Conforme
noticiou a imprensa, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás - atendendo às demandas do empresariado goianiense -
programou para o dia 23 do agosto deste ano, a partir da 18h, a chamada
"Operação Integração 5" na Região Centro de Goiânia e adjacências
para "retirar" as crianças, os adolescentes e os adultos em situação
de rua e "limpar" assim a cidade.
Após
muita polêmica, a Secretária de Segurança Pública, Renata Cheim, adiou o início
da "Operação Integração 5", em função da necessidade de novos ajustes
(cf. Diário da Manhã, 24/08/10, p. 1-2). A meu ver, a questão não está nos
"novos ajustes", mas no fato que a "Operação Integração 5",
enquanto tal, é uma violação dos Direitos Humanos.
Só para
lembrar, o ex-Prefeito de Goiânia Iris Rezende, em reunião no Paço Municipal na
manhã do dia 7 de janeiro deste ano com secretários, diretores e
superintendentes do primeiro, segundo e terceiro escalões, afirmou: "Nós
não temos crianças nas ruas. Mais de 7.500 crianças estão envolvidas com
programas sociais da Prefeitura" (Diário da Manhã, 07/01/10, p. 12). Como
se justifica então a "Operação Integração 5". Que contradição!
Além disso, reparem os verbos usados:
"retirar" como se se tratasse de entulho; "limpar" como se
se tratasse de lixo. Realmente a nossa sociedade - que é estruturalmente
violenta, hipócrita e injusta - trata os moradores de rua como entulho e lixo
humano. Eles perturbam os empresários e todas as pessoas que, em nossa sociedade
capitalista, são chamadas "pessoas de bem".
Lembremos
que "a Constituição Federal de 1988, constituída em Estado Democrático de
Direito, tem como fundamento, entre outros, conforme se verifica no inciso III
do artigo 1º, a dignidade da pessoa humana. Nesse passo, não se admite o
desrespeito à pessoa, quer seja moralmente ou fisicamente. O constituinte, com
uma sapiência divina, vislumbrou uma sociedade livre, justa e solidária, nessa
premissa inseriu um artigo voltado ao direito e garantias fundamentais do ser
humano. E ainda, possibilitou o Brasil a aderir a Tratados Internacionais, que
tenham princípios consolidados na prevalência dos Direitos Humanos, consoante o
que prescreve o inciso II do artigo 4º da Carta Magna"
(www2.forumseguranca.org.br - 22/08/10).
Lembremos
também o direito de todo cidadão de ir e vir. "Todo cidadão
indistintamente tem direito à sua liberdade, ao direito de ir e vir, só podendo
ter a sua liberdade cerceada, em decorrência de prisão em flagrante delito ou
por mandado judicial, devidamente fundamentada por autoridade judiciária
competente, não devendo confundir autoridade judiciária, com administrativa ou
cartorária, devendo estes representar à autoridade Judiciária, a fim de obter
autorização no sentido de se promover à restrição da liberdade de alguém, o que
deverá observar dispositivos legais que oportunizam tal cerceamento"
(Ib.).
Ninguém,
portanto, pode violar o direito humano de ir e vir, nem das crianças e
adolescentes em situação de rua. O Direito à liberdade vem disposto no Capítulo II do
Estatuto da Criança e Adolescente. Tanto a criança quanto o adolescente tem o
direito de ir e vir.
Em
Goiânia e no Estado de Goiás não precisamos da "Operação Integração
5" que, aliás, não integra nada e é - como já falei - uma violação dos Direitos
Humanos. Precisamos, sim, de políticas públicas para as crianças, adolescentes
e adultos em situação de rua. As políticas públicas deveriam suscitar nos
moradores de rua a autoestima; ajudá-los a descobrir o sentido (o valor) da
vida humana e o desejo de ser sujeitos da história. Quem conversa com os
moradores de rua, como irmãos, descobre histórias de vida de muito sofrimento,
mas também - na maioria das vezes - de uma sensibilidade humana tão profunda
que edifica. Basta saber acolher e ouvir.
Para que
isso possa ser feito é necessária uma
pedagogia, que realmente liberte e
humanize as pessoas. As políticas públicas para as crianças, adolescentes e
adultos em situação de rua deveriam ser a prioridade das prioridades do Poder
Publico, federal, estadual e municipal. Os moradores de rua são pessoas humanas
como todos nós e devem ser tratados com respeito e, sobretudo, com amor
Ninguém,
evidentemente, concorda com o fato de crianças, adolescentes e adultos viverem
em situação de rua. Todos tem direito à moradia digna. O problema, porém, não
se resolve com a "Operação Integração 5". Não é este o caminho.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 24 de agosto de 2010