O aumento salarial dos parlamentares
foi uma bandalheira, uma farra, um escândalo, um verdadeiro festival de
irresponsabilidades. Que vergonha!
Embora a celeridade não seja uma das
virtudes do Parlamento brasileiro, no caso em questão, foram necessários apenas
vinte minutos na Câmara e menos de cinco minutos no Senado para que os
deputados e senadores aprovassem um aumento de 61,83% nos próprios salários, de
136,93% no salário do presidente da República e de 148,63% no salário do
vice-presidente e dos ministros de Estado. Que eficiência, quando se trata dos
próprios interesses! O novo salário
entrará em vigor em primeiro de fevereiro de 2011 e todos receberão 26.723,13
reais por mês, que corresponde ao teto salarial do funcionalismo público.
Para a votação do aumento salarial,
279 deputados federais aprovaram o regime de urgência, abrindo caminho para que
o decreto legislativo fosse aprovado, primeiro, pelos deputados federais e,
depois, pelos senadores. Apenas 35 deputados federais se posicionaram contra o
regime de urgência. Pergunto: não são 513 os deputados federais? Em pleno dia
de trabalho, 199 não se encontravam na Câmara e não votaram. Será que estavam
de licença-prêmio?
No Senado só três senadores se
manifestaram contra o aumento salarial. Marina Silva (PV-AC), dizendo que seria
mais correto um ajuste equivalente à inflação, como defende o PSOL, José Nery
(PSOL-PA), apresentando o voto contrário do partido e Álvaro Dias (PSDB-PR),
afirmando que o aumento só seria plausível se viesse com um corte das verbas de
gabinete.
Devido a aprovação do regime de
urgência, "nas duas Casas, a votação foi simbólica, ou seja do tipo em que
o congressista não declara seu voto. Na simbólica, quem preside a sessão
anuncia: 'Aqueles que aprovam, permaneçam como estão'. Para, em seguida,
emendar: 'Aprovado'" (www.congressoemlfoco.uol.com.br). Por se tratar de decreto legislativo, o
texto não precisa ser enviado à sanção presidencial, expediente que permite
eventuais vetos. Diga-se de passagem, o presidente-operário Lula se manifestou
a favor do aumento. Será que esqueceu o sofrimento dos seus ex-companheiros?
No site citado acima, podemos
encontrar a lista completa, por Estado, dos deputados federais que apoiaram e
dos que não apoiaram a votação do aumento salarial. No site www.noticias.uol.com.br, podemos encontrar essa mesma lista, por
Partido. Só lembro os nomes dos deputados federais de Goiás que votaram a favor
do aumento salarial: Carlos Alberto Leréia (PSDB), Luiz Bittencourt (PMDB),
Marcelo Melo (PMDB), Pedro Wilson (PT),
Raquel Teixeira (PSDB) e Roberto Balestra (PP).
Não podemos esquecer tamanho oportunismo
político. Vamos divulgar, alto e bom som, o nome dos que praticaram, na calada
da noite e sem nenhum escrúpulo, essa falcatrua, para que todos/as tomem
conhecimento. Precisamos banir da vida pública os corruptos e os
aproveitadores, que - no lugar de servir ao povo - se servem do povo para seus
próprios interesses. Todos os que têm senso de justiça, devem estar
profundamente indignados com tudo o que aconteceu e dispostos, como nunca, a
lutar na defesa dos Direitos Humanos e da Ética.
Tem mais: Com o aumento do salário
do Legislativo e os benefícios indiretos (verbas de gabinete, verbas
indenizatórias para custear despesas políticas, auxílio-moradia, cotas de
passagens aéreas, cotas de telefone, celulares, correios), "cada um dos
594 congressistas representa custo médio de R$ 128 mil por mês aos cofres
públicos" (Folha de S. Paulo, 17 de dezembro/10, p. A7). Nem falamos aqui
do custo dos deputados estaduais e dos vereadores municipais, em consequência
do efeito cascata, provocado pelo aumento do salário dos deputados federais.
Trata-se realmente de um verdadeiro assalto, de um verdadeiro roubo legalizado
e institucionalizado.
Quem sabe, um dia, uma Constituinte
Popular estabeleça que os Políticos (que já
têm sua profissão) devem ser voluntários e que os Parlamentares não
podem legislar em causa própria? O sonho pode se tornar realidade. Não podemos
perder a esperança de "uma outra política possível".
No entanto, precisamos urgentemente
avaliar o que pode ser feito agora, do ponto de vista legal e constitucional,
para reverter essa situação de iniquidade. Com a palavra os nossos advogados
“populares”, para que nos orientem sobre o que fazer e como fazer.
Pergunto: Se todos/as os cidadãos/ãs
são iguais perante a lei - como afirma a Constituição - por que o salário
mínimo tem um aumento de 6%, enquanto o salário dos políticos tem um aumento de
até 148,63%? Não é inconstitucional? Por que os parlamentares não cumprem o
Decreto-Lei 2.162 de 1940, que criou o salário mínimo com a finalidade de
suprir as necessidades básicas do trabalhador e de sua família? Conforme estudo
divulgado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócioeconômicos
(Dieese), o salário mínimo deveria ser atualmente de R$ 2.047,58. Se os
vencimentos dos políticos devem corresponder ao teto salarial do funcionalismo
público, por que o salário mínimo não deve, pelo menos, corresponder à
finalidade do Decreto-Lei que o criou? É só uma questão de opção política.
Esse aumento do salário dos
políticos "soa como um desatino e mostra o tamanho do abismo que separa a
atual legislatura da sociedade, agindo, inclusive de costas para ela, a ponto
de se premiar quando deveria expiar em público os próprios pecados"
(Revista "Veja", 22 de dezembro de 2010, p. 76). O cientista político
David Fleischer afirma: "Os parlamentares têm preocupação zero com a
opinião pública. Tentaram fazer um negócio bem disfarçado, contemplando também
o Poder Executivo" (Ib., p. 77).
Segunda feira, dia 27 de
dezembro/10, cerca de 100 estudantes universitários e secundaristas,
indignados, ocuparam a rampa do Palácio do Planalto, protestando contra o
aumento do salário dos parlamentares e reclamando da “ditadura parlamentar”.
Diziam em coro: “Ô Dilma, que papelão, tem dinheiro para ministro, mas não tem
para a educação” (cf. Diário da Manhã, 28/12/10. p. 13). Parabéns jovens! O
Brasil precisa muito de vocês.
Termino com as palavras de Dom Manuel
Edmilson, bispo emérito da Diocese de Limoeiro do Norte - CE, que num gesto
profético - em discurso firme e coerente, proferido no Senado Federal – teve a
coragem cívica de recusar a Comenda de Direitos Humanos dom Helder Câmara,
conferida no dia 21 de dezembro/10. Dom Edmilson diz: "A condecoração é um
atentado, uma afronta ao povo brasileiro, ao cidadão, à cidadã contribuintes
para o bem de todos com o suor de seu rosto e a dignidade de seu trabalho. É
seu direito exigir justiça e equidade em se tratando de honorários e de
salários. Se é seu direito e eu aceitar, estou procedendo contra os Direitos
Humanos. Perderia todo o sentido este momento histórico. O aumento a ser
ajustado deveria guardar sempre a mesma proporção que o aumento do salário
mínimo e da aposentadoria. Isto não acontece. O que acontece, repito, é um
atentado contra os Direitos Humanos do nosso povo" (Discurso durante
sessão no Senado, 21 de dezembro/10).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
Dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da
Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial
da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br