No
documento “Família e Demografia” - que é o terceiro - a II Conferência Geral do
Episcopado Latino-americano e Caribenho de Medellín - depois de apresentar a
realidade da família latino-americana e caribenha - reflete sobre o seu papel
nessa mesma realidade.
Começa
retomando as palavras do Concílio Vaticano II: “A força e o vigor da
instituição matrimonial e familiar se evidenciam igualmente: as profundas
mudanças sociais contemporâneas, não obstante as dificuldades a que dão origem,
manifestam muitas vezes, de várias maneiras, a verdadeira índole dessa
instituição” (A Igreja no mundo de hoje - GS 47)
Continua
dizendo: “É portanto necessário ter em conta os valores fundamentais que a
doutrina da Igreja atribui à família cristã para que a ação pastoral leve as
famílias latino-americanas a conservar ou a adquirir esses valores que as
capacitem a cumprir sua missão”.
Entre
esses valores, a Conferência - em suas linhas de reflexão - assinala três
especificamente: “a família formadora de pessoas, educadora na fé e promotora
do desenvolvimento” (da vida).
1.
Formadora
de pessoas
Os
bispos retomam novamente o ensinamento do Concílio Vaticano II: “A família recebeu
diretamente de Deus a missão de ser célula primeira e vital da sociedade” (Apostolado
dos Cristãos Leigos - AA 11,3).
“É,
pois, dever dos pais, criar um ambiente de família animado pelo amor, pela
piedade para com Deus e para com os seres humanos que promova a educação
íntegra, pessoal e social dos filhos”. E ainda: “Cada ser humano continua a ter
o dever de salvar a integridade da pessoa humana, na qual sobressaem os valores
da inteligência, da vontade, da consciência e da fraternidade... Como mãe e
alimentadora desta educação acha-se em primeiro lugar a família” (GS 61).
A
Conferência afirma: “Essa doutrina do Concílio Vaticano II nos faz ver a
urgência de a família cumprir sua tarefa de formar personalidades integrais, e
para tanto conta com muitos elementos”.
“Realmente
a presença e influência dos modelos distintos e complementares do pai e da mãe
(masculino e feminino), o vínculo do afeto mútuo, o clima de confiança,
intimidade, respeito e liberdade, o quadro de vida social com uma hierarquia (ou
melhor, uma comunhão) natural mas matizada pelo clima de afeto, tudo converge
para que a família se torne capaz de plasmar personalidades fortes e
equilibradas para a sociedade”.
2.
Educadora
na fé
Os
bispos retomam mais uma vez o ensinamento do Concílio Vaticano II: “Os esposos
cristãos são para si mesmos, para seus filhos e demais familiares, cooperadores
da graça e testemunhas da fé. São para seus filhos os primeiros pregadores e
educadores na fé” (AA 11) e devem “inculcar a doutrina cristã e as virtudes
evangélicas aos filhos amorosamente recebidos de Deus” (A Igreja - LG 41,5), e
realizar esta missão “mediante a palavra e o exemplo” (LG 11), de tal maneira
que “graças aos pais, que precederão com o exemplo e a oração na família, os
filhos e ainda os demais que vivem no círculo familiar, encontrarão mais
facilmente o caminho do sentido humano, da salvação e da santidade” (GS 48).
A
Conferência reconhece: “Sabemos que muitas famílias da América Latina foram incapazes
de se tornarem educadoras na fé, ou por não estarem bem constituídas, ou por
estarem desintegradas e outras, ainda, porque vêm dando esta educação em termos
de mero tradicionalismo, às vezes até com aspectos míticos e supersticiosos.
Daí a necessidade de se dotar a família atual de elementos que lhe restituam a
capacidade evangelizadora, de acordo com a doutrina da Igreja”.
3.
Promotora
do desenvolvimento (da vida)
Os
bispos retomam outra vez as palavras do Concílio Vaticano II: “A família é a
primeira escola das virtudes sociais necessárias às demais sociedades... É aí
que os filhos fazem a primeira experiência de uma sã sociedade humana... É
através dela que os filhos vão sendo introduzidos gradativamente na sociedade
civil e na Igreja” (Educação Cristã - GE 3). Além disso, “a família é a escola
do mais rico humanismo”, e “o humanismo completo é o desenvolvimento Integral”.
Considerando,
pois, que “na família convivem diversas gerações que se ajudam mutuamente para
adquirir uma sabedoria mais completa e estabelecer os direitos das pessoas com
as demais exigências da vida social, sabemos que ela constitui o fundamento da
sociedade” (GS 52).
“Nela,
os filhos, num clima de amor, aprendem mais facilmente a reta ordem das coisas
(valores), enquanto que formas culturais comprovadas vão penetrando como que
naturalmente no espírito dos adolescentes, à medida que estes vão crescendo”
(GS 61).
“Aos
pais cabe preparar, no seio da família, os filhos para conhecerem o amor de
Deus para com todos os seres humanos; ensinar-lhes, gradativamente, sobretudo
pelo exemplo, a solicitude pelas necessidades materiais e espirituais do
próximo” (AA 30), e assim a família cumprirá sua missão e “promoverá a justiça
e demais boas obras a serviço de todos os irmãos que padecem necessidade” (AA
11).
Por
ser a família um fator importantíssimo no desenvolvimento, “o bem-estar da
pessoa e da sociedade humana está ligado estreitamente a uma situação favorável
da comunidade conjugal e familiar” (GS 47). Conclui fazendo um pedido: “Por
isso todos os que têm influência nas comunidades e grupos sociais devem
trabalhar eficazmente para a promoção do matrimônio e da família” (GS 52).
O
ensinamento de Medellín sobre o papel da família continua atual e é uma luz
para a pastoral familiar. Dizer que a família é “promotora de desenvolvimento”
e que “o humanismo completo é o desenvolvimento integral”, significa dizer que
a família é promotora da vida do ser humano no mundo, com o mundo, com os
outros/as (semelhantes) e com o Outro absoluto (Deus).
Por
isso, retomando e aprofundando perspectivas já presentes no Concílio Vaticano
II, Medellín torna-se a fonte de inspiração da Teologia da Libertação: uma
reflexão à luz da fé a partir da práxis (unidade dialética de prática e teoria)
de libertação dos pobres e oprimidos (e seus aliados/as) da América Latina e
Caribe e do mundo inteiro. Os teólogos entenderam que sem a libertação de tudo
que impede a vida não há “humanismo completo” ou “desenvolvimento integral”.
“O
Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para
anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos
presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos e para
proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). “Eu vim para que todos/as tenham
vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).
A
família - reconhecendo e respeitando as situações familiares diferentes da que
foi apresentada, como as uniões homoafetivas (LGBTs) - deve ser promotora da
libertação e da vida, e a Teologia - se for verdadeira - deve ser da Libertação
e da Vida.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 14 de novembro de 2018
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