Senhor
Ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da
República:
Como o
senhor sabe, no dia 16 de fevereiro deste ano completou 5 anos do despejo dos
Moradores da Ocupação "Sonho Real" no Parque Oeste Industrial, na
Região Sudoeste de Goiânia, Goiás. Pelas proporções e pelo requinte de
desumanidade, trata-se da maior barbárie praticada em toda a história de
Goiânia, e uma das maiores do Brasil e do mundo.
Relembremos
os principais fatos:
De 6 a 15
de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou
a ação de reintegração de posse, realizando a chamada "Operação
Inquietação", que foram dez dias de tortura
física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a
entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com
as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão
de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar
promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação.
No dia 16
de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou uma verdadeira Operação Militar de Guerra,
cinicamente chamada "Operação Triunfo". Numa hora e quarenta e cinco
minutos, cerca de 14.000 pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira
violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A
Operação Militar produziu 2 vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala,
tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas
(suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Esses
crimes continuam até hoje impunes.
Segundo
Dalvina Mendes da Silva, seu filho, Vagner da Silva Moreira, de 21 anos, foi
morto quando já estava fora da Ocupação. “Ele estava na fila indiana, aqui
fora. Aí, os policiais chamaram todos para dentro. Estavam batendo em um outro
rapaz. Meu filho olhou. Aí bateram nele. Ele caiu e atiraram”, conta, com a voz
embargada pelo choro, a mãe de Vagner. Eronildes da Silva Nascimento, viúva de
Pedro Nascimento, afirma que quando estava saindo do Parque Oeste com o marido,
a polícia chegava atirando e jogando bombas. Com o tumulto, eles se separaram.
“Me contaram que a polícia atirou nas costas dele. Dois tiros. Não deixaram
ninguém socorrê-lo. Depois, algemaram o corpo dele e deixaram ele jogado no
chão para servir de exemplo" (Agência de Notícias IBRACE - www.ibracego.org.br).
Nesta
Operação Militar todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente
violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o
Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do
Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das
Pessoas com necessidades especiais.
A liminar
de reintegração de posse da Juíza Substituta Dra. Grace Corrêa Pereira, além de
ser irresponsável, é - a meu ver - inconstitucional, por considerar a
propriedade privada como um direito absoluto, ao qual tudo deve ser
sacrificado, inclusive a vida. A Constituição Federal diz de maneira muito
clara: "a propriedade atenderá a sua função social" (Art. 5, XXIII).
A área da Ocupação "Sonho Real" - loteamento de 1957 - nunca cumpriu
a função social e podia ser desapropriada "por interesse social"
(Art. 5, XXIV).
Mesmo,
porém, que a liminar fosse considerada constitucional, com certeza a maneira
bárbara como o Estado - pressionado pelo setor imobiliário e submisso a seus
interesses - cumpriu a liminar (as Operações "Inquietação" e
"Triunfo") é não só injusta e antiética, mas também ilegal e
inconstitucional. Os então responsáveis dessas Operações Criminosas - que são o
Governador do Estado de Goiás Marconi Perillo, o Secretário de Segurança Pública
Jônathas Silva e o Comandante da Polícia Militar Coronel Marciano Basílio de
Queiroz (com a conivência do Judiciário e a omissão do Poder Municipal) - devem
ser processados e julgados. É uma questão de Justiça. Aliás, se em nossa
sociedade tivéssimos um mínimo de Justiça, o ex-Governador Marconi Perillo não
só deveria ser processado e julgado, mas também cassado e impedido de se
candidatar novamente.
Depois do
despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral
de Goiânia (onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de
muita indignação e sofrimento), cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500
pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de
Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em
seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros
refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e
idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do
descaso do Poder Público do Estado de
Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
Por se
tratar - no caso do Parque Oeste Industrial - de "grave violação de
Direitos Humanos", e para que tamanha barbárie não caia no esquecimento e
nunca mais se repita, pedimos, conforme reza a Constituição Federal, a
federalização dos crimes ocorridos e a indenização das vítimas (Art. 109, V-A,
§ 5). Os crimes contra os Direitos Humanos nunca prescrevem. O Estado de Goiás,
que foi quem praticou os crimes, não tem - pela lógica - as condições éticas e
legais para processar e julgar ninguém.
Queremos
também recorrer à Conte Internacional dos Direitos Humanos da OEA e realizar um
Tribunal Popular para julgar e condenar, no banco dos réus, o Poder Público,
Estadual e Municipal.
Queremos
ainda fazer uma Campanha para que ninguém compre lotes na área - até hoje sem
nenhuma função social - da ex-Ocupação "Sonho Real", e para que a
área, com base na Constituição Federal, seja declarada de "utilidade
pública" e desapropriada (Art. 5, XXIV). Como já foi dito em 2009 num Ato
Público, trata-se de uma área impregnada de sangue inocente; uma área que, no
sentimento religioso do Povo, é "amaldiçoada" por Deus e só será
"libertada" da maldição divina se for utilizada para o bem comum, e
em benefício dos Pobres e Excluídos da sociedade.
Para
encaminhar e realizar estas propostas, pedimos a colaboração de pessoas
voluntárias, profissionalmente preparadas (sobretudo na área jurídica) e que
sejam sensíveis à causa dos Direitos Humanos e da Ética,
Senhor
Ministro, conhecendo a sua história, e o seu compromisso com a defesa dos
Direitos Humanos e da Ética, contamos com o seu empenho para que esses crimes
não fiquem impunes e não caiam no esquecimento.
Fr. Marcos Sassatelli,
Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da
UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos
Humanos
(Comissão Dominicana de Justiça e Paz
do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do
Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 04 de abril de 2010
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