sexta-feira, 26 de agosto de 2011

A cultura da corrupção na vida pública

Nestes últimos meses, assistimos a um espetáculo político deprimente. As palavras mais faladas e mais ouvidas são: favorecimento, barganha, falcatrua, propina, superfaturamento, desvio de verbas e outras semelhantes. É impressionante ver como se usa com tanta naturalidade o dinheiro público em benefício próprio. Tornou-se uma cultura, um jeito de ser e viver. Acha-se isso normal e o anormal é agir de maneira diferente. Quem não tira proveito da situação é considerado um ingênuo, um bobo. Parece que a cultura da corrupção se alastrou em todos os níveis da vida pública: municipal, estadual e federal. E não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Basta ler o noticiário nacional e internacional.
No Brasil, a imprensa escrita e falada, sobretudo destes últimos meses, está repleta de reportagens e artigos sobre a corrupção na vida pública. Só em nível federal, segundo as matérias divulgadas em revistas e jornais, a suspeita de corrupção atingiu sete ministérios: Casa Civil, Transportes, Turismo, Cidades, Minas e Energia, Agricultura, e Defesa. Houve muitas demissões ou pedidos de demissão (por causa das denúncias) de ministros e outras pessoas influentes nos ministérios. Tudo isso gerou uma crise no governo da presidenta Dilma Rousseff. Discute-se muito sobre a chamada “faxina” que a presidenta realiza em sua gestão, causando intrigas e descontentamentos no meio de políticos da base aliada.
            Esperamos que essa “faxina” seja realizada por questões éticas e não por razões oportunistas, como as denúncias na imprensa ou a preocupação com os níveis de popularidade do próprio governo federal. Infelizmente, em nossa sociedade capitalista, para as chamadas “pessoas de bem”, o mais importante não é “ser éticos”, mas “parecer éticos”. É o império da hipocrisia e do farisaísmo.
            Chega de tanta bandalheira e de tanta impunidade legalizada e institucionalizada! A sociedade não aguenta mais! Exige que os criminosos de “colarinho branco” sejam processados, julgados e punidos, e que o dinheiro roubado seja devolvido aos cofres públicos.
            Costuma-se falar de “cultura da corrupção”, mas, na realidade, trata-se de “anticultura”. Cultura é tudo o que o ser humano cria e constrói para a sua própria humanização em benefício de todos. Anticultura é justamente o contrário: é tudo que sistematicamente destrói e desumaniza o ser humano, como a prática da corrupção, da injustiça e da opressão.
            "A cultura, em sua compreensão mais extensa, representa o modo particular com que os seres humanos e os povos cultivam sua relação com a natureza e com seus irmãos, consigo mesmo e com Deus, a fim de conseguir uma existência plenamente humana" (Documento de Aparecida – DA, 476).
Numa visão bipolar, a cultura, pode ser cultura da vida e cultura da morte. A "cultura dominante de acumulação egoísta" (DA, 540) e a cultura que "se caracteriza pela auto-referência do indivíduo" (DA, 46) - como é o caso da cultura da corrupção na vida pública - representam subculturas da "cultura da morte" (DA, 185). A "cultura da solidariedade" (DA, 199) ou a "cultura cristã da solidariedade" (DA, 480), da "responsabilidade" (DA, 406b), do "compartilhar" (DA, 540) e de "paz" (DA, 442) representam subculturas da "cultura da vida".
Diante da "crescente cultura da morte que afeta a vida em toda as suas formas" (DA,185) e que, de fato, é uma "anticultura", precisamos promover e construir a "cultura da vida" (DA, 358, 435, 543). A "cultura cristã da solidariedade" deve "neutralizar a cultura de morte" e “gerar modelos culturais alternativos para a sociedade atual”.
Para os cristãos/ãs Jesus Cristo é “a verdade última do ser humano, o modelo no qual o ser humano se realiza em todo o seu esplendor ontológico e existencial” (DA. 480). Uma outra cultura é possível! Sejamos os promotores/as e os construtores/as dessa outra cultura!


                            Goiânia, Diário da Manhã, Opinião Pública, 26/08/11, p. 3


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra




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