Diante da situação de antipaz (situação de injustiça - violência institucionalizada) em que vive a América Latina e Caribe e diante da concepção cristã da paz que foi apresentada, os participantes da Conferência (ainda no documento “Paz”) afirmam: “Cremos que o episcopado latino-americano (e caribenho) não pode deixar de assumir responsabilidades bem concretas, porque criar uma ordem social justa, sem a qual a paz é ilusória, é (reparem!) uma tarefa eminentemente cristã. A nós, pastores da Igreja, cumpre educar as consciências, inspirar, estimular e ajudar a orientar todas as iniciativas que contribuem para a formação do ser humano.
E ainda: “Cumpre-nos também denunciar todos aqueles que ao irem contra a justiça, destroem a paz”.
Neste espírito - continuam os bispos - “cremos oportuno avançar as seguintes linhas pastorais”:
- “Despertar nos seres humanos e nos povos, principalmente através dos meios de comunicação social, uma viva consciência da justiça, inspirando-lhes um sentido dinâmico de responsabilidade e solidariedade.
- Defender segundo o mandato evangélico o direito dos pobres e oprimidos, urgindo nossos governos e classes dirigentes que eliminem tudo quanto destrói a paz social: injustiça, inércia, venalidade, insensibilidade.
- Denunciar energicamente os abusos e as injustiças, consequências das desigualdades excessivas entre ricos e pobres, entre poderosos e fracos, favorecendo a integração.
- Fazer com que nossa pregação, catequese e liturgia tenham em conta (reparem novamente!) a dimensão social e comunitária do cristianismo, formando homens comprometidos na construção de um mundo de paz.
- Procurar que em nossos colégios, seminários e universidades se forme (reparem mais uma vez!) um sadio espírito crítico da situação social e se fomente a vocação do serviço. Consideramos ainda de grande eficácia as campanhas de nível diocesano e nacional que mobilizem a todos os fiéis e organizações levando-os a uma reflexão similar.
- Convidar também as diversas confissões e comunidades cristas e não-cristãs a colaborarem nesta fundamental tarefa de nossos tempos.
- Encorajar e favorecer todos os esforços do povo (reparem outra vez!) para criar e desenvolver suas próprias organizações de base, para a reivindicação e consolidação de seus direitos na busca de uma verdadeira justiça.
- Pedir o aperfeiçoamento da administração judicial cujas deficiências frequentemente causam sérios males.
- Empenhar-se para que em muitos de nossos países se detenha e reveja a atual política armamentista, que constitui às vezes uma carga excessivamente desproporcionada em face às legítimas exigências do bem comum, em detrimento de urgentes necessidades sociais. A luta contra a miséria é a verdadeira guerra que devem travar nossas nações.
- Convidar os bispos, os responsáveis das diversas confissões religiosas e as pessoas de boa vontade das nações desenvolvidas para que promovam nas suas respectivas esferas de influência, especialmente entre os dirigentes políticos e econômicos, uma consciência de maior solidariedade com as nossas nações subdesenvolvidas, fazendo com que sejam reconhecidos, entre outras coisas, preços justos para nossas matérias-primas.
- Por ocasião do vigésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos (que foi naquele ano de 1968 - neste completa 70 anos), interessar as universidades da América Latina na realização de investigações para se verificar sua aplicação em nossos países.
- Diante da ação injusta que, em escala mundial intentam as nações poderosas contra a autodeterminação dos povos fracos, que têm de sofrer os efeitos sangrentos da guerra e da invasão, denunciar o fato, pedindo aos organismos internacionais competentes, ação eficaz e decidida.
- Alentar e aplaudir as iniciativas e trabalhos de todos aqueles que nos diversos setores da ação contribuem para a criação de uma ordem nova que assegure a paz no seio de nossos povos”.
Nestas linhas pastorais temos um verdadeiro plano de ação evangelizadora, que continua plenamente atual. São luzes para o trabalho da Igreja em favor da justiça e paz.
Hoje, a Igreja deixa-se guiar por essas luzes? Cumpre sua missão profética de “denunciar todos aqueles que ao irem contra a justiça, destroem a paz”? De “defender segundo o mandato evangélico o direito dos pobres e oprimidos”? De “denunciar energicamente os abusos e as injustiças”? De “encorajar e favorecer todos os esforços do povo, para criar e desenvolver suas próprias organizações de base para a reivindicação e consolidação de seus direitos na busca de uma verdadeira justiça”? E de “denunciar a ação injusta que em escala mundial intentam as nações poderosas contra a autodeterminação dos povos fracos que têm de sofrer os efeitos sangrentos da guerra e da invasão”?
Enfim, o Concílio Vaticano II não diz que a Igreja “deve, a todo momento, perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho”? Não diz que “deve conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática"? (A Igreja no mundo de hoje - GS 4). Meditemos!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 05 de setembro de 2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário