No tema “A falência e o resgate”
destaco (neste artigo e nos dois próximos) o quarto e o quinto
pontos marcantes do Discurso do Papa Francisco aos participantes do
3º Encontro Mundial dos Movimentos Populares (3º EMMP): O drama dos
migrantes e refugiados: como agir diante desta tragédia? e A relação
entre povo e democracia.
A respeito destes pontos, Francisco - logo
de início - diz: “Queridos irmãos, quero compartilhar com vocês
algumas reflexões sobre outros dois temas (ou subtemas) que, junto
com os ‘3 t’ e a ecologia integral, foram centrais em seus
debates dos últimos dias e são centrais neste tempo histórico”.
O Papa começa a compartilhar suas
reflexões sobre o primeiro tema dizendo: “Sei que vocês dedicaram
um dia ao drama dos migrantes, dos refugiados e dos deslocados. Como
agir diante desta tragédia?”.
Com a coragem de um profeta, o Papa
denuncia: “Trata-se de uma situação infamante (reparem:
infamante!), que só posso descrever com uma palavra que me brotou
espontaneamente em Lampedusa: vergonha! Ali, assim como em Lesbos,
pude sentir de perto o sofrimento de numerosas famílias expulsas da
sua terra por motivos ligados à economia ou por violências de todos
os tipos, multidões exiladas - eu o disse diante das autoridades do
mundo inteiro - por causa de um sistema socioeconômico injusto
(reparem mais uma vez: por causa de um sistema socioeconômico
injusto!) e das guerras que não foram procuradas nem criadas por
aqueles que hoje padecem a dolorosa erradicação da sua pátria, mas
ao contrário por muitos daqueles que se recusam a recebê-los”.
Quanta clareza e quanta firmeza nas palavras do Papa!
Francisco continua dizendo: “Faço minhas
as palavras do meu irmão, o Arcebispo Hieronymos da Grécia: ‘Quem
fita os olhos das crianças que encontramos nos campos de refugiados
é capaz de reconhecer imediatamente, na sua totalidade, a ‘falência’
da humanidade’” (Discurso no Campo de Refugiados de Moria,
Lesbos, 16 de abril de 2016).
Com profunda dor no coração, faz um
desabafo: “O que acontece com o mundo de hoje que, quando se
verifica a falência de um banco, imediatamente aparecem quantias
escandalosas para salvá-lo, mas quando ocorre esta falência da
humanidade praticamente não aparece nem uma milésima parte para
salvar aqueles irmãos que sofrem tanto? E assim o Mediterrâneo
tornou-se um cemitério, e não apenas o Mediterrâneo… muitos
cemitérios perto dos muros, muros manchados de sangue inocente”.
Que desumanidade! Que iniquidade!
Em sua denúncia profética, o Papa afirma:
“O medo endurece o coração e transforma-se em crueldade cega, que
se recusa a ver o sangue, a dor, a face do próximo. Quem o disse foi
o meu irmão, o Patriarca Bartolomeu: ‘Quem tem medo de vocês, não
fitou vocês nos olhos. Quem tem medo de vocês não viu os rostos de
vocês. Quem tem medo de vocês não viu os filhos de vocês.
Esquece-se que a dignidade e a liberdade transcendem o medo e superam
a divisão. Esquece-se que a migração não é um problema do Médio
Oriente e da África setentrional, da Europa e da Grécia. Trata-se
de um problema do mundo’ (Discurso no Campo de Refugiados de Moria,
Lesbos, 16 de abril de 2016)”.
Francisco, com muito realismo, conclui: “É
verdadeiramente um problema do mundo. Ninguém deveria ver-se
obrigado a fugir da sua pátria. Mas o mal é duplo quando, diante
destas circunstâncias terríveis, os migrantes se veem lançados nas
garras dos traficantes de pessoas, para atravessar as fronteiras; e é
triplo se, chegando à terra na qual julgavam encontrar um futuro
melhor, são desprezados, explorados e até escravizados! Pode-se ver
isto em qualquer recanto de centenas de cidades. Ou simplesmente não
os deixam entrar”.
O Papa faz, pois, um fraterno e caloroso
pedido aos Movimentos Populares: “Peço a vocês que façam tudo o
que for possível; e que nunca se esqueçam que inclusive Jesus,
Maria e José experimentaram a condição dramática dos refugiados.
Peço a vocês que exerçam aquela solidariedade tão singular que
existe entre quantos sofreram. Vocês sabem recuperar fábricas
falidas, reciclar aquilo que outros abandonam, criar postos de
trabalho, cultivar a terra, construir habitações, integrar bairros
segregados e reclamar de modo incessante, como a viúva do Evangelho
que pede justiça insistentemente (cf. Lc 18,
1-8)”.
Quanta confiança Francisco tem para com os
Movimentos Populares! E nós, será que temos a mesma confiança? Ah,
se os nossos Governos (Federal e Estaduais), ao invés de
criminalizar os Movimentos Populares, seguissem o exemplo do Papa!
Enfim, Francisco, que nunca perde a
esperança, diz: “Talvez com o exemplo e a insistência de vocês,
alguns Estados e Organizações internacionais abram os olhos e
adotem medidas adequadas para acolher e integrar plenamente todos
aqueles que, por um motivo ou por outro, procuram refúgio longe de
casa. E também para enfrentar as profundas causas pelas quais
milhares de homens, mulheres e crianças são expulsos cada dia da
sua terra natal”.
Lutemos para que os Estados e outras
Organizações internacionais adotem realmente “medidas adequadas
para acolher e integrar” todos os migrantes e “para enfrentar as
profundas causas” deste drama humano, que é hoje uma das faces
mais cruéis do “pecado do mundo”! Não sejamos indiferentes!
Precisamos agir! É urgente!
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
01 de fevereiro de 2017
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