É
realmente repugnante ler na imprensa do dia 26 de junho deste ano que o jovem
trabalhador M., ajudante de pedreiro, foi barbaramente torturado, mais de sete
horas, por policiais militares do Batalhão da PM em Trindade. Ele - por ter as
características físicas parecidas com o retrato falado do acusado - foi
confundido com o homem que, há poucos dias, estuprou duas irmãs e matou a mais
velha. Posteriormente o jovem trabalhador foi levado à Delegacia da Mulher e
não foi reconhecido pela vítima do estupro. Mas, mesmo que se tratasse do
estuprador e assassino, não se justificaria o crime que os policiais militares
cometeram. É um crime que clama a Deus por justiça.
Segundo
o depoimento da própria mãe, dado no dia 29 de junho à TV Brasil Central, o
jovem trabalhador está totalmente traumatizado, com medo de sair de casa e sem
conseguir dormir. Que barbárie! Em que mundo estamos!
Precisamos
reafirmar com veemência o direito de todo ser humano à integridade física e
condenar o castigo corporal ou a pena cruel e degradante. "Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento ou
castigo cruel, desumano ou degradante" (Declaração Universal dos Direitos
Humanos, art. V, 1948)
Constitui
crime de tortura: "1- constranger alguém com emprego de violência ou grave
ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter
informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para
provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação
racial ou religiosa; 2- submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade,
com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou
mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo"
(Lei N° 9.455, Art. 1°, 7 de abril de 1997).
O
crime de tortura, além de ser um crime contra a Lei, é também e sobretudo um
crime contra a Ética. É um crime que viola todos os Direitos Humanos e é tão bárbaro que deixa qualquer pessoa, com um
mínimo de sensibilidade humana, totalmente indignada. Não podemos mais aceitar
tanta violência policial. Precisamos dizer:
Basta!
Há
poucos dias, no Artigo "Quem executou Walter e Jeferson?", publicado
no Diário da Manhã do dia 31 de maio deste ano, cobrei do novo Secretário de
Segurança Pública do Estado de Goiás, Sérgio Augusto Inácio de Oliveira, uma
investigação séria e honesta sobre a execução dos dois jovens, moradores de
rua, Walter e Jeferson. Até agora, por aquilo que me consta, não foi dada
nenhuma satisfação à sociedade sobre o andamento ou o resultado da
investigação. Os cidadãos, senhor Secretário, merecem mais respeito do Poder
Público.
Peço
também que este caso do jovem trabalhador - torturado e espancado por mais de
sete horas de maneira degradante e humilhante - seja investigado o mais
rapidamente possível e os culpados sejam punidos. É um caso que nos envergonha
a todos. Faço ainda um apelo aos Advogados, que lutam pelos Direitos Humanos,
como os da RENAP (Rede Nacional de Advogados Populares) ou da ABRAPO
(Associação Brasileira dos Advogados do Povo) para que se coloquem, voluntária
e gratuitamente, à disposição do jovem trabalhador - barbaramente torturado,
humilhado e desrespeitado em seus direitos fundamentais - para abrir um
processo contra os responsáveis do crime, exigindo do Estado de Goiás uma
reparação e uma indenização pelos danos físicos e morais sofridos. É o mínimo
que pode ser feito. Trata-se de uma questão de justiça.
Além
de investigar os casos, que são sempre mais frequentes, de violência policial,
torna-se cada vez mais urgente uma "outra formação" para os policiais
militares. Precisamos atingir o mal pela raiz. Os policiais militares
necessitam de uma formação humana integral e libertadora, baseada na Ética e no
respeito aos Direitos Humanos.
O educador Paulo Freire afirma: “Uma das tarefas mais importantes
da prática educativo crítica é propiciar as condições em que os educandos em
suas relações uns com os outros e todos com o professor ou com a professora
ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e
histórico, como ser pensante, comunicante, transformador, criador, realizador
de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito
porque capaz de reconhecer-se como objeto” (Pedagogia da autonomia, São Paulo,
Paz e Terra, 1997, p.46).
Como diz, porém, Valter Machado Fonseca: "Para se falar de
Paulo Freire é preciso alguns requisitos fundamentais. É preciso amar a vida,
acreditar nas utopias, na transformação, numa sociedade mais justa e
igualitária. Do mesmo modo, é preciso ter dentro de si a esperança, a ousadia,
a coragem de enfrentar as adversidades do dia a dia e as repentinas; é preciso,
igualmente, acreditar na integridade, na beleza, e no poder de transformação
dentro do ser humano, principalmente daqueles a quem a vida fecha as portas,
dos 'demitidos da vida', dos 'esfarrapados do mundo'.
Portanto, não estão autorizados a falar sobre ele os opressores,
aqueles que matam, que ceifam a vida de milhões de pessoas. Não estão autorizados
os que reprimem, os sensores, os escravocratas, os ditadores, os fascistas. Não
estão autorizados os que passam pela vida, simplesmente por passar, aqueles que
esperam, acomodados, as coisas caírem do céu. Do mesmo modo, não estão
autorizados todos os que, de uma forma ou de outra, são incapazes de amar. Para
falar de Freire, antes de tudo, é preciso desarmar o coração para deixar falar
a voz da emoção, a voz da esperança e deixar a porta aberta para receber
a utopia" (Paulo Freire e a Educação Libertadora:
destaquein.sacrahome.net/, julho de 2010).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof.
na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de
Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 2 de julho de 2010