“Para cumprir sua missão, a Igreja, a todo momento (reparem: a todo momento!), deve escutar os sinais dos tempos (ou seja, ouvir a voz de Deus nos acontecimentos) e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender (reparem novamente: conhecer e entender!) o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS 4. Cf. também: Documento de Aparecida - DA 33).
“Escutar”, pois, a todo momento os sinais dos tempos “à luz do Evangelho” (à luz do Espírito Santo), significa:
- “conhecer” o mundo (de maneira especial, o país) no qual vivemos com seus desafios (os apelos de Deus para nós) e os acontecimentos sócio-econômico-político-ecológico-culturais de cada momento histórico, tendo como mediação as ciências humanas e sociais (ver, analisar);
- “entender” (discernir) o mundo e os acontecimentos à luz do Evangelho, tendo como mediação a filosofia e a teologia (julgar, interpretar);
- “comprometer-se” com o Reino de Deus - a Boa Notícia de Jesus de Nazaré - na história do ser humano e do mundo, hoje (agir, libertar).
"Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (Concílio Vaticano II. A atividade missionária da Igreja - AG 10).
O método “ver, julgar, agir” (analisar, interpretar, libertar) "nos permite articular, de modo sistemático, a perspectiva cristã de ver a realidade; a assunção de critérios que provêm da fé e da razão (ou seja, da razão iluminada pela fé) para seu discernimento e valorização com sentido crítico; e, em consequência, a projeção do agir como discípulos missionários de Jesus Cristo” (DA 19).
Segundo o ensinamento do Concílio Vaticano II e do Documento de Aparecida, a Igreja não cumpre sua missão no mundo reafirmando - de maneira abstrata e a-histórica - princípios e valores, mas escutando a todo momento (inclusive, nas celebrações e homilias) os sinais dos tempos.
As celebrações e homilias “enlatadas” - que podem ser transladadas para qualquer época e qualquer lugar, sem precisar mudar sequer uma vírgula - não escutam os sinais dos tempos e não são verdadeiras celebrações cristã.
Dizer que Jesus não dava recados com indiretas a ninguém - nem às autoridades - mas anunciava o Evangelho na sua integridade a qualquer pessoa e que a Igreja deve fazer o mesmo, é uma afirmação equivocada e não corresponde à verdade. Jesus - em sua vida pública - deu muitos recados com ou sem indiretas (conforme fosse necessário). Aliás, diante dos recados com indiretas de Jesus, os fariseus e os doutores da lei ficavam mais furiosos ainda.
Dois exemplos de recados com indiretas. No primeiro, dirigindo-se aos fariseus, escandalizados porque comia com os cobradores de impostos e pecadores, Jesus disse: “Eu não vim para chamar os justos (ou, com certa ironia, vocês fariseus que são “justos”), mas os pecadores” (Mt 9,13). No segundo, depois de contar a parábola dos vinhateiros, que acusa as autoridades, o Evangelista diz: “Os doutores da Lei e os chefes dos sacerdotes procuraram prender Jesus. Eles tinham entendido muito bem que Jesus havia contado essa parábola contra eles. Mas ficaram com medo da multidão” (Lc 20,19).
Dois exemplos de recados sem indiretas. No primeiro, estando na casa de um fariseu, Jesus disse: “Vocês, fariseus, limpam o copo e o prato por fora, mas o interior de vocês está cheio de roubo e maldade. (...) Ai de vocês, fariseus, que pagam o dízimo (...), mas deixam de lado a justiça e o amor de Deus. (...) Ai de vocês, fariseus, porque gostam de lugar de honra nas sinagogas (...)” (Lc 11,39-43). No segundo, quando algumas pessoas se aproximaram de Jesus, pedindo para ir embora daquele lugar, porque Herodes queria mata-lo, Jesus disse: “Vão dizer a essa raposa: eu expulso demônios e faço curas hoje e amanhã (...)” (Lc 13,32).
Enfim, Jesus foi condenado porque era considerado “subversivo”, incomodando os poderosos da época, religiosos ou não. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo”. “Ele está provocando revolta entre o povo com seu ensinamento” (Lc 23,2.5).
Num tempo difícil como o nosso - sobretudo no Brasil - sejamos, os cristãos e cristãs, uma Igreja que - a todo momento - “escuta os sinais dos tempos”! É a nossa missão!
Comunico aos prezados leitores e leitoras que - se Deus quiser - voltarei a escrever no início de agosto.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 26 de junho de 2019