Sem querer
generalizar, a vida pública transforma-se, na maioria das vezes, numa farra
atrás da outra, ou - dito de outra forma - numa sucessão de espetáculos
circenses, que, nos intervalos, oferecem sessões de piadas de mau gosto.
Um destes espetáculos
é o chamado mensalão. Não dá para entender! Que justiça é essa? A questão não é
meramente jurídica ou técnica, como muitos querem fazer crer, mas é, sobretudo,
ética. Pergunto: houve ou não desvio de dinheiro público para compra de votos?
E, se houve (até as pedras sabem disso), por que os responsáveis, depois de
processados, julgados e condenados, não são obrigados a devolver o dinheiro
roubado - que é dinheiro dos trabalhadores - aos cofres púbicos, sem tanta
demora ou enrolação? Fatos são fatos, não são opiniões subjetivas. O dinheiro
não é uma bolha de sabão, que desaparece ao menor sopro. Protelar
demasiadamente o julgamento -mesmo com todos os artifícios legais possíveis -
não é uma forma indireta de defender a impunidade e de ser coniventes com a
prática política da corrupção pública?
Vir, como faz o
ministro Gilberto Carvalho e o próprio ex-presidente Lula, com essa história de
que se trata somente de caixa dois, significa subestimar a inteligência do povo
e tratá-lo como otário.
Continuo perguntando:
se os acusados fossem pobres, será que haveria a mesma preocupação e o mesmo
interesse em salvaguardar o direito dos réus à análise dos “embargos
infringentes”, a um “novo julgamento” e, por conseguinte, a ter um “processo
justo”? O primeiro processo não foi justo? Será que foi baseado em fantasias e
não em fatos? Onde está a moral dos juízes?
Vale o ditado: quem
rouba pouco (uma galinha ou uma bugiganga no supermercado) é chamado de
“ladrão”, quem rouba muito, é chamado de “barão”. As cadeias - que em geral são
depósitos de lixo humano (violando todos os direitos humanos) - estão cheias de
“ladrões”, mas os “barões” estão todos soltos e considerados “pessoas de bem”.
Que sociedade hipócrita é a nossa!
O argumento de que houve
outros mensalões - como de fato houve - não justifica. Todos os mensalões (e
outras falcatruas da vida pública) devem ser denunciados e julgados. Mas o
mensalão, que é hoje motivo de tanta celeuma, revela uma dose maior de
hipocrisia e farisaísmo do que os outros. Infelizmente, todos sabemos que os
outros mensalões são parte integrante da própria política capitalista
neoliberal, que é uma política estruturalmente desumana e antiética. Ora, os
acusados (ou seja, os mensaleiros) do mensalão, que está em julgamento, sempre
denunciaram energicamente semelhante prática e, chegando ao poder, fizeram a
mesma coisa. Aí está o motivo principal da indignação das pessoas, que têm um
mínimo de senso ético e lutam por um mundo estruturalmente novo.
Não se trata, como
dizem alguns, de sentimento de vingança ou de revanchismo, que é desumano e
anticristão, mas de uma questão de transparência e justiça.
Jesus foi sempre de ternura
e bondade infinitas para com os pecadores, que reconheciam seus erros (errar é
humano), mas foi de uma dureza e severidade incrível com os fariseus, que eram
pessoas “legalmente perfeitas”, mas oportunistas, falsas, hipócritas e injustas.
“Ai de vocês,
doutores da Lei e fariseus, hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por
fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e
podridão. Assim também vocês: por fora, parecem justos diante dos outros, mas
por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça. Ai de vocês, doutores da Lei
e fariseus hipócritas!” (Mt 23, 27-29).
Dizer também que
mesmo alguns dos que se declaram cristãos da esquerda podem cair na armadilha do
mecanismo “bode expiatório”, é um equívoco. Os cristãos - conscientes do que
seja ser cristãos hoje - são “profetas da vida” e querem uma prática política
diferente, como aliás o Partido dos Trabalhadores prometeu, mas - chegando ao
poder - não cumpriu e continua não cumprindo!
Dizer ainda (estou
cansado de ouvir essa ladainha) que certas forças políticas não se conformam
com a chegada da esquerda ao governo, é outro grande equívoco. Que esquerda é
essa, que faz aliança com Maluf, Sarney, Renan Calheiros e outros
representantes históricos da ultradireita e da ditadura? Biblicamente falando,
“aliança” não é um mero acordo estratégico ocasional, mas é comunhão permanente
de ideais e de projetos. Que esquerda é essa, que pratica uma política na qual
os banqueiros têm os maiores lucros de sua história, sugando criminosamente o
sangue dos trabalhadores? Que esquerda é essa do Partido dos Trabalhadores, que,
num passado recente, foi motivo de tanta esperança para o povo e que hoje - com
argumentos oportunistas, que não convencem ninguém - renega toda sua história?
É verdade que os
programas sociais dos últimos governos federais melhoraram a vida de muitas
pessoas, mas não deixam de ser programas ambíguos. De um lado, aliviam o
sofrimento do povo (o que é positivo), de outro, servem para cooptar o povo,
mantê-lo submisso e fortalecer assim - sem perigo de contestações e revoltas -
o sistema capitalista neoliberal, com sua política macroeconômica excludente e
opressora.
Os Movimentos Sociais
Populares precisam, em primeiro lugar, recuperar sua autonomia e liberdade de
organização, frente ao Poder Público e, em segundo lugar, lançar-se no desafio
da construção do Projeto Popular para o Brasil, em contraposição ao projeto
capitalista neoliberal.
Os membros dos Movimentos
Sociais Populares e seus aliados, que - depois de muita luta - conseguiram
ocupar alguns espaços na vida pública (no Executivo, Legislativo e Judiciário)
não traiam seus companheiros (como, muitas vezes, costuma acontecer), dialoguem
com todas as forças políticas, que - embora diferentes - têm o mesmo ideal (a
mesma utopia) e exijam mudanças estruturais (sistêmicas), abrindo, assim,
caminhos concretos para a construção do Projeto Popular. É este o tipo de atuação
política que os representantes dos Movimentos Sociais Populares e seus aliados
devem ter na institucionalidade.
A esperança se renova
a cada dia e nunca acaba. Sejamos sujeitos conscientes e protagonistas de um
Mundo Novo.
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 25 de setembro de 2013