sexta-feira, 2 de outubro de 2020

A exploração dos pobres em nome da fé

 


No dia 21 de agosto último, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) deflagrou a Operação Vendilhões para investigar o caso Padre Robson de Oliveira Pereira (46 anos de idade), até então reitor do Santuário Basílica do Divino Pai Eterno (Trindade-GO) e presidente da Associação Filhos do Pai Eterno (AFIPE).

Segundo foi amplamente divulgado nos meios de comunicação e nas redes sociais, existem muitas denúncias - acusações e suspeitas - contra ele. Padre Robson é acusado de comprar fazendas, aviões e imóveis de luxo com a verba destinada à construção de um novo Santuário Basílica (do qual não há nenhuma necessidade e - se construído do jeito que foi planejado - será mais uma prova concreta de uma Igreja triunfalista, poderosa e antievangélica). 

Padre Robson - sempre conforme o que já foi amplamente divulgado - é também suspeito de apropriação indébita, falsificação de documentos, sonegação fiscal, tráfico de influências, propinas, associação criminosa, lavagem de dinheiro de doações, chantagens e extorsões por causa de envolvimentos pessoais.

Devido a essas denúncias, a Operação fez buscas e apreensões em vários imóveis ligados ao Padre Robson e à AFIPE. 

A notícia do escândalo estourou como uma bomba. Para muitas pessoas - sobretudo devotos e devotas do Divino Pai Eterno - foi uma surpresa. Pessoalmente - há tempo - tinha a convicção que um dia ou outro tudo isso iria acontecer. Não demorou para que o meu pressentimento se tornasse realidade.

Infelizmente, Padre Robson, mesmo que tenha sido por motivações ditas “religiosas” (só Deus julga a consciência das pessoas), tornou-se um grande e poderoso empresário capitalista. Ora, para quem segue a lógica do sistema capitalista, todas essas práticas são consideradas “normais”.

Mesmo, porém, que Padre Robson consiga provar (o que será difícil) que as denúncias são falsas e que sempre agiu dentro da lei, suas negociatas são - com certeza - imorais.

Como permanente aprendiz de filósofo (que lê - analisa e interpreta -  os fatos à luz da razão) e de teólogo (que lê - analisa e interpreta -  os fatos à luz da razão iluminada pela fé), em consciência sinto-me no dever de denunciar que, por trás de todas essas falcatruas, existe uma visão de Deus e de Igreja anticristã

Padre Robson apresenta um Deus faraônico e imperial; um Deus que gosta de imponência, de riqueza e de luxo; um Deus que precisa de um novo Santuário Basílica majestoso (inserido num complexo religioso de 146 mil metros quadrados de construção, com 94 metros de altura - o equivalente a um prédio de 30 andares - no valor de R$ 1,4 bilhão) e do maior sino suspenso do mundo (importado da Polônia) no valor de R$ 6 milhões para que os pobres possam ouvir sua voz; enfim, um Deus que é totalmente o oposto do Deus revelado por Jesus de Nazaré e que, portanto, é anticristão. Desse Deus eu sou ateu!  

Como consequência de sua visão de Deus, Pe. Robson apresenta também uma Igreja faraônica, imperial, feudal, capitalista e clerical; uma Igreja que se impõe pelo luxo, pela grandiosidade e suntuosidade de seus templos (inclusive o projeto do novo Santuário Basílica de Trindade), de suas grandiosas e ricas catedrais (dou graças a Deus que - ao menos por enquanto - a nova Catedral de Goiânia não saiu do papel), de suas majestosas cátedras, de suas sofisticadas vestimentas e de seus vasos sagrados cheios de ouro. Que Igreja dos pobres é essa! Como o povo está sendo enganado! Não dá para não ficar indignados/as! Essa não é a minha Igreja! 

Tudo isso não tem nada a ver com a vida e a prática de Jesus de Nazaré. Por exemplo, Jesus e seus apóstolos nunca sentaram em cátedras imperiais. As únicas cátedras de Jesus foram a manjedoura e a cruz. Sua coroa foi a coroa de espinhos. Falar em cátedra de São Pedro é mentir. Pedro nunca sentou em cátedra. Aliás - seguindo o exemplo de Jesus - sua única cátedra foi a cruz (na qual - segundo a tradição - ele quis ser crucificado de cabeça para baixo, por não se achar digno de ser crucificado como Jesus). 

Essa visão de Deus e de Igreja levou o Padre Robson, seus seguidores e apoiadores, a praticarem de maneira planejada (consciente ou não, só Deus sabe), a exploração dos pobres em nome da fé. Os 20 milhões mensais arrecadados pela AFIPE são - em sua maioria - dinheiro tirado da boca dos pobres. A pressão psicológica e religiosa da Associação é tanta que cria dependência. Em muitos casos, as pessoas pensam que para serem filhos e filhas do Divino Pai Eterno e receberem suas bênçãos têm que pagar o boleto mensal da AFIPE. 

Um fato que aconteceu comigo, ilustra muito bem o que estou dizendo. Há tempo, saindo de um hospital, tomei um taxi. O motorista, depois de saber que eu era padre, fez um desabafo, carregado de escrúpulos e preocupações. Disse: “há muito tempo pago todo mês o boleto da AFIPE. Nestes últimos meses não paguei por falta de condições, mas todo mês recebo a cartinha do Padre Robson”. Percebi claramente que o motorista - por causa do atraso no pagamento do boleto - estava com receio de não ser abençoado pelo Divino Pai Eterno. Tive que tranquilizá-lo, mostrando que mesmo sem pagar, ele e seus familiares eram filhos e filhas do Divino Pai Eterno do mesmo jeito e até mais ainda pela situação difícil que estavam vivendo. Depois de nossa conversa, ele ficou aliviado. Não tenho dúvida: essa pressão psicológica e religiosa é um verdadeiro crime, que clama a Deus por justiça.

A AFIPE - como qualquer Associação ou Movimento - tem todo direito de existir, mas suas motivações deveriam ser apresentadas de outra forma: uma forma que liberta e torna livres e não uma forma que oprime e torna dependentes.

Por fim, manifesto minha solidariedade aos Irmãos Redentoristas, reconhecendo o trabalho missionário que realizam com amor e dedicação, e esperando que o novo reitor do Santuário Basílica, padre João Paulo, e o novo presidente da AFIPE, padre André Ricardo, recuperem o sentido histórico original - que é tão bonito - da Imagem do Divino Pai Eterno e façam tudo o que está em suas possibilidades para que o Santuário do Divino Pai Eterno - único no mundo - se torne o Santuário dos pobres. Só assim Ele será o Santuário de todos e todas.


http://www.ihu.unisinos.br/images/ihu/2020/08/28_08_breves_fernando1.jpg


http://www.ihu.unisinos.br/images/ihu/2020/08/28_08_breves_fernando3.jpg

http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/602353-breves-do-facebook-28-08-2020 

Essas imagens confirmam o que eu disse 



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 29 de setembro de 2020



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