A presidenta eleita Dilma Rousseff,
durante entrevista coletiva realizada em Seul, Coreia do Sul, afirmou:
"Alguma coisa vai ter de ser feita em relação ao salário dos ministros.
Porque, caso contrário, nós não vamos ter ministros no Brasil. É muito defasado
em relação ao mercado" (Folha de S.
Paulo, 12/11/10, p. A4).
Coitados dos
ministros! Dá até pena! Quem sabe, a presidenta eleita do Brasil não poderá -
no próximo governo - socorrer os ministros com a bolsa família? Pessoalmente,
dou outra sugestão, mais prática e menos dispendiosa. A presidenta eleita
poderia convidar para assumir os ministérios alguns trabalhadores/as (cuja
classe o governo dito "popular" e o partido dito "dos
trabalhadores" traíram). Esses ministros trabalhadores/as ficariam muito
contentes com o salário de R$ 10.748,43 brutos (mais as verbas extras, as
ajudas de custo e os jetons, que somam - talvez - uma quantia maior que o
próprio salário) e fariam um governo voltado para os interesses dos trabalhadores/as,
abrindo caminhos novos para construir "uma outra sociedade possível",
mais justa, mais humana e mais fraterna.
Realmente as palavras da presidenta
eleita deixam qualquer pessoa, que tem um mínimo de senso de justiça,
profundamente indignada. Isso mostra como os nossos governantes, deslumbrados e
obcecados pelo poder, estão por fora da realidade e da vida sofrida do nosso
povo, que não precisa de "migalhas", mas de condições para uma vida
digna.
Aliás, as "migalhas" - chamadas
de "programas de distribuição de renda" - embora sirvam para aliviar
situações de extrema necessidade e pobreza (que, para quem sofre, é muito bom),
não atingem em nada as estruturas do sistema econômico neoliberal, que é
um "sistema econômico iníquo"
(Documento de Aparecida - DA, 385). Pelo contrário, como diz Delfim Netto - que
foi o homem forte da economia no regime militar e é atualmente - por incrível
que pareça - um dos principais conselheiros do atual governo - "o capitalismo deve aos programas de distribuição de renda
sua sobrevivência no país" e o governo "mudou o país de forma
importante, de forma a salvar o capitalismo" (Entrevista de Aguinaldo
Novo. Em: O Globo, 20/09/09). Aqui está a grande ambiguidade - que é uma
verdadeira hipocrisia - do governo atual e tudo indica que, no próximo governo,
será a mesma coisa.
Mesmo que o salário dos
ministros seja “defasado em relação ao mercado”, a preocupação da presidenta
eleita e do próprio presidente Lula devia ser o salário dos trabalhadores/as –
que é um salário de fome - e não o salário dos ministros. Infelizmente, não é
isso que acontece.
"Lula e Dilma decidem
propor mínimo de R$ 550 em 2011. Valor significa aumento real de 2,2%, abaixo
dos 7,7% pedidos pela centrais" (Folha de S. Paulo, 13/11/10, p. A4). A
presidenta eleita e o presidente atual orientaram suas equipes "a barrar
projetos no Congresso que possam comprometer a meta do superavit primário de
3,3% do PIB (Produto Interno Bruto) - toda economia do governo para pagamento
de juros da dívida pública" (Ib.). São esses os verdadeiros interesses dos
nossos governantes, que mostram claramente de que lado eles estão.
A dívida pública brasileira "é dividida em duas
partes: externa e interna. A dívida externa estava em 282 bilhões de dólares em
dezembro de 2009. Já a dívida interna estava em mais de dois trilhões de reais
no mesmo período. Se somarmos as duas dívidas, chegamos perto de três trilhões
de reais. Esta dívida está consumindo a maior parte dos recursos da União. No
último ano, os gastos com a dívida consumiram 380 bilhões de reais, que
correspondeu a 36% de todo o orçamento da União, sendo disparado o maior gasto.
Enquanto isso, foram destinados em recursos 4,8% para a saúde e 2,8% para a
educação" (Maria Lucia Fattorelli. Entrevista: Dívida pública e juros. Quem
paga a conta? Em: "amaivos.uol.com.br"). Esse é um crime social que
mata paulatinamente os pobres e clama a Deus por justiça.
Quando será que o Congresso Nacional cumprirá a
Constituição Federal de 1988, que diz: "No prazo de um ano a contar da
promulgação da Constituição, o Congresso promoverá, através de comissão mista,
exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento
externo brasileiro" (Ato das
Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, art. 26).
Para mudar esta situação de
injustiça e fazer acontecer uma sociedade diferente, precisamos da união de
todas as pessoas que sonham com um mundo novo; precisamos de sindicatos,
centrais sindicais, organizações e movimentos populares independentes (que não
se deixam cooptar), organizados e combativos. Para todos os que defendem a
dignidade da pessoa humana e para os cristãos/ãs, que acreditam no projeto de
Jesus de Nazaré, "a esperança nunca morre" (D. Pedro Casaldáliga).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
Dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da
Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa
Senhora da Terra
Goiânia, 15 de novembro de 2010