Nestes últimos meses, assistimos a um
espetáculo político deprimente. As palavras mais faladas e mais ouvidas são:
favorecimento, barganha, falcatrua, propina, superfaturamento, desvio de verbas
e outras semelhantes. É impressionante ver como se usa com tanta naturalidade o
dinheiro público em benefício próprio. Tornou-se uma cultura, um jeito de ser e
viver. Acha-se isso normal e o anormal é agir de maneira diferente. Quem não
tira proveito da situação é considerado um ingênuo, um bobo. Parece que a
cultura da corrupção se alastrou em todos os níveis da vida pública: municipal,
estadual e federal. E não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Basta ler o
noticiário nacional e internacional.
No Brasil, a imprensa escrita e falada,
sobretudo destes últimos meses, está repleta de reportagens e artigos sobre a
corrupção na vida pública. Só em nível federal, segundo as matérias divulgadas
em revistas e jornais, a suspeita de corrupção atingiu sete ministérios: Casa
Civil, Transportes, Turismo, Cidades, Minas e Energia, Agricultura, e Defesa.
Houve muitas demissões ou pedidos de demissão (por causa das denúncias) de
ministros e outras pessoas influentes nos ministérios. Tudo isso gerou uma
crise no governo da presidenta Dilma Rousseff. Discute-se muito sobre a chamada
“faxina” que a presidenta realiza em sua gestão, causando intrigas e
descontentamentos no meio de políticos da base aliada.
Esperamos que essa “faxina” seja
realizada por questões éticas e não por razões oportunistas, como as denúncias
na imprensa ou a preocupação com os níveis de popularidade do próprio governo
federal. Infelizmente, em nossa sociedade capitalista, para as chamadas
“pessoas de bem”, o mais importante não é “ser éticos”, mas “parecer éticos”. É
o império da hipocrisia e do farisaísmo.
Chega de tanta bandalheira e de
tanta impunidade legalizada e institucionalizada! A sociedade não aguenta mais!
Exige que os criminosos de “colarinho branco” sejam processados, julgados e
punidos, e que o dinheiro roubado seja devolvido aos cofres públicos.
Costuma-se falar de “cultura da
corrupção”, mas, na realidade, trata-se de “anticultura”. Cultura é tudo o que
o ser humano cria e constrói para a sua própria humanização em benefício de
todos. Anticultura é justamente o contrário: é tudo que sistematicamente
destrói e desumaniza o ser humano, como a prática da corrupção, da injustiça e
da opressão.
"A cultura, em sua compreensão
mais extensa, representa o modo particular com que os seres humanos e os povos
cultivam sua relação com a natureza e com seus irmãos, consigo mesmo e com
Deus, a fim de conseguir uma existência plenamente humana" (Documento de
Aparecida – DA, 476).
Numa visão bipolar, a cultura, pode ser
cultura da vida e cultura da morte. A "cultura dominante de acumulação
egoísta" (DA, 540) e a cultura que "se caracteriza pela
auto-referência do indivíduo" (DA, 46) - como é o caso da cultura da
corrupção na vida pública - representam subculturas da "cultura da
morte" (DA, 185). A "cultura da solidariedade" (DA, 199) ou a
"cultura cristã da solidariedade" (DA, 480), da
"responsabilidade" (DA, 406b), do "compartilhar" (DA, 540)
e de "paz" (DA, 442) representam subculturas da "cultura da
vida".
Diante
da "crescente cultura da morte que afeta a vida em toda as suas
formas" (DA,185) e que, de fato, é uma "anticultura", precisamos
promover e construir a "cultura da vida" (DA, 358, 435, 543). A
"cultura cristã da solidariedade" deve "neutralizar a cultura de
morte" e “gerar modelos culturais alternativos para a sociedade atual”.
Para os cristãos/ãs Jesus Cristo é “a verdade última
do ser humano, o modelo no qual o ser humano se realiza em todo o seu esplendor
ontológico e existencial” (DA. 480). Uma outra cultura é possível! Sejamos os
promotores/as e os construtores/as dessa outra cultura!
Goiânia, Diário da Manhã, Opinião Pública, 26/08/11, p. 3
Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de
Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário
Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
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