terça-feira, 24 de setembro de 2024

Antes de votar, “escutemos os Sinais dos Tempos”

 


No ano das Eleições Municipais para Vereadores ou Vereadoras e Prefeitos ou Prefeitas (como no ano das outras Eleições), a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e dos Regionais, costumam publicar “Notas oficiais”, dirigidas aos Cristãos Católicos, Cristãs Católicas e a todo o Povo, sobre a Política Partidária.

Normalmente, essas Notas reafirmam princípios gerais da chamada Doutrina Social da Igreja, válidos para qualquer época e qualquer lugar. São Notas a-históricas, que não “escutam os sinais dos tempos”, fazendo a leitura crítica - análise e interpretação - dos acontecimentos à luz do Evangelho, como nos pede o Concílio Vaticano II.

“A Igreja para desempenhar sua missão, a todo momento (reparem: a todo momento e, portanto, também no momento das Eleições), tem o dever de escutar (perscrutar) os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho”. “É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo (repito: conhecer e entender o mundo) no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (A Igreja no mundo de hoje - GS 4).

Infelizmente, a Igreja Católica como Instituição, no decurso da história, cedeu à tentação do poder e incorporou em suas estruturas o pior do Imperialismo, o pior do Feudalismo, o pior do Escravismo e o pior do Capitalismo. Digo isso com muita dor no coração, por amar a Igreja e lutar para que ela - mesmo pecadora - seja realmente conforme o Evangelho.

Por exemplo, como pode a Igreja Instituição - em pleno século 19 - ensinar que a virtude do escravo era a submissão e a virtude do dono de escravos, a benevolência. E, pior ainda, como pode conviver com escravos e escravas em seus próprios quadros? Como conseguia conciliar isso com o Evangelho!?

Hoje, se a Igreja escutasse a todo momento os sinais dos tempos, interpretando-os à luz do Evangelho, com certeza denuciaria profeticamente o Sistema Capitalista Neoliberal como sendo a historicização do “pecado do Mundo”, do “pecado social ou estrutural” institucionalizado.

Um dado recente da realidade - entre muitos que poderiam ser citados - é suficiente para confirmar isso. “A riqueza dos cinco homens mais ricos mais que dobrou, entre 2020 e 2023, saindo de 405 bilhões de dólares para 869 bilhões de dólares. Enquanto 5 bilhões de pessoas ficaram mais pobres no mesmo período. A desigualdade e a fome aumentam dia após dia” (Jornal “Grito dos Excluídos e Excluidas”, ano 30 - número 81 - março/abril - 2024).

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e dos Regionais - com seus pronunciamentos a-históricos, que reafirmam valores universais sem escutar os Sinais dos Tempos - não acabam legitimando, consciente ou inconscientemente (só Deus sabe), situações conjunturais e estruturas socioambientais, socioeconômicas e sociopolíticas perversas, desumanas, injustas, antiéticas e sobretudo, anticristãs, que matam a maioria do nosso Povo? Do ponto de vista histórico, não é uma alienação? A Igreja Instituição não está usando das benesses do Sistema Capitalista Neoliberal, como usou das benesses da Escravidão?

“Pergunto-me - diz o nosso Irmão Papa Francisco - se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um Sistema que se tornou global. Reconhecemos que este Sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza? Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este Sistema é insuportável: não o suportam os Camponeses, não o suportam os Trabalhadores, não o suportam as Comunidades, não o suportam os Povos... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco”. Este Sistema exclui, degrada e mata!” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15). E ainda: com muito realismo, Francisco afirma que hoje os Pobres não são excluídos (somente), mas descartados.

Depois do Concílio Vaticano II, e da Conferência de Medellín (o Concílio para a América Latina e Caribe), vivemos na Igreja, com muito entusiasmo, um período de profunda renovação, mas infelizmente - há algum tempo - a Igreja está voltando atrás. As palavras: “Libertação”, “De Base” e “Popular” tornaram-se praticamente “palavras proibidas”.

Na Igreja - como “Instituição capitalista” - existe muita hipocrisia, muito farisaismo. Os Documentos de Medellín, por exemplo, não são citados nem na Lista das Síglas! Hoje, a Igreja fala muito em Comunidades Eclesiais Missionárias, mas esquece-se de dizer que as Comunidades Eclesiais - para serem Missionárias - têm que ser De Base, ou seja, encarnadas na vida do Povo. Até os palácios episcopais estão voltando. Que vergonha! É uma afronta ao Evangelho.

E agora, uma advertência: os e as que pensam que “a Igreja das CEBs acabou”, estão enganados. O Espírito Santo não vai permitir. Mesmo nas catacumbas, elas estão muito vivas e vão voltar com mais força. É Jesus que quer!

Também atualmente, apesar de tudo, existe - graças a Deus - o outro lado da moeda e falo isso por experiência pessoal. Mergulhando na Igreja Povo de Deus, Povo Pobre das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), percebi que, nessas Comunidades, existe muita sabedoria e santidade que vem de Deus e que me fez crescer como Ser humano e como Cristão. Sou profundamente grato às CEBs. Tudo isso é motivo de esperança!

Por fim, pessoalmente - depois de escutar os Sinais dos Tempos - declaro com toda sinceridade: nenhum Ser humano consciente e, mais ainda, nenhum Cristão (Ser humano radicalmente consciente) deve votar em Partidos e Candidatos, que - em sua ideologia - apoiam, defendem e sustentam o Sistema Capitalista Neoliberal - totalmente irracional, perverso, desumano, antiético e anticristão (mesmo que, hipocritamente, esses Partidos e Candidatos ofereçam ao Povo algumas “balinhas” para enganá-lo e mantê-lo submisso, sem greves e sem revoltas).

Unidos e unidas vencemos e vencermos! Jesus está e estará sempre do nosso lado! “Somos Mundo Novo, Mundo Novo queremos”!




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282


Goiânia, 23 de setembro de 2024


sexta-feira, 6 de setembro de 2024

Por uma Política Partidária Ética

 


“O Ser humano, por um lado, experimenta-se limitado de muitas maneiras, por outro lado, sente-se ilimitado (infinito) em seus desejos e chamado a uma vida superior" (Conc. Vat. II. A Igreja no mundo de hoje - GS 10).

Em sua experiência existencial, o Ser humano percebe-se, ao mesmo tempo, como um ser histórico e meta-histórico: “já e ainda não” (na passagem de situações históricas menos humanas para situações históricas mais humanas) e “além da morte” (na passagem definitiva: a plenitude da Páscoa).

As dimensões da historicidade e meta-historicidade, são constitutivas do Ser humano.

Enquanto Ser histórico, o Ser humano é um ser situado (no espaço) e datado (no tempo). Por isso, sua Práxis (Prática e Teoria dialeticamente unidadas) é tambem situada e datada (com as limitações próprias do espaço e do tempo).

Na Práxis como Prática (Ação), a Teoria (Conhecimento: comum, científico, filosófico, teológico) está sempre presente; na Práxis como Teoria (Conhecimento: comum, científico, filosófico, teológico), a Prática (Ação) está sempre presente. 

Toda Práxis (Prática e Teoria) humana - com Fé cristã ou sem Fé cristã, com Religião ou sem Religião - é política:

- comprometida com a construção de um Novo Projeto de Cidade (Pólis), de Sociedade e de Mundo, justo, humano e ético, que é o Projeto Político Popular (PPP), Projeto Comunitário de Irmãos e Irmãs, ou

- comprometida - direta ou indiretamente - com a manutenção e o fortalecimento do Projeto de Cidade, de Sociedade e de Mundo injusto, desumano e antiético (legalizado e institucionalizado), que é o Projeto Capitalista Neoliberal ou Ultraneoliberal dominante. “Esse Sistema é insuportável, exclui, degrada e mata”. “Os Pobres não são só excluídos, mas descartados” (Papa Francisco).

Um dado recente da realidade - que ostenta acintosamente uma iniquidade social repugnante - confirma as palavras de Francisco. “A riqueza dos cinco homens mais ricos mais que dobrou, entre 2020 e 2023, saindo de 405 bilhões de dólares para 869 bilhões de dólares. Enquanto 5 bilhões de pessoas ficaram mais pobres no mesmo período. A desigualdade e a fome aumentam dia após dia. E as políticas sociais continuam sendo cortadas dos orçamentos públicos, porque a vida das pessoas que acessam os serviços públicos pouco importa” (Jornal “Grito dos Excluídos e Excluidas”, ano 30 - número 81 - março/abril – 2024, 1ª página).

Como Seres humanos - mesmo sendo diferentes - não temos todos e todas a mesma dignidade, o mesmo valor e os mesmos direitos? Por que então temos uma Sociedade - e até uma Igreja - de classes? Por que há tanta desigualdade e tanta injustiça institucionalizada?

A Práxis (Prática e Teoria) Político-Partidária é um dos meios - hoje fundamental - para fazer Política. Temos muitos outros meios, como a Práxis Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras, a Práxis Socioambiental dos Movimentos Populares, dos Coletivos de Mulheres, das Entidades de Estudantes, dos Fóruns de Direitos Humanos e de Cuidado com a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum e de muitas outras Organizações Populares.

Como cristãos e cristãs, temos ainda a Práxis das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), das Pastorais Sociais, das Comissões de Justiça e Paz e Outras.

Para que essa Práxis (Prática e Teoria) dos Partidos Políticos Populares chamados de esquerda) - como também das outras Organizações Populares - seja um meio para fazer Política ética só há um caminho: os Partidos Políticos Populares e todas as Organizações Populares - devem, clara e publicamentete, ter lado, o lado dos/as Pobres (Opção pelos Pobres). É com eles e elas que devem lutar, abrindo caminhos novos que fazem acontecer o Projeto Político Popular (PPP), Projeto Comunitário, baseado na Igualdade, na Justiça e na Fraternidade. Todos/as somos convidados e convidadas a entrar nesse caminho.

Aliança significa Comunhão de Projeto, mesmo com diferenças (que são positivas) na maneira de realizá-lo. Ora, por coerência ética, com os Partidos Políticos e as Organizações Sociais que defendem a manutenção e o fortalecimento do Projeto Capitalista Neoliberal só pode haver Acordos Pontuais para resolver situações emergenciais, mas nunca Alianças.

As “Alianças” oportunistas - mesmo que possibilitem algumas obras sociais de carater assistencial e promocional (o que em si é positivo) - na realidade fortalecem o Projeto Capitalista Neoliberal, evitando manifestações e greves de protesto do Povo Trabalhador. No fundo, essas “Alianças”, retardam a realização do Projeto Político alternativo: o Projeto Político Popular (PPP). 

E ainda: dizer que não podemos misturar Fé ou Religião com Política Partidária é um grande equivoco, que faz o jogo do Poder Dominador e Opressor e mantém o Povo submisso. Se eu sou um Ser humano de Fé Cristã (um Ser humano radical), é como tal que faço política partidária. A vida humana não se separa.

Ora, é uma hipocrisia muito grande usar a Fé ou a Religião para justificar e legitimar uma sociedade legal e estruturalmente injusta e antiética.

Por fim, mesmo diferentes, unidos/as e organizados/as, já somos vitoriosos e vitoriosas! Esperançar é preciso! Parabéns a todos os candidatos e candidatas dos Partidos Políticos Populares que estão do lado e ao lado dos Pobres e, com eles e elas, lutam pelo Projeto Político Popular (PPP), que é um Brasil Novo e um Mundo Novo acontecendo.


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Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP)

e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

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Goiânia, 05 de setembro de 2024



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos