Na manhã de domingo
16 de julho próximo passado morreu, ou seja, fez sua Páscoa eterna em Albiano
d`Ivrea (Piemonte - Itália) Dom Luigi
Battazzi, nascido no dia 26 de novembro de 1923, em Treviso (Veneto -
Itália). Ele era o último bispo italiano e europeu a ter participado do Concílio Ecumênico Vaticano II
(1962-65) e completaria 100 anos de vida em novembro próximo.
Oito jovens, entre os
quais eu, no dia 9 de julho de 1966 - na Basílica São Domenico de Bolonha -
tivemos a graça de sermos ordenados padres por ele, bispo auxiliar do Cardeal
Giacomo Lercaro há quase três anos.
Luigi
Battazzi “foi testemunha, até ao fim dos seus dias, da
importância que o Concílio Vaticano II representou para
a Igreja Católica” e “ficou conhecido pelas suas posições corajosas
e contracorrentes, sempre pronto a empenhar-se pessoalmente por tudo o que diz
respeito à paz e aos direitos do ser humano” (https://www.ihu.unisinos.br/630561-luigi-bettazzi-o-bispo-do-concilio).
Em toda sua vida, ele
foi testemunha do Evangelho e profeta de Jesus de Nazaré, incomodando
muitas vezes a própria Igreja. Foi
também um dos poucos bispos da Itália e da Europa, que - pública e
oficialmente - fizeram a opção pela Igreja Pobre e dos Pobres: a Igreja
dos que querem seguir Jesus.
Pela minha longa experiência de vida e de trabalho pastoral na Igreja
- conhecendo casos concretos ditos
“secretos” - tenho certeza que, se Luigi Bettazzi tivesse feito a opção
acima antes de ser bispo, nunca seria nomeado.
Infelizmente, nas questões fundamentais para a vida da Igreja, prevalece
ainda a diplomacia (muitas vezes oportunista e interesseira), que não
tem nada a ver com o Evangelho de Jesus ou o Espírito Santo e é uma das
faces do pecado estrutural da Igreja-Instituição. Ela precisa
se libertar desse pecado.
Jesus nos ensinou: “Digam apenas ‘sim’, quando é ‘sim’; e ‘não’, quando é
‘não’. O que vocês disserem além disso, vem do Maligno” (Mt 5,37). Foi
essa, ao longo de quase 100 anos, a maneira de viver - pensar, agir e lutar - de
Luigi Bettazzi, que se tornou bispo
da Igreja Pobre e dos Pobres: a Igreja
dos que amam a paz, são sedentos de justiça e seguem Jesus de Nazaré, hoje.
“A beleza de uma
longa vida é que muitos, em diversos tempos e lugares, desfrutam de seus frutos,
quando essa vida é cheia de valores civis, inspirações religiosas e
transbordante de amor” (https://www.ihu.unisinos.br/630558).
Luigi
Bettazzi é lembrado também como muito fraterno e acolhedor, como professor e amigo, e como assistente
eclesiástico da Federação dos Universitários Católicos Italianos (FUCI). É
lembrado ainda como bispo auxiliar
de Bolonha, num tempo especial da Igreja
bolonhesa, que foi o do Cardeal Lercaro, de Dossetti, do Avvenire
d'Italia, do Centro de Estudos Religiosos de Pino Alberigo e Paulo Prodi.
Ele participou do Concílio Vaticano II - segunda sessão - a partir de 29 de
setembro/63, uma semana antes de 4 de outubro, quando foi consagrado bispo
auxiliar de Bolonha. “Estava entre os bispos mais jovens do Vaticano II. Ali ele falou pela paz, e
teve a coragem de se levantar em São
Pedro para pedir aos Padres
Conciliares, contra toda prudência eclesiástica, que procedessem à canonização conciliar do Papa João XXIII, tornando-o santo por
aclamação, sem milagres e sem processos canônicos, porque nunca se tinha visto
um papa assim, e justamente aquele Concílio era o seu legado mais precioso para
a Igreja e para o mundo.
Depois do Concílio, ele ainda esteve próximo
de Lercaro, antes que o
arcebispo bolonhês fosse deposto por ter
reivindicado a profecia da Igreja, e a
não-neutralidade, contra a guerra
do Vietnã” (Ib.).
Em 1966, Luigi Bettazzi foi nomeado bispo
de Ivrea (Piemonte) “para onde foi enviado por seus méritos (será?...), mas
também para deixar o lugar em Bolonha ao cardeal Poma encarregado
de normalizar a Igreja italiana após as
ousadias do Concílio”
(Ib.). Ele ficou em Ivrea até 1999. Foi também presidente da filial italiana da
Pax Christi de 1968 a 1975 e presidente da Pax Christi Internacional de
1978 a 1985.
Luigi
Bettazzi foi o único bispo italiano que assinou o Pacto das Catacumbas sobre a Igreja Pobre e dos Pobres. Assumiu
sempre posições proféticas em favor da
Paz e dos Pobres; realizou atividades pastorais inovadoras na Diocese
de Ivrea e suas "Cartas"
abertas e contracorrentes tiveram sempre uma grande repercussão.
Para Bettazzi, o Concílio Vaticano II “mudara
profundamente a Igreja Católica, marcando-a para sempre. O que ele
chamava de ‘revolução copernicana do
Concílio’ trouxe a Comunidade de fiéis de volta ao espírito evangélico de suas origens, do qual não era mais
possível voltar atrás, apesar das várias tentativas, mais ou menos óbvias, dos
boicotes e dos contínuos encobrimentos”.
Ele “continuou
a vivenciar pessoalmente o Concílio
Vaticano II e a testemunhá-lo,
circulando pela Itália, pelo mundo e por toda parte até poucos
meses antes de sua morte, nunca recusando um convite para falar sobre o
Concílio Vaticano II” (https://www.ihu.unisinos.br/630561-luigi-bettazzi-o-bispo-do-concilio).
O Papa Francisco “o
recorda como um grande apaixonado pelo
Evangelho que se destacou por sua
proximidade aos Pobres, tornando-se um sinal
profético de justiça e paz em tempos particulares da história da Igreja” e
se diz "grato ao Senhor por esta intrépida
testemunha do Concílio" (https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-07/papa-francisco-telegrama-pesar-morte-dom-luigi-bettazzi.html)
Em 1986, Luigi Bettazzi participou conosco do 6º Encontro Intereclesial das CEBs, em
Trindade - Goiás. Pessoalmente, a última vez que o encontrei foi há cerca de 5
anos, numa Paróquia da Diocese de Reggio Emília (Itália), convidado para fazer
uma conferência sobre o Concílio Vaticano II. Depois da Conferência, na nossa
conversa, contou brincando que sempre perguntam onde ele mora e que ele
responde: “eu moro no trem”.
Luigi
Bettazzi, presente! Estamos em comunhão de vida com a Igreja Pobre e dos Pobres! A caminhada continua”! A esperança nunca morre!
Leia
também: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/622962-o-vaticano-ii-que-eu-vivi-entrevista-com-luigi-bettazzi.
Basílica
de S. Domenico - Bolonha
Ordenação
Presbiteral: 09/07/66
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia
(USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado
de Filosofia da UFG
Goiânia, 01 agosto de 2023