Sobre a questão da saúde pública escrevi,
nestes últimos tempos, dois artigos. O primeiro com o título: “Uma saúde
pública criminosa” (Cf. Diário da Manhã, Opinião Pública, 11/06/11, p. 3; www.adital.com.br
- 14/06/11). O segundo com o título: “As mortes do sistema público de saúde:
quem vai responder por elas?” (Cf. Diário da Manhã, Opinião Pública, 09/07/11,
p. 3; www.adital.com.br - 12/07/11; www.correiocidadania.com.br -
14/07/11).
Retomo agora a questão da saúde pública,
falando do Ipasgo (Instituto de Assistência dos Servidores Públicos do Estado
de Goiás). O Ipasgo é atualmente um retrato do descaso e - porque não dizer -
da irresponsabilidade do Estado para com a saúde pública. É uma total falta de
consideração para com os funcionários públicos do Estado de Goiás, que - como
mostram as imagens publicadas na imprensa - são constantemente desrespeitados,
humilhados e expostos ao ridículo. Ler as reportagens dos jornais sobre a
situação catastrófica na qual se encontra o Ipasgo, deixa a todos
indignados/as. É lamentável o que esta acontecendo!
Os usuários do Ipasgo - dizem os responsáveis
pelo Instituto - terão um número limitado de consultas por ano. “Nós
estamos limitando a um patamar de regulação em torno de seis consultas por ano,
e mais duas consultas que são automaticamente autorizadas pela auditoria médica
do Ipasgo. Então nós estamos falando de um universo de oito consultas ao longo
de 12 meses. Se houver atendimento ambulatorial, em pronto-socorro, dessa
natureza, serão uma média de duas consultas ao dia. E na verdade também estamos
excluindo dessa medida aqueles que tem tratamento continuado, doenças crônicas”
(Múcio Bonifácio, Diretor de Assistência do Ipasgo, em Entrevista à Rádio 730: www.portal730.com.br - 28/04/11).
Segundo o Diretor, foi adotada uma forma
específica de procedimento para consultas de emergências. “Se há emergências,
nós estaremos já de maneira automática permitindo que haja duas consultas ao
dia. O que não pode ocorrer são fatos que recentemente foram levados à opinião
pública, em que as auditorias do Ipasgo detectaram atendimentos até em média
superior a uma consulta por dia, o que fez com que o usuário do Ipasgo, em
tese, ficasse durante o ano todo consultando” (Ib.).
A secretária-geral do Sindicato dos
Trabalhadores em Educação de Goiás (Sintego), Alba Valéria, afirma que o
problema do Ipasgo é a falta de uma gestão adequada. “É uma má gestão do
recurso do trabalhador porque todo mês nós pagamos e eles não repassam para os
prestadores de serviço. Dizem que tem gente que tem milhões de consultas em um único
mês, isso é problema de gestão, que não tem uma auditoria competente para
averiguar se aquela fatura que está sendo apresentada pelos prestadores de
serviço é verídica ou não” (Ib.).
Para entender o estado de calamidade
pública do Ipasgo, nada melhor do que ouvir o testemunho de indignação dos
usuários.
“Cadê o nosso
dinheiro? É uma vergonha para nossos políticos que só pensam neles. Não importa
quem paga os seus salários, mas um dia o povo brasileiro irá acordar e não mais
irá votar” (Ary Salvador, 24/07/11).
“Acreditava que o Ipasgo, com a nova diretoria solucionaria ou pelo menos
amenizaria a tamanha bagunça em que estava, mas, infelizmente, houve piora. A
limitação de guias é berrante. Entendo que fiscalizar é preciso, desde que não
punam quem é inocente. Para mim essa medida é sinônimo de má gestão e
incompetência. Isso certamente causará a desistência de muitos que necessitam
do plano, gerando um déficit ainda maior. Na minha cidade, São Miguel do
Araguaia - GO, ainda temos uma atendente que mais dificulta do que exerce sua
função. É gritante o descaso. Inicialmente pensava ser somente falta de
profissionalismo, por parte da atendente. Agora já nem sei mais. Mas uma coisa
é certa, como está não dá para continuar” (Cheila, 29/06/11).
“Gostei, vou avisar para o meu corpo que ele pode ficar doente 8 vezes no
ano e com a doença definida, porque se não souber, preciso de uma consulta com
um clinico geral, ai ele me manda para outro médico, que me manda pra outro
especialista, que define que preciso de outro para avaliar a situação. Pronto,
em uma semana e uma doença foram 4
consultas, só faltam 4 para o ano todo, me ferrei” (Gilda, 18/05/11).
“A má gestão dos recursos do Ipasgo por
parte dos gestores públicos é que levou (ou está levando) o Ipasgo para o buraco.
Há um desconto automático mensal nas contas dos servidores públicos e, ainda,
vêm me falar que eles não têm recursos suficientes para cobrir as despesas. Me
vem com essa de limitar o numero de consultas, é piada de gente (...)”
(Ricardo, 02/05/11).
“Por que o senhor governador - que
aliás não faz nada, só reclama da situação - não renuncia a seu mandato? Pois
ele e os seus auxiliares só reclamam. Agora o servidor não vai poder nem
utilizar o Ipasgo, ou seja, o Estado não paga os credenciados, apesar de descontar
a participação dos servidores, e estes que são penalizados. Marconi, renuncia
pelo amor de Deus! (Terêncio, 02/05/11).
“Absurdo limitar consultas, agora mesmo
tenho uma bateria de consultas a fazer, minha saúde não anda bem e pode ter
certeza, vão me encaminhar para vários especialistas. Que culpa tem o servidor
da má gestão e roubo dentro do Ipasgo. Paguei o Ipasgo por 12 anos, e posso
contar as vezes que utilizei. Agora que vou precisar sou obrigado a definir
quantas vezes devo adoecer no ano. Justiça tem que ser feita, fim aos prazos do
Ipasgo. Pode ter certeza que tal medida vai encher o bolso de alguém. Uma
certeza tenho, os bolsos que vão continuar esvaziando” (Márcio, 01/05/11).
“Usuários do Ipasgo entrem na justiça
coletivamente, sempre se encontra um Juiz sensato para suspender as
contribuições” (Vando, 01/05/11).
“Gente vamos lutar contra isso, sai é
do nosso salário esse dinheiro, isso é ilegal. Como pode tanta incompetência do
Ipasgo, eles não gerenciam bem e o servidor paga. Fala sério, merecemos
respeito no interior, o Ipasgo é péssimo, Imagina agora?” (Kenia, 29/04/11)
(Ib.).
Por causa da crise que acomete o
Instituto, “médicos abandonam o Ipasgo” (O Popular, 28/07/11, Manchete, 1ª
página).
E a crise que acomete o Ipasgo “tem piorado
cada vez mais a situação dos usuários e também dos médicos que atendem pelo
plano de saúde. Vários profissionais de diferentes especialidades estão
suspendendo o atendimento pelo Ipasgo”.
No dia 27/07/11, a reportagem do Jornal
citado “entrou em contato por telefone com clínicas e hospitais com o intuito
de marcar consultas, o que não foi possível em muitos casos devido ao fato dos
especialistas terem deixado de prestar serviços pelo plano. Em alguns casos, a
informação passada pelas secretárias era de que os médicos estariam atendendo,
mas que só seria possível marcar a consulta para daqui a quatro meses ou mais.
A reportagem tentou marcar consultas com médicos urologistas, alergistas,
infectologistas e pediatras”.
Eis o teor da entrevista da reportagem: “Eu gostaria de marcar uma consulta. O médico
atende pelo Ipasgo? Atende sim, mas temos horários disponíveis para
usuários do Ipasgo somente para outubro. Só para outubro? Mas e se for pela Unimed? Pela Unimed? Aí temos
horário disponível já para a semana que vem. Mas não tinha de ser a mesma coisa? Qual o motivo desta diferença?
Ah senhora, não tenho como responder por isso, esta é uma regra estipulada pelo
próprio médico. Foi ele quem decidiu assim”.
Uma servidora pública confirma a dificuldade
para marcar consultas com médicos que, mesmo estando no guia do Ipasgo, não
atendem mais pelo plano. Ela só conseguiu marcar consulta com um alergista para
o seu marido na nona tentativa. "Fico muito chateada com isso - desabafa a
servidora - porque todo mês o valor do plano é descontado do meu salário. É
horrível você pagar por um serviço e não poder ter acesso a ele. É muito
complicado. Ainda tem o fato de que quando você consegue uma consulta, o médico
pede exames, que também raramente são cobertos pelo plano".
Os motivos que tem levado os profissionais a
abandonar o Ipasgo e a paralisar o atendimento “são os atrasos nos pagamentos e
o uso pelo Instituto da tabela da Associação Médica Brasileira (AMB) de 1992,
que já está defasada. Os médicos reivindicam a utilização da Classificação
Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM), que traz os valores
mais atuais a serem pagos aos profissionais” (Ib. p. 3).
Segundo o presidente do Sindicato dos
Médicos, Leonardo Reis, “os médicos que resolvem suspender o atendimento pelo
Ipasgo precisam mandar uma carta de descredenciamento para o Instituto”. Eles -
afirma o presidente – “podem deixar de atender se quiserem. Aqueles que não
fazem a carta também acabam sendo descredenciados pelo plano e é o que eles querem
que aconteça".
Que situação deprimente! Por que o Poder
Público não cumpre o que reza a Constituição Federal: “A saúde é direito de
todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e
igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”
(Art. 196). Reparem!: O texto diz: “acesso universal e igualitário”. Como a
realidade é diferente!
No dia 5 de Agosto, o Brasil celebra o “Dia Nacional da Saúde”. Foi escolhida
essa data em homenagem ao médico Oswaldo Cruz, que nasceu em 5 de agosto de
1872. Infelizmente, os funcionários/as públicos do Estado de Goiás e os demais
trabalhadores/as - que em sua grande maioria dependem da saúde pública - têm
pouco a comemorar. Fala-se muito, mas não se resolve quase nada. A saúde, que é
um direito humano fundamental, não é - de fato - prioridade para o Poder
Público. Sem esmorecer, lutemos em defesa dos direitos humanos. Como nos lembra
Dom Pedro Casaldáliga, a esperança nunca morre.
Diário
da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 08/08/11, p. 5
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de
Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário
Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra