quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Ser Igreja-comunidade

 


“O Vaticano II faz-nos passar de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus” (Dom Aloísio Lorscheider). 

Na Igreja sempre houve, há e haverá pessoas - cristãos e cristãs - que viveram, vivem e viverão a radicalidade evangélica, anunciando, testemunhando e fazendo acontecer o Reino de Deus na sociedade e no mundo. 

Como instituição ou sociedade perfeita, porém, a Igreja em sua história de mais de dois mil anos - ao contrário de Jesus de Nazaré que resistiu, superou e venceu as tentações do prestígio, do poder e da riqueza (cf. Mt 4,1-11) - deixou-se muitas vezes seduzir por essas tentações, que - além de desfigurar seu rosto - desacreditaram sua missão no mundo. 

Por iniciativa do Papa São João XXIII, o Concílio Vaticano II abriu as janelas da Igreja para que os ventos da renovação - que já estavam no ar - entrassem com toda força, sacudissem a Igreja e a libertassem de uma estrutura de poder hierárquico esclerosada, adquirida ao longo dos anos. 

O Concílio abriu novos caminhos para que a Igreja voltasse a ser - mesmo com suas limitações humanas - uma Igreja realmente evangélica. Os Padres Conciliares retornaram às origens da Igreja e às suas fontes bíblicas e patrísticas. A Constituição dogmática “A Igreja” (LG) e a Constituição pastoral “A Igreja no Mundo de Hoje” (GS) são documentos-chave para a compreensão do Concílio e da posterior caminhada de renovação da Igreja. 

Depois do Vaticano II, a Igreja passa a ser uma Comunidade de cristãos e cristãs espalhados e espalhadas por todo o mundo. Muitos de nós vivemos - e ainda estamos vivendo - essa passagem: uma verdadeira Páscoa, acontecendo sob a ação do Espírito.

Construímos uma nova igreja que - no Brasil e na América Latina - chamamos com o expressivo nome “Igreja da Caminhada” ou “Igreja das Comunidades de Base”, comprometida com a luta pelos Direitos Humanos, pelos Direitos da Irmã Mãe Terra (Nossa Casa Comum), pela Justiça e Paz e por uma sociedade de irmãos e irmãs: o Reino de Deus acontecendo na história do ser humano e do mundo.

Infelizmente, há mais de duas décadas, surgiram movimentos eclesiais - marcados por uma espiritualidade fundamentalista, individualista e conservadora -  que começaram um processo de retorno ao modelo de Igreja pré-conciliar, com o apoio e incentivo de padres e bispos (muitos dos quais nem viveram esse modelo).

Animados pelo testemunho profético do nosso irmão o Papa Francisco e pelos seus escritos ou pronunciamentos, não podemos permitir que esse retrocesso aconteça. Vamos nos unir, resistir e avançar. Muito já se fez, mas ainda tem muito a ser feito para que a Igreja seja realmente - e cada dia mais - a de Jesus de Nazaré. 

A imagem que - mundial-nacional-regional e localmente - representa a Igreja-comunidade é o círculo e não a pirâmide. Na Igreja-comunidade todos e todas - embora diferentes - são iguais em dignidade e valor, todos e todas são irmãos e irmãs em comunhão, filhos e filhas do mesmo Deus: a Santíssima Trindade (Pai-Mãe. Filho, Espírito Santo), Comunidade de Amor, a melhor Comunidade. 

"Deve-se reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos os seres humanos (homens e mulheres)" (A Igreja no mundo de hoje - GS 29). Na Igreja “reina verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo" (A Igreja - LG 32). 

A Igreja-comunidade é Igreja encarnada e inserida no mundo - Igreja na Base e de Base, Igreja Popular - a serviço do Reino de Deus, que é um mundo novo, a sociedade do bem viver e bem conviver (como nos ensinam os nossos irmãos/ãs indígenas). "Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve (reparem: deve!) a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todos/as possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (A atividade missionária da Igreja - AG 10). 

É essa a Igreja de Jesus de Nazaré! É essa a Igreja que queremos ser! Lutemos por ela!

Círculo, Comunidade, Mãos, Exploração, Pessoas 


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 20 de novembro de 2020



O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/2020/11/24/ser-igreja-comunidade/ 



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos