segunda-feira, 26 de julho de 2021

CEBs: uma Igreja que se constitui de irmãos e irmãs em comunhão

 


Jesus de Nazaré quis e quer uma Comunidade de seguidores e seguidoras que seja uma Comunidade de irmãos e irmãs em comunhão.

Para se referir a essa Comunidade - o Povo de Deus da Nova Aliança - os autores do Novo Testamento adotaram o termo Igreja (em grego: Ekklesia), que quer dizer Assembleia: Comunidade reunida. Neste sentido, Jesus - dirigindo-se a Pedro - diz: "Você é Pedro e sobre esta pedra construirei a minha Igreja" (Mt 16,18). (Observamos que - com o passar do tempo - o termo Igreja adquiriu também o significado de ‘templo’: lugar de oração e de culto).

Portanto, desde a época em que foi escrito o Novo Testamento, a Comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré começou a ser chamada Igreja. Trata-se, porém, de uma Igreja de irmãos e irmãs em comunhão e não de uma Igreja de classes (clero, religiosos/as, leigos/as). Por ‘comunhão’ entende-se, pois, ‘comunhão eclesial’ e não ‘comunhão hierárquica’ (que não é verdadeira comunhão).

Essa Igreja de irmãos e irmãs em comunhão reconhece - na prática e não só na teoria - que todos os seres humanos - homens, mulheres e pessoas de outras orientações sexuais (integrantes da Comunidade LGBTQIA+) - são iguais em dignidade e valor. "Deve-se reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos os seres humanos" (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS 29), criados à imagem e semelhança de Deus (Cf. Gn 1,26-27). “Reina verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na edificação do Corpo de Cristo" (Concílio Vaticano II. A Igreja - LG 32). "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do ser humano para a comunhão com Deus" (GS 19). “É comum a dignidade dos filhos e filhas de Deus batizados e batizadas, no seguimento de Jesus, na comunhão recíproca e no mandamento missionário” (Exortação Apostólica Pós-sinodal “Ecclesia in America - EA 44). “Todos e todas são chamados à santidade (perfeição humana, felicidade) e receberam a mesma fé pela justiça de Deus” (LG 32). "O mistério do ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o ser humano ao próprio ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS 22).

Nessa Igreja de Jesus de Nazaré, todas as relações são de comunhão entre irmãos e irmãs. Nelas, não há espaço para relações de dependência, submissão, subordinação, subserviência, dominação, inferioridade ou superioridade.

Nas relações de comunhão entre irmãos e irmãs, todos e todas - na diversidade dos carismas (dons) e dos ministérios (serviços) - são sujeitos conscientes e responsáveis de suas opções, atitudes e atos. “A cada um e a cada uma é dada a manifestação do Espírito em vista do bem comum” (1Cor. 12,7).

Sabemos, porém, que a Igreja (pessoas e Instituição) - que é no mundo com o mundo, que é mundo - é uma Igreja divina e humana, santa e pecadora, ao mesmo tempo. No decurso da história, a Igreja se deixou influenciar pela sociedade imperial, feudal e capitalista, e incorporou - em sua própria estrutura social - elementos (pompa, luxo, poder, triunfalismo e outros) que não têm nada a ver com o Evangelho: a Boa Notícia de Jesus de Nazaré. Para tomar consciência disso, basta fazer a memória de como Jesus viveu e de como as primeiras Comunidades cristãs viveram.

Por causa desses desvios - farisaicamente legitimados e sacralizados -  “desenvolvendo perspectivas já presentes no Concílio, mas ainda não explicitadas, vários teólogos - a começar por Congar - têm proposto pensar a estrutura social da Igreja em termos de 'comunidade - carismas e ministérios' (e não em termos de ‘hierarquia - laicato’). O primeiro termo, 'comunidade' (ou o teologicamente mais denso 'comunhão'), inclui tudo o que há de comum a todos os membros da Igreja; e a dupla 'carismas e ministérios' inclui tudo o que positivamente os distingue. É esta, aliás, a perspectiva do Novo Testamento, onde nunca aparece o termo 'leigo' ou ‘leiga’ (e - podemos acrescentar - nem o termo ‘clero’), mas sublinham-se os elementos comuns a todos os cristãos e cristãs e, ao mesmo tempo, valorizam-se as diferenças carismáticas, ministeriais e de serviço. Neste sentido, os termos que designam os membros do Povo de Deus acentuam a condição comum a todos os renascidos pela água e pelo Espírito: 'santos/as', 'eleitos/as', 'discípulos/as', 'irmãos/ãs'” (CNBB. Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas - 62, 1999, nº 105).

Por fim, é só o amor que - pelo seu grau de profundidade - pode dar um sentido maior ou menor (não, mais importante ou menos importante) à vida humana e à vida da Irmã Mãe Terra, Nossa Casa Comum.

Essa é a Igreja que as CEBs querem ser! Essa é a nossa Igreja!






Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br


25 de julho de 2021





quarta-feira, 21 de julho de 2021

Suspender os despejos já!

 


A defesa da vida dos pobres não pode esperar


No dia 3 do mês de junho, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, “determinou a suspensão por seis meses de medidas que resultem em despejos, desocupações, remoções forçadas ou reintegrações de posse de natureza coletiva em imóveis que sirvam de moradia ou que representem área produtiva pelo trabalho individual ou familiar de populações vulneráveis que já estavam habitadas antes de 20 de março de 2020, quando foi aprovado o estado de calamidade pública em razão da pandemia de Covid-19”. 

Em relação a ocupações posteriores à pandemia, ele “decidiu que o poder público poderá atuar a fim de evitar a sua consolidação, desde que as pessoas sejam levadas para abrigos públicos ou que de outra forma se assegure a elas moradia adequada, conforme a Constituição”.

O Projeto de Lei - PL 827/2020 ( de autoria de André Janones - AVANTE/MG), Natália Bonavides - PT/MT) "estabelece medidas excepcionais em razão da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) decorrente da infecção humana pelo coronavírus SARS-CoV-2, para suspender o cumprimento de medida judicial, extrajudicial ou administrativa que resulte em desocupação ou remoção forçada coletiva em imóvel privado ou público, urbano ou rural, e a concessão de liminar em ação de despejo de que trata a Lei nº 8.245, de 18 de outubro de 1991, e para estimular a celebração de acordos nas relações locatícias” (Fonte: Agência Senado).

O Projeto - que propõe a suspensão das ações de despejo até o final de 2021 - foi aprovado pela Câmara dos Deputados, no dia 18 de maio passado, com 263 votos e enviado ao Senado. O senador Rodrigo Pacheco, presidente da Casa, retirou a proposta da pauta - a pedido de um grupo de senadores - para uma sessão de debate sobre o assunto, realizada no dia 11 do mês de junho. A questão central foi: os despejos coletivos de imóveis devem ser suspensos durante a pandemia?

Senadores/as, a defesa da vida dos pobres não pode esperar, deve ser imediata: 14 mil famílias já foram despejadas durante a pandemia e mais de 85 mil estão ameaçadas neste momento.

Reparem: os senadores/as que pediram o debate não estão preocupados/as com as famílias que moram nas Ocupações, mas com o fato que o Projeto pode enfraquecer a “segurança jurídica” (leia: dos detentores do poder econômico) e abalar o “direito à propriedade” (leia: dos latifundiários ou grileiros de terras no campo - os coronéis rurais - e dos donos de imobiliárias na cidade - os coronéis urbanos). O “direito à propriedade” - com sua “segurança jurídica” - é o ídolo que esses senadores/as adoram. Para eles e elas, os pobres, “excluídos” e “descartados” do sistema capitalista neoliberal - que é um sistema econômico perverso e iníquo - são “baderneiros”, “invasores” e “criminosos”. Quanta hipocrisia, quanta injustiça e quanta desumanidade!

Lembro aos senadores/as que o “direito à propriedade” - com sua “segurança jurídica” - não é um direito absoluto, mas deve ter sempre uma função social. Os latifúndios abandonados e improdutivos (no campo) e os terrenos cercados (malditas cercas!) para fins de especulação imobiliária (na cidade) não só podem, mas devem ser ocupados. Eles pertencem às pessoas que precisam deles para trabalhar, morar e viver dignamente. Como diz São Tomás de Aquino - ensinamento assumido pelo Pensamento Social Cristão - a destinação dos bens para uso de todos os seres humanos é de direito primário e a propriedade - com sua “segurança jurídica” - de direito secundário. Quando o segundo impede o acesso ao primeiro - ele é injusto, desumano, antiético e anticristão (mesmo se for legal).

Do ponto de vista ético, todo despejo é injusto e - em época de pandemia - chega a ser diabólico (só se despeja lixo não reciclável e não pessoas humanas). Pessoas humanas somente podem ser removidas - e com todo respeito - nos casos de o terreno ocupado ser de utilidade pública ou de preservação ambiental e - mesmo nesses casos - somente depois que estiverem prontas outras moradias dignas para as pessoas a serem removidas.

Finalmente, depois de tantos adiamentos, no dia 23 do mês de junho o Senado aprovou, por 38 votos favoráveis e 36 contrários, o PL 827/2020 que suspende despejos e remoções durante o período da pandemia, até o final de 2021. Além de ter sido uma vitória muito apertada, a aprovação do PL foi somente pela metade. A bancada ruralista conseguiu a aprovação de um destaque que exclui da proteção contra os despejos as famílias das áreas rurais. É lamentável!

O PL voltou, pois, para a Câmara dos Deputados, que no dia 14 deste mês de julho aprovou em votação simbólica o Projeto, mantendo o texto do Senado. Reparem a demora na aprovação do Projeto (no Senado: 23 de junho e na Câmara: 14 de julho). Ela diz tudo!

Por fim, termino com um testemunho: os moradores das Ocupações urbanas e rurais, em sua grande maioria (digo isso por experiência pessoal) são verdadeiros heróis e heroínas. Com a nossa solidariedade e o nosso apoio, sua luta pelo direito à terra de trabalho e à terra de moradia - parte integrante do direito à vida - continua. A esperança nunca morre!


Campanha Nacional DESPEJO ZERO!

Em defesa da Vida no Campo e na Cidade!




Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 20 de julho de 2021


segunda-feira, 5 de julho de 2021

A Igreja se prostituindo

 


No dia 1º deste mês de julho, o presidente Jair Bolsonaro participou - com seguranças, batedores, familiares e parlamentares - de uma Missa na Paróquia Nossa Senhora da Saúde, na Asa Norte de Brasília, transmitida pela TV Brasil. O evento religioso tinha sido combinado com a administração da Paróquia. Na hora da Comunhão, Bolsonaro entrou na fila e recebeu a Eucaristia das mãos de dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de Brasília.

Lendo a notícia, fiquei profundamente indignado e com muita dor no coração. Foi realmente um ato público de prostituição da Igreja e de profanação da Eucaristia. É inacreditável!

Como pode um presidente, genocida e assassino, ser recebido ostensiva e deliberadamente numa Igreja e receber a sagrada Eucaristia? Além disso, Bolsonaro sempre demostrou que não tem uma opção religiosa definida e nem um comportamento macro - ecumênico que respeite e valorize todas as Igrejas e Religiões. Ele fala o nome de Deus em vão e usa hipócrita, cínica e oportunisticamente todas as manifestações religiosas para legitimar sua prática política criminosa.

Embora só Deus julgue a consciência das pessoas, objetivamente falando (ou seja, pelos fatos), podemos afirmar que Bolsonaro é um pecador público e a denúncia profética de seu mau comportamento deve ser também pública. A Igreja não pode ser conivente com uma política perversa e iníqua como a do presidente.

Abro um parêntese e cito mais um fato que mostra claramente que o presidente é um cafajeste hipócrita.

No último dia 16 - para tratar da demarcação de terras - centenas de indígenas “representantes de mais de 35 Povos originários, com o apoio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), marchavam na capital federal e esperavam ser recebidos por um representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas a tropa de choque da PM cercou o prédio da entidade e atacou os manifestantes com bombas de efeito moral e spray de pimenta”.

Os nossos irmãos e irmãs indígenas - verdadeiros donos do Brasil - foram recebidos em Brasília pela PM do governo Bolsonaro com bombas. A líder indígena Sonia Guajajara, coordenadora executiva da APIB, escreveu:  “Um grande retrocesso que estamos sofrendo! Um órgão que deveria defender nossos direitos e interesses, agora nos ataca” (Em: https://www.brasildefato.com.br/2021/06/17/). Que absurdo! Quanta maldade e quanta crueldade!

Ora, diante do fato que aconteceu na Igreja de Brasília, lembrei-me da grande figura de Santo Ambrósio, bispo de Milão. Segundo o relato de Sozomeno em sua História da Igreja - depois do massacre de 7000 pessoas em Tessalônica (390), às portas da Igreja em Milão, aconteceu a seguinte cena: “Quando Teodósio se aproximou dos portões do edifício, ele foi recebido por Ambrósio, o bispo da cidade, que se apoderou de seu manto de púrpura, e disse-lhe, na presença da multidão: ‘Afaste-se! Um homem renegado pelo pecado, e com as mãos encharcadas no sangue injustamente derramado, não é digno, sem arrependimento, de entrar neste recinto sagrado, ou participar dos Santos Mistérios’” (Citado por: Marcus Cruz - UFMT. Um homem renegado pelo pecado. A penitência de Milão e as relações entre a Igreja e o Império no final do IV século. Em: www.dialogosmediterranicos.com.br  Número 5 - Novembro/2013, p. 34).

Lamentavelmente, Bolsonaro - segundo pesquisas divulgadas nas redes sociais - é responsável pelo massacre de mais de 375 mil mortes (ao menos, de 3 em cada 4 mortes), que podiam ter sido evitadas: um massacre muito maior que o de Tessalônica (7 mil pessoas) do imperador Teodósio.

É verdade que o contexto histórico na qual viveu S. Ambrósio era diferente do nosso, mas com certeza sua atitude profética continua sendo uma luz que nos mostra como devemos agir hoje para sermos verdadeiros seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré. A Igreja não pode ser conivente com a bandidagem, mesmo que - muitas vezes - seja legalizada.

Quem sabe!? Se o arcebispo de Brasília tivesse tomado a atitude profética de S. Ambrósio, poderia ter acontecido com Bolsonaro o mesmo que aconteceu com Teodósio: “O imperador, impressionado e admirado com a coragem do bispo, começou a refletir sobre sua própria conduta e, com muita contrição, refez seus passos” (Ib.). Tudo é possível, com a graça de Deus.

Que o Espírito Santo nos ilumine para que sejamos sempre uma Igreja profética e nunca uma Igreja prostituta!





Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

Goiânia, 04 de julho de 2021