segunda-feira, 15 de maio de 2023

A CPI do MST - Uma CPI hipócrita e antiética

                 

O presidente da Câmara Federal, Arthur Lira (PP-AL), no dia 26 de abril deste ano, determinou “a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Casa para investigar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST)”. O requerimento “obteve 172 nomes, ultrapassando o número mínimo de 171 assinaturas exigidas. A CPI do MST terá 27 titulares e 27 suplentes, e prazo de até 120 dias para realizar o inquérito”.

O principal objetivo dessa CPI - segundo o presidente da Câmara - “é o aumento das invasões de terra no país neste ano. Apenas no mês de abril, o MST contabiliza ao menos 11 propriedades rurais, além de uma área de unidade de pesquisa da Embrapa em Petrolina (PE)”.

De acordo com o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), “é preciso descobrir de onde vem o dinheiro e as orientações para que os Movimentos ocorram de maneira sincronizada em todo o Brasil. Trata-se de uma CPI que vai investigar invasões de propriedades. Existem três, quatro Movimentos que se tem notícias de estarem praticando esses atos. Precisamos saber quem está pagando essa conta e se há participação do Estado brasileiro. São atitudes que - segundo ele - causam danos à cidade e passam insegurança no campo” (https://www.canalrural.com.br/noticias/criada-cpi-para-investigar-o-mst/ - 27/04/23).

Filosófica e teologicamente falando, “tudo o que é humano é ético e tudo o que é desumano é antiético”. À luz desse princípio, denuncio: a CPI do MST é desumana e antiética (injusta), além de hipócrita e mentirosa (farisaica). Os membros da Comissão sabem muito bem que o MST e os outros Movimentos de Trabalhadores Rurais nunca realizaram “invasões”, mas “ocupações”.

Trabalho, Teto, Terra são direitos sagrados de todos e de todas. As “ocupações” têm a finalidade de reivindicar esses direitos e, ao mesmo tempo, acelerar o processo da Reforma Agrária Popular para que todos e todas possam conquistá-los.

Do ponto de vista ético, a terra improdutiva no campo (sobretudo, latifúndios) e a terra destinada à especulação imobiliária na cidade, é de quem precisa dela para morar, trabalhar e viver com dignidade.

Os grandes proprietários de terra no campo - os “coronéis rurais” - e os grandes proprietários de terra na cidade - os “coronéis urbanos” - são, juntamente com os donos das grandes empresas multinacionais, os esteios do capitalismo neoliberal, que - lembra-nos o Papa Francisco - “exclui, degrada e mata”.

Santo Tomás de Aquino e o Pensamento Social Cristão nos ensinam que a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos é de direito primário e a posse ou propriedade particular, de direito secundário. Quando o direito secundário impede o acesso de todos e de todas ao direito primário, é antiético (injusto).

Faço agora um pedido concreto à Câmara Federal e ao Senado: no lugar da CPI do MST, criem a CPI dos 1% da população mais rica do Brasil. Essa sim é uma CPI urgente, necessária e ética. Como pode 1% da população brasileira ter conseguido um patrimônio igual ao da metade dessa mesma população (50%)? Não são esses os verdadeiros “Invasores” e “assaltantes” do país? Não são esses os responsáveis pelos mais de 33 milhões de brasileiros e brasileiras - irmãos e irmãs nossos - passando fome? Deputados Federais e Senadores, é essa perversidade - institucionalizada e legalizada - que vocês devem investigar.

Os Movimentos Sociais Populares - como o MST - lutam por seus direitos e por um outro mundo possível. “Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês (participantes dos Movimentos Populares), na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos três T (trabalho, teto, terra), e também na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança, regionais, nacionais e mundiais” (Papa Francisco. 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Deputados Federais e Senadores, é isso e somente isso que o MST e os outros Movimentos Sociais Populares do campo e da cidade estão fazendo, com muita garra, heroísmo e esperança.

Eles não precisam de uma CPI. Não sejam ridículos diante do mundo inteiro! Acabem com essa CPI hipócrita e antiética do MST!

MST - Muito além da ocupação

Gabriela Moncau - Brasil de Fato


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 14 de maio de 2023

 







segunda-feira, 8 de maio de 2023

O Ser humano com o Outro absoluto (1)

 

No artigo anterior “O Ser humano com o mundo material e vivente e com os outros” (da série de artigos sobre o Ser Humano, intercalados com outros) vimos que a vida do Ser humano "se encontra sempre em certas circunstâncias, uma disposição em torno das coisas e demais pessoas. Não se vive num mundo vago, já que o mundo vital é constitutivamente circunstância, é este mundo, aqui, agora. E circunstância é alguma coisa determinada, fechada, mas ao mesmo tempo aberta e com largueza interior, com vão ou concavidade onde mover-se, onde decidir-se: a circunstância é um álveo que a vida se vai fazendo dentro de um rio inexorável. Viver é viver aqui e agora - o aqui e o agora são rígidos, impermutáveis, mas amplos" (Ortega y Gasset, J. Que é Filosofia? (Lição XI). Livro Ibero-Americano, Rio de Janeiro, 19712, p. 184).

O Ser humano “é estruturalmente orientado para o futuro; ele é um ser estruturalmente aberto à esperança. O futuro esconde possibilidades que o Ser humano nunca pode conhecer inteiramente. Todas estas possibilidades se referem ao Ser humano: são suas possibilidades, embora não possa realizá-las e nem as realizará todas. Por isso, o Ser humano pode olhar para o futuro com esperança (...). O Ser humano tem o direito de projetar a própria esperança também além da morte" (Gevaert, J. Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 189).

Desse “olhar para o futuro com esperança” - uma exigência da razão e, mais ainda, da razão iluminada pela fé - nasce a relação do Ser humano (“ser-no-mundo”) “com-o-Outro absoluto”: Deus.

A respeito dessa relação, não podemos dizer a mesma coisa das outras duas relações: “com-o-mundo material e vivente” e “com-os-outros” (semelhantes). Ela não é um fato incontestável, indubitável e evidente por si mesmo; não só precisa ser mostrada e examinada, mas demonstrada e experiênciada. Mas como?

Na tentativa de encontrar uma resposta - limitada e incompleta evidentemente - a esta pergunta, sugerimos algumas "pistas" de encaminhamento de nossas reflexões, que nos parecem estar de acordo com as conquistas e exigências do mundo moderno e contemporâneo.

Em primeiro lugar, é necessário aceitar plenamente a consistência e a autonomia próprias do real, ou seja, de tudo o que existe. Ora, aceitar plenamente a consistência e autonomia próprias do real significa também aceitar a "ausência cósmica" de Deus.

"Poderia alguém continuar procurando obstinadamente um 'buraco' no funcionamento do universo e assim tentar restabelecer uma 'presença' de Deus. De um ponto de vista estritamente lógico esse 'buraco' não é, em si, impossível: a biologia, por exemplo, poderia, num caso extremo, ir de encontro a fenômenos inexplicáveis pelos recursos naturais do cosmos. Mas, na realidade, semelhante 'buraco' é pouco plausível. De um lado, a história mostra que a ciência veio reduzindo sucessivamente, desde o século dezesseis, os campos que pareciam depender do influxo divino. Além disso e sobretudo, a mentalidade da ciência, o seu horizonte, as suas pressuposições de base, se impuseram a nós mais do que os seus resultados: em particular, a convicção íntima de que o real físico se explica por si mesmo e de que um movimento na direção de Deus, que pretendesse fundar-se nos resultados ou questões propriamente científicas, seria um paralogismo (raciocínio que parece verdadeiro, mas não é). Hoje, as provas chamadas 'científicas' da existência de Deus são sempre menos usadas e menos aceitas" (Cf. Podeur, L. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 120).

A procura de "buracos" na causalidade material leva a questão de Deus para um terreno equivocado. "Suponhamos, por exemplo, que o aparecimento da vida sobre a terra exija uma causa extraterrestre; por que não poderia tratar-se de seres extraterrestres, gigantes galácticos (...), que teriam vindo 'inseminar' o globo? Não seria uma 'solução' mais econômica, do ponto de vista da lógica? (...). Em vez de nos preocuparmos com soluções de continuidade na trama da causalidade cósmica (que exigiriam a intervenção de um motor extramundano), coloquemo-nos na hipótese inversa e tentemos ver Deus neste contexto” (Ib., p. 121). Assim fazendo, encontraremos no real, ou seja, em tudo o que existe - previamente aceito em sua consistência e autonomia - o sentido da “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus. (Continuaremos no próximo artigo da série)






Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 05 de maio de 2023







A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos