No dia 20/02/11, lendo na primeira página da Folha
de S. Paulo a manchete “governador por dez dias recebe pensão para vida toda”,
pensei que estava tendo um pesadelo. Não queria e não conseguia acreditar que a
notícia fosse verdadeira. Infelizmente tive que cair na realidade. O governador
chama-se Humberto Bosaipo (DEM-MT). Trata~se de um descaramento sem limites, de
um roubo e de um assalto aos cofres públicos. Como diz Eliane Cantanhede: “haja
estômago!” (Folha de S. Paulo, 21/01/11, p. 2).
Reparem
a artimanha e a má-fé do político: “Quando ainda era deputado estadual,
Humberto Bosaipo foi o autor da emenda que mais tarde garantiria sua
aposentadoria especial como ex-governador de Mato Grosso. Até 2000, só
governadores e vices podiam pedir o subsídio vitalício. A emenda de Bosaipo
substituiu a menção aos vices por uma definição ampla: 'Aqueles que os tenham
substituído e que tenham assinado ato governamental'. Dois anos depois,
Bosaipo, como presidente da Assembleia
Legislativa, governou por dez dias” (Ib., p. A10).
A
lei estadual assegurava a pensão vitalícia “até mesmo para quem ocupasse o
cargo por apenas um dia, desde que, nesse período, tivesse assinado algum ato
governamental” (Ib., 20/01/11, p. A4). Que assinatura cara! Realmente – como
diz o Evangelho – os administradores desonestos agem sempre com esperteza! (Cf.
Lc 16, 8).
O
gasto anual dos Estados com aposentadorias e pensões para ex-governadores ou
suas viúvas é de R$ 30.559.978. O valor daria para pagar uma aposentadoria de
um salário mínimo para 4.993 pessoas, ou incluir mais de 37.000 famílias com
benefício básico (R$ 68 mensais) no Bolsa Família, ou, ainda, construir 793
casas e comprar 1.030 carros populares. Recebem a aposentadoria vitalícia pelo
menos 83 ex-governadores de dez Estados (AM, MA, MG, PA, PB, PR, RO, RS, SE e
SC) (Cf. Ib., 21/01/11, p. A10).
Só
em Santa Catarina, os pagamentos de oito ex-governadores e três viúvas “consomem quase R$ 237 mil por mês ou R$ 3,1
milhão por ano, contando o 13o (Ib., 24/01/11, p. A7). No mesmo
Estado (o governo não informa se é por invalidez), “Hercília Catharina da Luz,
89, filha de Hercílio Luz, que governou Santa Catarina por três mandatos na
República Velha (1889-1930), recebe atualmente (desde 1992) R$ 15 mil por mês
dos cofres públicos” (Ib.). Que ladroagem!
Como
se não bastasse, Minas Gerais e outros cinco Estados ( AC, AL, MA, PA e PI) não
repassam informações detalhadas sobre os benefícios pagos a ex-governadores. O
governo mineiro não só não repassa, mas se recusa a dar estas informações,
argumentando que leis de 2004 e lei assinada pelo atual governador Antônio
Anastasia no dia 13/01/11 não o permitem.
E
ainda, com a maior cara de pau, o senador eleito Jorge Viana (PT-AC),
governador entre 1999 e 2006, defende o benefício como uma “salvaguarda”. Com
sofismas, o senador afirma textualmente: “Dependendo do perfil de algumas
pessoas, que se expõem nas atividades que desempenham, isso pode ser
importante. Eu me expus muito quando ocupei o cargo, e acho que é importante
hoje eu ter uma salvaguarda, inclusive para me proteger” (Ib., 22/01/11, p.
A6). Quem diria! Até o PT, que se considerava
o paladino da Ética!
“Desde
2007, o STF (Supremo Tribunal Federal) considera inconstitucional qualquer
pagamento de pensão a ex-governadores” (Ib., 20/01/11, p. A4).
Apesar
de todos os malabarismos legais usados, a aposentadoria vitalícia de
ex-governadores (ou suas viúvas) é, portanto, inconstitucional e injusta; e a
aposentadoria vitalícia de ex-governadores com mandatos “relâmpago” - além de
ser inconstitucional e injusta - é também uma aberração que causa profunda
indignação e revolta.
Enquanto
estamos denunciando o descaramento sem limites da aposentadoria de
ex-governadores, a imprensa nos surpreende com mais uma notícia, que mostra a
desfaçatez e o despudor de nossos políticos. “Além do pagamento de
aposentadorias a ex-governadores, há Estados que também dão o benefício para
ex-deputados estaduais. O Ministério Público questiona a legalidade destas
remunerações em dois deles: Mato Grosso e Santa Catarina”.
No
Estado do Mato Grosso, “decisões da Assembleia Legislativa permitiram que 16
deputados e ex-deputados conseguissem a aposentadoria vitalícia desde 1998. Os
valores pagos vão subir para R$ 20 mil em fevereiro/11”.
Chega-se
ao cúmulo do absurdo. “Entre os agraciados (com a aposentadoria de
ex-deputados) estão o conselheiro do Tribunal de Contas Humberto Bosaipo, que
governou o Estado por dez dias em 2002 e que também já obteve aposentadoria
como ex-governador” (Ib., 23/01/11, p. A5). Que acinte!
Toda
essa pilantragem institucionalizada – que parece não ter fim - revela a real
motivação (não é certamente o bem comum), que leva muitos de nossos políticos a
assumir cargos públicos. São políticos aproveitadores, interesseiros e
sanguessugas.
Pedimos
a OAB de cada Estado, envolvido nessa falcatrua contra a coisa pública, e a OAB
nacional que tomem as providências cabíveis para que o dinheiro roubado seja
restituído aos cofres públicos e para que os responsáveis sejam processados,
julgados e exemplarmente punidos. É a única maneira de fazer justiça e reparar,
de alguma forma, os prejuízos causados ao nosso povo pobre, explorado e
excluído.
Enfim, precisamos tomar consciência
dessa realidade iníqua e nunca mais votar em candidatos corruptos. Ao expressar
a nossa cidadania, devemos ter presente que: “Não basta votar. Não basta mesmo escolhermos uma pessoa
de 'ficha limpa' por mais importante e fundamental que ela seja. Nossa missão vai
além: levar a pessoa 'ficha limpa' a ser eficaz e a se manter ética durante o
mandato a serviço do bem comum. Devemos estar atentos para dar continuidade a
outros Projetos de Iniciativa Popular, a exemplo do que resultou na Lei 9.840 e
na Proposta denominada 'ficha limpa'.
Algumas
experiências de participação popular já se tornaram luz no caminho dos cristãos
comprometidos com a política como pedagogia promissora: a) Mandatos coletivos:
têm levado a construir estruturas de maior participação dos eleitores e
eleitoras durante o caminhar do mandato. O povo organizado pode mais facilmente
expressar a sua voz com seus anseios, dificuldades e esperanças diante do
Executivo e do Legislativo; b) Os
'Grupos de Acompanhamento ao Legislativo': se tornaram respeitados e eficientes
em várias cidades, grandes ou pequenas. Revestem-se de autoridade moral, sendo
a consciência coletiva do povo no Parlamento local. Apresentam as prioridades com
metodologia criativa” (CNBB - Pastorais
sociais e outros Organismos. Eleições 2010: O chão e o horizonte, p.
3-4).
É
só com uma efetiva e organizada participação na vida pública que teremos condições
de combater as injustiças - como a aposentadoria vitalícia de ex-governadores -
e começar a mudar a prática política.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 25 de janeiro de 2011