Nesses dias assistimos a um espetáculo político
deprimente: a discussão sobre o salário mínimo por parte do governo e dos
parlamentares.
Antes
de tudo, podemos constatar a maneira autoritária e desrespeitosa como o governo conversou com os Sindicatos e as
Centrais sindicais. O ministro Gilberto Carvalho (Secretaria Geral),
representante da presidenta Dilma na negociação, disse que não “levará em conta”
os protestos. “Na questão do mínimo, nós entendemos que não há mais negociação.
Vamos reafirmar os R$ 545”. “Se tivéssemos folga e uma situação fiscal
tranquila, poderíamos ser mais generosos”. Que cinismo! O ministro sabe muito
bem - embora finja de não saber - que um salário mínimo digno não é uma questão
de generosidade do governo, mas é um direito dos trabalhadores.
O
próprio ex-presidente Lula - que, como ex-trabalhador, deveria conhecer a vida
dos trabalhadores - saiu em defesa de Dilma e criticou o “oportunismo” dos
Sindicatos na negociação pelo reajuste do salário mínimo (Cf. Folha de S.
Paulo, 09/02/11, p. A4). Será que o “oportunismo” não é do governo? Será que o
ex-presidente Lula, deslumbrado pelo poder, e o próprio partido, dito “dos
Trabalhadores”, não precisam refrescar a memória sobre a vida sub-humana da
grande maioria dos trabalhadores? Ou será que as “cataratas” impedem os
parlamentares do PT e seus aliados de enxergar a realidade?
Na
discussão sobre o salário mínimo, os parlamentares debocham da inteligência
do povo. Em geral - com raras exceções -
não têm nenhuma preocupação com a vida e as necessidades básicas dos
trabalhadores e de suas famílias. O “é dando que se recebe”, ou, em outras
palavras, o “toma lá e dá cá” é a questão central do debate. Trata-se de uma
barganha que visa somente os interesses pessoais e de grupos.
Há
pelo menos quarenta anos que, nessa farsa toda, os parlamentares afirmam na
imprensa, com desfaçatez e cinismo, que é preciso estabelecer uma meta de
recuperação de salário mínimo, mas nada ou quase nada fazem. É sempre a mesma
enrolação e a mesma enganação do povo, Só mudam os atores. Aqueles que, antes
de chegar ao poder, defendiam, alto e bom som, um salário mínimo que atendesse
às necessidades básicas dos trabalhadores (como, por exemplo, o Vicentinho,
relator do projeto), agora defendem um salário mínimo de fome. É a total falta
de vergonha e, sobretudo, a total falta de ética.
Para
comprovar o que estamos dizendo, basta citar algumas manchetes de jornal:
“Partido (PMDB) cobra reconhecimento depois de exibir força na votação do
mínimo”. “Governo retribui apoio do PMDB com cargos na Caixa”. “Recompensa aos
aliados. Peemedebistas devem ganhar cargos após aprovação do mínimo no
Congresso”. “Partidos (PT, PMDB e até
mesmo PDT) duelam por indicações na cúpula do BB”. E ainda: “Dilma esperava a
votação do mínimo para definir nomeações”. “Com a aprovação do salário mínimo
de R$ 545, os peemedebistas praticamente garantiram a nomeação do
vice-presidente de Agronegócios. A sigla votou em peso com o governo. Já o PDT,
que também queria o Agronegócios ou a vice-presidência do governo, não deve
levar nada por enquanto. Nove de seus deputados votaram contra o mínimo” (Folha
de S. Paulo, 18/02/11, p. A4). Ler isso na imprensa é realmente repugnante, dá
vontade de vomitar. É uma pouca vergonha deslavada. Essa disputa por cargos -
diga-se de passagem - não é certamente motivada pela abnegação e pelo desejo de
servir ao bem comum, sobretudo aos mais pobres e necessitados.
Não
adianta o ministro Guido Mantega afirmar que o valor do salário mínimo não pode
ser maior do que R$ 545 para “garantir o equilíbrio fiscal” do Orçamento
Público. Por que o ministro não teve a
mesma preocupação na hora de votar, desavergonhada e acintosamente, o aumento
salarial dos parlamentares e dos governantes? É muita cara de pau!
Não
adianta nada, também, os parlamentares usarem de sofismas e artifícios legais,
fazendo todo tipo de malabarismos. A questão do salário mínimo é só uma questão
de opção política, é só uma questão de priorizar os interesses dos
trabalhadores (e não dos detentores do poder econômico, como os banqueiros que,
em 2010, tiveram um lucro maior que nos anos anteriores).
Por
que não se cumpre simplesmente a Constituição Federal? Para que ela existe?
Entre os direitos dos trabalhadores, a Constituição Federal enumera: “Salário
mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação,
educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social,
com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua
vinculação para qualquer fim” (Art. 7, IV).
Quando
os pobres “desobedecem” à Constituição Federal (sobretudo no tocante à “lei da
propriedade privada”) e às outras leis, são presos, processados e vão para a
cadeia. Infelizmente, nós sabemos que a cadeia está cheia de pobres
“desobedientes” (pequenas “desobediências”) e não de ricos “desobedientes”
(grandes “desobediências”). Por que os governantes e os parlamentares, que
“desobedecem” à Constituição Federal e às outras leis, não são também presos,
processados e não vão para a cadeia? A Constituição Federal e as outras leis
não existem para todos? Que descaramento!
Só
para citar um exemplo, vejam o absurdo! Ao mesmo tempo que o governo defende um
salário mínimo de R$ 545, anuncia a injeção de R$ 10 bi de recursos da Caixa
para o banco PanAmericano. Está muito clara a opção política do governo. Embora
sabendo que a política do PSDB é igual ou pior à do PT, sou obrigado a
concordar com o senador Aloysio Nunes (PSDB-SP), quando afirma: “O PT mostra
que escolheu seus amigos e já pode até mudar de nome: Partido do Capital
Financeiro” (Folha de S. Paulo, ib.)
Em
valores de dezembro/10, o salário mínimo necessário para garantir os direitos
dos trabalhadores, estabelecidos na Constituição Federal, deveria ser de R$
2.227,53 (DIEESE - Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos
socioeconômicos).
Por
que os Sindicatos e as Centrais sindicais que - em conjunto com os Movimentos
populares (como o MST, a UNE e outros) iniciaram a negociação defendendo o
valor de R$ 580 para o salário mínimo (que mesmo assim continuaria sendo uma
afronta à dignidade dos trabalhadores) - não se unem, não se organizam e não
assumem uma posição mais combativa? Ou seja, uma posição de resistência e de
tolerância zero a esse rolo compressor do Governo que - por ser criminosamente
aliado ao poder econômico e covardemente submisso a seus interesses - suga o
sangue dos trabalhadores, matando-os aos poucos? Por que não fazem uma greve
geral por tempo indeterminado? Ou, num Governo, dito “popular”, as palavras
“greve geral” são proibidas? Será que os Sindicatos e as Centrais sindicais se
esqueceram que, depois de esgotadas todas as tentativas de diálogo, a greve
geral é um direito sagrado dos trabalhadores? Lembrem-se do slogan, que outrora
empolgou os Sindicatos e os Movimentos populares: “trabalhador unido, jamais
será vencido”! É na união que se constrói o Poder popular.
Diário da Manhã, Opinião
Pública, Goiânia, 24/02/11, p. 5
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra