segunda-feira, 26 de abril de 2010

A situação subumana dos presos em Goiás

"Enviou-me para proclamar a libertação aos presos" (Lc 4,18)

            As quatro reportagens do Jornal O Popular do início de fevereiro deste ano sobre a realidade dos detentos nas unidades que integram o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (Penitenciária Odenir Guimarães - POG, Casa de Prisão Provisória - CPP, Presídio Semiaberto, Núcleo de Custódia, Presídio Feminino) e na Casa do Albergado no Jardim Europa, nos deixaram a todos profundamente indignados (cf. O Popular, 1-4 de fevereiro/10). Não dá para acreditar que em pleno século XXI ainda existam situações como essas. Infelizmente, os nossos Presídios são depósitos de detentos, tratados como "lixo humano". As matérias e as imagens publicadas falam por si mesmas. Todos os Direitos Humanos fundamentais estão sendo permanentemente violados.
            O Promotor de Justiça da área de Execução Penal em Goiânia, Haroldo Caetano da Silva apresenta provas testemunhais e ampla documentação fotográfica sobre a situação subumana dos detentos no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (o antigo Cepaigo). No POG, por exemplo, os 1.500 detentos ocupam 750 vagas existentes no Presídio e - afirma o Promotor - "passam os dias no ócio, sem atendimento mínimo de saúde, em meio a entulho e esgoto, com regras próprias de convivência, autoridade e hierarquia" (Ib., 1° de fevereiro/10, p. 2).
            Diante desta situação subumana tão degradante, em que vivem os nossos irmãos e irmãs presos, a primeira atitude que a Justiça - se houvesse Justiça - deveria tomar, seria a interdição imediata dos Presídios da Grande Goiânia, obrigando o Estado a manter os presos em outros complexos habitacionais ou hoteleiros, até que seja realizada uma reforma e uma reestruturação completa dos Presídios.
O que causa mais estranheza ainda - por mostrar a irresponsabilidade humana e ética do Poder Público Estadual - é saber que "o Governo federal já liberou ao Estado, em 2008 e em 2009, R$ 7,2 milhões para reforma e ampliação da Penitenciária Odenir Guimarães (POG), o antigo Cepaigo, e dos Presídios de Semiaberto, no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia. A realidade dos dois Presídios é de caos, com uma estrutura física que não suporta a superlotação nem oferece as condições mínimas de convivência humana e segurança. O dinheiro do Ministério da Justiça já está depositado nas contas do Governo Estadual, quase metade desde 2008. Mas, até agora, nem as licitações para as obras foram realizadas" (Ib., 3 de fevereiro/10, p. 5).
             "O Estado - afirma o Promotor Haroldo Caetano - tem uma postura de não investir no Sistema Prisional, mesmo quando a União libera recursos" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            Pergunto: Quem será processado, julgado e punido pela morte (1° de agosto de 2009), na Penitenciária Odenir Guimarães (POG), de Paulo Roberto Reis, que era paraplégico e que - tomado por escaras, desnutrição e desidratação - teve infecção generalizada por falta de assistência médica? (Cf. Ib., 1° de fevereiro/10, p. 3).
            Na Casa do Albergado a situação não é diferente. O Conselho da Comunidade na Execução Penal (CCEP) - presidido pela Irmã Petra Silvia Pfaller, que atua também na Pastoral Carcerária da Arquidiocese de Goiânia - numa visita que fez em dezembro passado à Casa do Albergado, onde presos cumprem pena em regime aberto (e, agora também, em regime semiaberto) constatou - como confirmam as imagens - "a superlotação (três vezes superior à quantidade de vagas), a falta de higiene e a inexistência de mínima estrutura física e condições humanas para o abrigo dos presos" (Ib., 4 de fevereiro/10, p. 4).
            A Pastoral Carcerária confirma a realidade - registrada em fotos - encontrada pelo Promotor Haroldo Caetano e a vive cotidianamente. A Irmã Petra, que acompanha há 17 anos os detentos, diz que o Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia "é o inferno brasileiro". Fala do "descaso com a infraestrutura" e diz que "no Semiaberto, o esgoto sempre sobe com a chuva". Constata ainda o agravamento da superlotação. "Quando eu comecei, havia 500 pessoas no Cepaigo. Hoje, são 1,5 mil" (Ib., 2 de fevereiro/10, p. 3).
            O Jornal O Popular, do dia 29 de março deste ano, publicou outra reportagem sobre o péssimo estado no qual se encontra a estrutura física do Presídio Semiaberto, que já tinha sido parcialmente interditado pelo juiz Alexandre Manso e Silva em outubro do ano passado, determinando que até 12 de março deste ano fossem tomadas as medidas necessárias para melhorar as condições do local. Como o Estado até hoje não cumpriu o que tinha sido determinado, o juiz substituto da 4a Vara Criminal de Goiânia, que cuida da Execução Penal, Marcelo Lopes de Jesus interditou o Presídio Semiaberto e determinou que 240 presos (homens e mulheres) da Casa do Albergado fossem liberados (terminando de cumprir suas penas em regime domiciliar), abrindo vagas para os  presos que estavam no Presídio Semiaberto. O promotor Haroldo Caetano da Silva, mais uma vez, afirma: "Literalmente os presos estavam dormindo sobre as próprias fezes" (Ib., p. 3).
            O mesmo Jornal O Popular, no dia 20 de abril deste ano,  publicou mais uma reportagem sobre os presos doentes mentais e afirma: "Presos com doenças e transtornos mentais são jogados diariamente na vala comum de presídios à beira do colapso. Essa é a realidade de pelo menos 57 detentos em Goiás, 33 deles com necessidades claras de tratamento. Sem assistência adequada, esses indivíduos têm seus quadros psiquiátricos agravados, representando um risco para si mesmos, para o sistema e para a sociedade, quando postos em liberdade".
            E continua ainda dizendo: "sujeitos às regras do cárcere, eles convivem  com a falta de remédios. Reunidos numa ala da Penitenciária Odenir Guimarães (o antigo Cepaigo) em Aparecida de Goiânia, num lugar chamado de pátio da enfermaria, homicidas, assaltantes, estupradores e traficantes são abandonados à própria sorte. Para dar apenas um exemplo do caos, o sistema conta com um único psiquiatra para cuidar de uma população carcerária formada por mais de 11 mil presos. O assassino confesso dos seis jovens de Luziânia é a prova cabal desse cenário" (p. 2).
A respeito dos presos doentes mentais, o promotor de Justiça Haroldo Caetano, da Execução Penal, denúncia: "Esses sujeitos estão em lugares que se comparam às masmorras medievais ou a campos de concentração" (Ib.). Que situação! Como podem as nossas autoridades ser tão insensíveis diante de tantas mazelas do sistema penitenciário? 
            Os presos clamam por justiça, por seus direitos violados e por sua dignidade perdida. Ouçamos este clamor dos nossos irmãos e irmãs presos e sejamos seus porta-vozes.
            Deus disse: 'Eu vi a miséria do meu povo (…). Ouvi o seu clamor (…) e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo (…)" (Ex 3, 7-8).

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   

Goiânia, 26 de abril de 2010

domingo, 4 de abril de 2010

Carta aberta ao ministro Paulo Vannucchi

Senhor Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República:
Como o senhor sabe, no dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na Região Sudoeste de Goiânia, Goiás. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nesta Operação Militar todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável, é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador do Estado de Goiás Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Por se tratar - no caso do Parque Oeste Industrial - de "grave violação de Direitos Humanos", e para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita, pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem. O Estado de Goiás, que foi quem praticou os crimes, não tem - pela lógica - as condições éticas e legais para processar e julgar ninguém.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito em 2009 num Ato Público, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Senhor Ministro, conhecendo a sua história, e o seu compromisso com a defesa dos Direitos Humanos e da Ética, contamos com o seu empenho para que esses crimes não fiquem impunes e não caiam no esquecimento. 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br   
Goiânia, 04 de abril de 2010


sexta-feira, 2 de abril de 2010

O caso do Parque Oeste Industrial: cinco anos de impunidade


"Nós somos fortes, somos guerreiros, somos povo lutador"
(Músico Marcos, Canção "Nossa História")

O músico Marcos, companheiro sem-teto da Ocupação "Sonho Real" foi um dos que foram espancados brutalmente pela Polícia Militar no dia 16 de fevereiro de 2005 durante a desocupação da área. A canção, intitulada "Nossa História" encheu muitas vezes os olhos de lágrimas de todos os companheiros/as que estavam unidos na luta pela moradia, pois expressava a sensação de força que o povo adquire quando se une por um objetivo comum. Infelizmente, a vitória não foi dessa vez, mas a esperança nunca morre.
No dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial na Região Sudoeste de Goiânia. Pelas proporções e pelo requinte de desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos os principais fatos:
De 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou  uma verdadeira Operação Militar de Guerra, cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses crimes continuam até hoje impunes.
            Segundo Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido, a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram. “Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nessas Operações Militares - como já dissemos outras vezes - todos os Direitos Humanos fundamentais foram violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos/as e os Direitos das Pessoas com necessidades especiais.
A liminar de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de ser irresponsável,  é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII). A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu a função social e podia ser desapropriada "por interesse social" (Art. 5, XXIV).
Mesmo, porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e "Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o Governador Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se candidatar novamente.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do  Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
No Jornal O Popular do dia 30 de março deste ano saiu a notícia que o major Alessandri da Rocha Almeida vai a júri popular pela morte de Vagner da Silva Moreira, porque "duas testemunhas ouvidas em juízo garantiram ter visto o major atirando contra a vítima, que estava desarmada quando foi alvejado" (p.2). Esta notícia é sem dúvida um fato positivo, mas  o que nós queremos não é só isso.  Queremos que sejam investigadas e julgadas as Operações "Inquietação" e "Triunfo", como grave violação dos Direitos Humanos. O Estado de Goiás - que foi o responsável dessas Operações criminosas - não tem as mínimas condições legais e éticas de fazer isso.
Portanto - para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e nunca mais se repita - pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A, § 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem.
Queremos também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público, Estadual e Municipal.
Queremos ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito no Ato Público de 2009, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será "libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Chegando ao final do meu Artigo, lembro parte do poema "Saudades de Pedro" da viúva Eronildes Nascimento:
"Pedro!/ Destruíram sua vida e a minha/ Destruíram nossa casa/ Destruíram nossa família/ Destruíram nossos sonhos/ Eu olho suas fotos, leio suas cartas e/ Vejo-te alegre e sonhador!/ Confiante na vida, a vida que ti foi tirada/ Meu amor nem tempo deram para nos despedirmos/ Eu jamais pensei que iria te perder/ Nada é mais difícil do que viver sem você/ Nossos pertences me trazem você/ Ainda sinto seu cheiro/ Todos os dias espero o seu regresso/ Sinto uma dor muito forte no peito/ Sinto saudades, lembro de você sempre alegre a sorrir/ Você era justo, guerreiro e lutador/ Era marido e um pai maravilhoso/ Tiraram-me você/ (…) Pedro Nascimento/ Para sempre ti amarei".
Lembro também a "Carta para Deus", escrita por Sônia Chaves dos Santos dias antes de seu falecimento (01/04/05), quando já estava internada. Sonia faleceu de falência múltipla dos órgãos, resultado de uma infecção generalizada contraída no banheiro do Ginásio do bairro Capuava, vítima do descaso do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Eis o texto:
"Quero que um anjo venha ler esta carta"
"Eu quero receber a minha vitória, ainda neste mês, eu quero o dinheiro para eu comprar minha casa.
Desejo viver com o homem da minha vida e meus três filhos, sem depender de ninguém, eu já venci as barreiras, quem segura na mão de Deus não cai, eu já venci.
Eu quero receber coisas novas, Senhor me renova, eu não sou sua filha única, mas eu já sofri muito e não quero mais sofrer, pois eu estou acabando de vencer".
Gostaria agora de perguntar: Será que o poema de Eronildes e a carta de Sônia não dizem nada aos responsáveis dessa barbárie? Será que eles conseguem dormir com a consciência tranquila? Lembrem-se que Deus é justo. A justiça humana pode falhar, mas a justiça de Deus nunca falha.
No dia 21 de fevereiro deste ano realizamos um Ato Público no Parque Oeste Industrial às 9,00h e um Culto Ecumênico no Colégio Municipal Renascer do Residencial Real Conquista às 19,30h. Nesses dois momentos fizemos a "memória" de tudo o que ocorreu no Parque Oeste Industrial, e essa memória - mesmo muito sofrida - levou-nos a nos unir mais, a renovar a nossa esperança e a fortalecer a nossa fé num mundo novo, onde todos/as sejam irmãos e irmãs.

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Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano 
    Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

Goiânia, 02 de abril de 2010
A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos