grandes cidades, se desenvolvessem, mas sempre com cinturões de pobreza e de miséria cada vez maiores, onde as pessoas padecem os efeitos da degradação ambiental. E neste sentido, envolve o fenómeno migratório. Por que razão as pessoas chegam às grandes cidades, engrossando os cinturões de pobreza - as ‘villas miseria’, as barracas, as favelas? Por que fazem isto? Simplesmente porque o mundo rural não lhes oferece oportunidades”.
Francisco lembra: “E um ponto que se encontra na Encíclica - com muito respeito, mas é necessário denunciá-lo - é a idolatria da tecnocracia. A tecnocracia leva a destruir o trabalho e cria desemprego. Os fenómenos de desemprego são muito grandes, e por isso as pessoas são obrigadas a emigrar, procurando novos horizontes. O número crescente de desempregados é alarmante! Não disponho de estatísticas, mas em determinados países da Europa, sobretudo entre os jovens, o desemprego juvenil - de 25 anos para baixo - supera 40% e nalguns casos chega a 50%. De 40% a 47% - refiro-me a outros países - e 50%. Penso em outras estatísticas sérias apresentadas pessoalmente por Chefes de Governo, por Chefes de Estado”.
Afirma, pois: “E isso, projetado para o futuro, leva-nos a ver um fantasma, ou seja, uma juventude desempregada. E hoje que horizonte e que futuro se pode oferecer a ela? O que sobra para esta juventude? As dependências, o aborrecimento, a incerteza sobre o que fazer da própria existência - uma vida sem sentido, muito dura, ou o suicídio juvenil - as estatísticas de suicídio dos jovens não são publicadas na sua totalidade - ou procurar um ideal de vida em outros horizontes, inclusive em projetos de guerrilha”.
Prefeitos - participantes do Encontro - todos os prefeitos do mundo e todos/as nós, meditemos sobre o Discurso do nosso irmão, o Papa Francisco. Chegou a hora de tomarmos decisões claras e objetivas, que levem a uma verdadeira mudança de comportamento e de estruturas. O tempo urge!
(Continua no próximo artigo).


Em tempo: Mais uma vez o jornalista João Aquino (da tropa de choque do Governo ditatorial de Goiás), no artigo “Gestão compartilhada não é privatização” (Diário da Manhã do dia 12), tentou desqualificar a minha pessoa usando uma linguagem tão baixa que dá nojo. Em sua ignorância, ele não percebe que o efeito produzido é justamente o contrário do pretendido. Responder a um artigo como esse seria se colocar no mesmo nível. Seu único lugar digno é o lixo.



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 13 de janeiro de 2016

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Jornalista leviano

        No artigo “Frei deseducador”, publicado no Diário da Manhã do dia 4 último, o jornalista Luiz Gama pretende desqualificar o meu “Que diálogo é esse?”, publicado no mesmo Jornal dois dias antes. O artigo de Luiz Gama é uma enxurrada de afirmações desconexas e sem nenhum raciocínio lógico. Dá a impressão ao leitor que o jornalista nem sabe escrever. Pelo seu nível de baixaria, o artigo do jornalista tornou-se a melhor propaganda do meu. Quem ainda não o leu, certamente vai lê-lo e vai poder constatar pessoalmente a seriedade do artigo.
Não vou gastar o meu tempo para polemizar com jornalista leviano, que envergonha toda a categoria dos jornalistas. Só faço duas observações.
Primeira: os estudantes secundaristas não são “invasores” (como, em tom desrespeitoso e cínico, afirma o jornalista), mas são jovens que ocupam Escolas Estaduais, lutando por um direito que a própria Justiça reconhece como legítimo.
Segunda: se eu sou “Frei deseducador” que revela “completa ignorância quanto ao tema” (como o Luiz Gama, sempre em tom desrespeitoso e cínico, afirma), pela lógica (que não é o forte do jornalista) todas as Universidades e Faculdades Federais e Estaduais (além de muitas outras Instituições) que em Nota Pública se manifestaram contra as OSs na gestão das Escolas, são também “Universidades e Faculdades deseducadoras“ que “revelam completa ignorância quanto ao tema”.
Que despudor! Até uma criança percebe o absurdo - que beira o ridículo - das afirmações de Luiz Gama. Só ele, cujo comportamento é de “pau-mandado” - não percebe isso.
Para que o jornalista Luiz Gama e outras pessoas de sua turma não digam que são palavras do “Frei deseducador”, cito como exemplos as Notas Públicas da UFG (que é a minha Universidade) e da Faculdade de Educação/UFG. Identifico-me totalmente com o seu conteúdo.
A Nota da UFG (atualmente uma das Universidades Públicas mais bem conceituadas do Brasil) afirma: “O Conselho Diretor do Centro de Ensino e Pesquisa Aplicada à Educação da Universidade Federal de Goiás (CEPAE/UFG), instância máxima deliberativa, reunido no dia 16 de dezembro de 2015, manifesta total e irrestrito apoio e solidariedade aos estudantes secundaristas do Estado de Goiás que ocupam Escolas, na capital e no interior, em defesa da educação pública, gratuita, de qualidade e socialmente referenciada”.
Continua a Nota: “Os estudantes secundaristas defendem o direito de se manterem em Instituições Públicas porque sabem que o projeto das Organizações Sociais (OSs) tem, em sua base, a privatização de um bem público, a educação, passando o seu gerenciamento para Entidades Privadas que não têm qualquer interesse com o público e visam somente ao lucro. Defendem ainda o direito de serem ouvidos, pois a mudança de gerenciamento das Escolas Públicas sequer foi debatida pela comunidade escolar (professores, funcionários, alunos  e pais)”.
Reparem! Não é o “Frei deseducador” que afirma isso!
A Nota da UFG “manifesta ainda repúdio a qualquer ato de repressão pelos aparelhos estatais,  principalmente a Polícia Militar, quando não respeita os direitos constitucionais de livre manifestação das Entidades Estudantis  numa sociedade democrática de direito”.
A outra Nota Pública que cito é a da Faculdade de Educação/UFG sobre a militarização e as OSs na gestão das Escolas Estaduais em Goiás, de dezembro de 2015. Com muita clareza a Nota diz: “Professores, servidores e estudantes da FE/UFG vêm a público manifestar-se a respeito da militarização das Escolas Públicas Estaduais e da proposta do Governo Estadual de entregar a Organizações Sociais (OSs) a gestão de parte das Escolas do nosso Estado. A FE/UFG se posiciona contrariamente à militarização e à proposta de gestão escolar via OSs por entender que não é por nenhuma dessas duas vias que o Estado alcançará o objetivo de construir uma Escola Estadual verdadeiramente pública, laica, gratuita e de qualidade para todos”.
A FE/UFG - continua a Nota - “entende que a gestão escolar via OSs se constitui num processo de terceirização da oferta de educação pública e que a militarização das Escolas é uma solução equivocada tanto para a suposta resolução do problema da violência nas Escolas quanto para a melhoria da qualidade do ensino. A FE/UFG, com seus mais de 40 anos de experiência no campo da formação de professores e da pesquisa em Educação, entende que não é pela militarização ou pela terceirização via OSs que serão resolvidos ou mesmo minimizados os problemas da Escola Pública Estadual goiana”.
A Nota, pergunta: “se o Estado possui recursos para que OSs e Polícia Militar administrem Escolas, por que não investe estes mesmos recursos num projeto próprio, verdadeiramente público e democrático, de melhoria da qualidade da educação no Estado?”.
Luiz Gama, essas palavras não são do “Frei deseducador”, mas expressam muito bem tudo o que eu penso sobre a militarização das Escolas e sobre as OSs na gestão das Escolas Estaduais.
Somente na UFG (sem contar as inúmeras Notas de outras Instituições) poderia citar também as Notas Públicas das Faculdades de Letras, de Informação e Comunicação e de Ciências Sociais, que são verdadeiras moções de repúdio à ação do Governo de querer militarizar e privatizar as Escolas Públicas em Goiás.

Jovens, estudantes secundaristas, não se assustem com os “ditadorzinhos” de plantão que - por se acharem donos do mundo - não respeitam e não escutam ninguém (nem as Instituições reconhecidas nacional e internacionalmente como a UFG e a FE/UFG). Repito: não se assustem! Eles passam! Saibam que todos os verdadeiros educadores e educadoras estão com vocês. A união faz a força!. Continuem firmes e com muita garra!  



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 06 de janeiro de 2016

sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

Que diálogo é esse?


            A Secretaria de Educação, Cultura e Esporte do Estado de Goiás diz que está sempre aberta ao diálogo, mas deixa claro que a decisão de implantar as Organizações Sociais (OSs) na administração das Escolas Públicas já foi tomada e é irreversível. Que diálogo é esse? Como dialogar sobre um assunto já resolvido? A Secretaria não está blefando dos estudantes secundaristas? Não está desrespeitando esses mesmos estudantes, subestimando sua inteligência?
            O motivo do protesto com a ocupação das Escolas - que a própria Justiça considerou legítimo - é a implantação das OSs na administração das Escolas Estaduais. E é justamente essa implantação que precisa ser debatida nas Escolas, nas Faculdades de Educação, nas Universidades e nas Audiências Públicas com os estudantes secundaristas, com os universitários/as, com os educadores/as, com os Movimentos Populares e com a sociedade civil organizada.
            Se a Secretaria não quer dialogar sobre o assunto, por que não diz logo que a decisão de implantar as OSs na administração das Escolas Estaduais foi tomada de cima para baixo (sem consultar ninguém: estudantes, educadores/as e a sociedade em geral), de forma autoritária e ditatorial? Os ditadores (de ontem ou de hoje) não dialogam, fingem dialogar. Essa que é a verdade!
            O Governo diz que, com a implantação das OSs na administração das Escolas, “o maior diferencial seria dar igualdade e oportunidade para os filhos dos pobres, para que eles tenham acesso a ensino público de qualidade e para que a qualificação resulte em acesso a boas Universidades e, posteriormente, ao mercado de trabalho” (Diário da Manhã, 26 de dezembro de 2015, p. 10). É muita desfaçatez!
            Para desqualificá-lo, o Governo afirma que o debate sobre as OSs é “político-ideológico”. Ora, ser “político-ideológico” não é algo de negativo. Por ser o ser humano um ser histórico, situado e datado, todo debate (e também todo projeto) é “político-ideológico” (inclusive o do Governo). O problema não está em ser “político-ideológico”, mas em ser “político-ideológico” contra os interesses do povo e a favor dos interesses do sistema dominante, que - como diz o Papa Francisco citando as palavras dos Movimentos Populares - “não se aguenta mais e precisa ser mudado”. 
Como exemplo ilustrativo - tomado de uma área social que não é a da educação - cito o apoio irrestrito que o Governo de Goiás dá ao agronegócio. Com isso, ele mostra claramente quais são os interesses que o Governo defende e de que lado ele está. O agronegócio busca o lucro a qualquer custo e com qualquer meio, defende o latifúndio, expulsa os trabalhadores do campo, impede a reforma agrária popular, combate a agricultura familiar agroecológica e envenena a nossa casa comum, que é a Mãe Terra.
            Os estudantes do Movimento “Secundaristas em Luta”, com sua inteligência e intuição de jovens, definem muito bem as OSs. Segundo eles (e eu concordo) as OSs são “máquinas de lucro mascarado com o apoio do Governo”.(Ib., p. 5).
Quando a Secretaria diz que está sempre aberta ao diálogo, mas que a decisão de implantar as OSs na administração das Escolas Estaduais já foi tomada e é irreversível - além de desrespeitar os estudantes - ela desrespeita também muitas Entidades: Universidades, Faculdades de Educação, Sindicatos de Trabalhadores/as da Educação, Movimentos Populares, Associações de Estudantes e outras.
Diante de tantas Notas de solidariedade e apoio ao Movimento “Secundaristas em Luta” (é uma mobilização nacional e internacional), a Secretaria deveria ter o bom senso e a abertura mental suficiente para reconsiderar a decisão tomada e debater com a sociedade civil organizada a proposta da implantação das OSs na administração das Escolas Públicas. Infelizmente, quem age de maneira autoritária e ditatorial não costuma fazer isso. Para conseguir reverter a situação, é preciso muita resistência e muita pressão.
            Enfim (por incrível que pareça), os estudantes, protestando em defesa de uma educação pública de qualidade para todos e para todas, estão também colaborando com o Governo para que - com a implantação das OSs na administração das Escolas - não assine o seu próprio atestado de incompetência administrativa e de descaso com o dinheiro público.
            O Governo, para tentar justificar sua incompetência administrativa, alega que está amarrado às regras da licitação para as compras e do concurso público para a contratação dos trabalhadores/as da educação. A licitação e o concurso público não são medidas que servem para evitar o mau uso do dinheiro público e para que haja lisura na seleção dos trabalhadores/as da educação? Infelizmente, é mais uma desculpa esfarrapada!

            Jovens, heróis da educação pública, continuem unidos e resistindo com garra. Vocês já são vitoriosos, mas o serão muito mais ainda. Todos e todas que lutamos por uma educação pública de qualidade estamos ao lado de vocês! O testemunho de vocês nos edifica e fortalece a nossa esperança! Parabéns! Feliz Ano Novo!




Fr Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 30 de dezembro de 2015

sábado, 2 de janeiro de 2016

Carta do 2º EMMP aos Prefeitos (2ª parte)


Neste artigo dou continuidade à apresentação das propostas (são 10) da Carta do 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (2º EMMP) aos prefeitos, que Francisco fez sua. Como já disse na 1ª parte, elas são tão claras que não precisam de explicações, mas de serem colocadas em prática. Chegamos à quarta proposta.
      4.    “Hospitalidade com imigrantes e refugiados
Pretender combater o tráfico e adotar uma política de desprezo aos migrantes é uma grande hipocrisia. Os traficantes de pessoas se nutrem da xenofobia institucional de alguns Estados. As cidades que pretendam erradicar o trabalho escravo devem receber com amor os migrantes, prover-lhes documentação, oportunidades de trabalho e direitos plenos.
Propomos a regularização migratória de todos. Nenhuma pessoa é ilegal. Ser migrante não é um crime. Criminosas são as causas que os obrigam a migrar. 
     5.    Transporte público digno e ecológico
A utilização individualista do automóvel destrói a convivência e o meio ambiente: deve ser restringida. A alternativa pública costuma ser uma verdadeira tortura.
Propomos a utilização de ciclovias, fortes investimentos em metrô, trens e formas de transporte coletivo, integrando o transporte informal. Reivindicamos sua gratuidade ou tarifas sociais diferenciadas. 
     6.    Dignificar o setor informal
Perseguir os vendedores, artesãos, feirantes, recicladores, etc. é roubar o pão dos pobres. Hoje a economia popular emprega 1500 milhões de excluídos. O espaço público é seu principal meio de produção: tirá-lo deles é lançá-los à desesperança e isso implica em violência. A penalização dessas atividades só favorece organizações criminosas, porque estas assim as monopolizam em cumplicidade com as polícias.
Propomos institucionalizar a economia popular. Criar, com participação popular, regulamentos inclusivos do espaço público que garantam a convivência harmônica e o trabalho digno para nossos companheiros. Fomentar as empresas recuperadas e os polos produtivos populares como alternativa ao trabalho escravo. Os bens de falências e os ativos confiscados em processos judiciais devem ser socialmente reutilizados para criar trabalho. As compras públicas deveriam potencializar a economia popular, não o capitalismo de amigos. 
      7.    Ecologia integral e popular
Os catadores são os maiores recicladores do mundo, mas em muitas cidades são perseguidos. Em outras, sua luta tem conquistado sistemas de reciclagem mistos que lhes conferem condições de trabalho dignas.
Propomos multiplicar e aprofundar as políticas de reciclagem com inclusão. A gestão de resíduos não deve ser um eco-negócio, mas sim uma oportunidade para incluir os recicladores e criar milhões de cooperativas verdes. Sem catadores não há lixo! Eles demonstram que uma verdadeira proposta ecológica se converte sempre em proposta social. 
      8.    Integração campo-cidade
Nos municípios rurais deve-se favorecer a agricultura camponesa, indígena e agroecológica. Lembremos - como diz o Papa Francisco - que a reforma agrária é uma obrigação moral. Os problemas da cidade nunca se resolverão se a expulsão de camponeses continua.
O tráfico de pessoas também se alimenta do desenraizamento rural. Para cada desenraizado, há um novo pobre urbano e possivelmente novo explorado. Os alimentos que produzimos podem contribuir a uma dieta saudável para as crianças das cidades, mal nutridas por escassez ou pela má alimentação.
Propomos redes de distribuição e compras públicas para garantir renda aos camponeses e levar, sem intermediários, alimentos de qualidade às periferias urbanas. 
     9.    Cultura popular ecológica
Devemos frear o consumismo, o machismo e a objetificação da mulher, que são promovidos pelos meios de comunicação, fomentando o tráfico de mulheres. A cultura popular é o melhor antídoto.
Propomos: apoiar os meios de comunicação populares, rádios, televisões e revistas comunitárias, que expressam uma cultura solidária. Proteger os espaços culturais autogeridos, que se desenvolvem em prédios abandonados e correm o risco de serem despejados. Fechar ruas centrais para espaços de arte popular (domingos e feriados). 
     10.  Os únicos privilegiados dever ser crianças e idosos
Como destacou o Papa, falar em crianças de rua é um eufemismo criminoso: são crianças abandonadas! Os jovens pobres, ao invés de amados, são vistos como perigosos e se tornam vítimas do gatilho fácil. Quanto aos idosos, estes são deixados para que morram.
Propomos garantir espaços comunitários de contenção e criar milhões de postos de trabalho para o cuidado de crianças e idosos. Também, criar creches nas periferias urbanas, como reivindicam as mulheres trabalhadoras. Nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem oportunidades, nenhum idoso sem uma velhice venerável!”.
A Carta termina, pois, com um pedido, que é um caloroso apelo: “Estimados prefeitos. Mais além das propostas que esperamos que analisem, pedimos a vocês vocação de serviço, coragem e comprometimento orçamentário com os excluídos. Lembrem-se: Sem exclusão não há tráfico de pessoas! Também lhes rogamos que leiam a nossa Carta de Santa Cruz e o Discurso do Papa perante os Movimentos Populares. Muito obrigado!”.
Reparem o que os Movimentos Populares pedem aos prefeitos: “vocação de serviço, coragem e comprometimento orçamentário com os excluídos”. Ah, se os nossos prefeitos fossem realmente imbuídos dessas três qualidades! Como as nossas cidades seriam diferentes!
A Carta retrata muito bem a situação desumana na qual a maioria do nosso povo vive, sobretudo nas grandes cidades. Nas suas propostas, ela aponta o caminho de uma verdadeira mudança de estruturas.
A Carta, pela sua profundidade humana e evangélica, deveria ser pauta de reivindicações aos prefeitos, da parte das Pastorais Sociais e Ambientais da Igreja e de todos/as nós, cidadãos e cidadãs, cristãos e cristãs.
Tendo presente a realidade de cada país ou região e adaptando-a a essa realidade, a Carta vale para os prefeitos do mundo inteiro. Hoje, os grandes problemas sociais e ambientais - mesmo que repercutam de maneira diferente nos diversos países ou regiões do planeta - tornam-se cada vez mais mundiais e precisam ser enfrentados local e globalmente.
Enfim, a Carta deveria ser livro de cabeceira dos prefeitos de todas as cidades e municípios do mundo, grandes ou pequenos.

Companheiros e companheiras, irmãos e irmãs, deixemos de ser indiferentes, saiamos do nosso comodismo e vamos à luta! Feliz Natal a todos e a todas!


Fr Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                                                                                   Goiânia, 16 de dezembro de 2015
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos