No dia 1º deste mês de julho, o presidente Jair Bolsonaro participou - com seguranças,
batedores, familiares e parlamentares - de uma Missa na Paróquia Nossa Senhora
da Saúde, na Asa Norte de Brasília, transmitida pela TV Brasil. O evento
religioso tinha sido combinado com a administração da Paróquia. Na hora da Comunhão,
Bolsonaro entrou na fila e recebeu a Eucaristia das mãos de dom Paulo Cezar Costa, arcebispo de
Brasília.
Lendo a notícia, fiquei
profundamente indignado e com muita dor no coração. Foi realmente um ato público de prostituição da Igreja e
de profanação da Eucaristia. É inacreditável!
Como pode um presidente,
genocida e assassino, ser recebido ostensiva e deliberadamente numa Igreja e receber
a sagrada Eucaristia? Além disso, Bolsonaro sempre demostrou que não tem uma
opção religiosa definida e nem um comportamento macro - ecumênico que respeite
e valorize todas as Igrejas e Religiões. Ele fala o nome de Deus em vão e usa
hipócrita, cínica e oportunisticamente todas as manifestações religiosas para
legitimar sua prática política criminosa.
Embora só Deus julgue a
consciência das pessoas, objetivamente falando (ou seja, pelos fatos), podemos
afirmar que Bolsonaro é um pecador público e a denúncia profética de seu mau comportamento
deve ser também pública. A Igreja não pode ser conivente com uma política
perversa e iníqua como a do presidente.
Abro um parêntese e cito
mais um fato que mostra claramente que o presidente é um cafajeste hipócrita.
No último dia 16 - para
tratar da demarcação de terras - centenas de indígenas “representantes de mais
de 35 Povos originários, com o apoio da Articulação dos Povos Indígenas do
Brasil (APIB), marchavam na capital federal e esperavam ser recebidos por um
representante da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas a tropa de choque da
PM cercou o prédio da entidade e atacou os manifestantes com bombas de efeito
moral e spray de pimenta”.
Os nossos irmãos e
irmãs indígenas - verdadeiros donos do Brasil - foram recebidos em Brasília pela
PM do governo Bolsonaro com bombas. A líder indígena Sonia Guajajara, coordenadora
executiva da APIB, escreveu: “Um grande
retrocesso que estamos sofrendo! Um órgão que deveria defender nossos direitos
e interesses, agora nos ataca” (Em: https://www.brasildefato.com.br/2021/06/17/). Que absurdo! Quanta maldade e quanta
crueldade!
Ora, diante do fato que
aconteceu na Igreja de Brasília, lembrei-me da grande figura de Santo Ambrósio,
bispo de Milão. Segundo o relato de Sozomeno em sua História da Igreja - depois do massacre de 7000 pessoas em
Tessalônica (390), às portas da Igreja em Milão, aconteceu a seguinte cena:
“Quando Teodósio se aproximou dos portões do edifício, ele foi recebido por
Ambrósio, o bispo da cidade, que se apoderou de seu manto de púrpura, e
disse-lhe, na presença da multidão: ‘Afaste-se! Um homem renegado pelo pecado,
e com as mãos encharcadas no sangue injustamente derramado, não é digno, sem
arrependimento, de entrar neste recinto sagrado, ou participar dos Santos
Mistérios’” (Citado por: Marcus Cruz - UFMT. Um homem renegado pelo pecado. A
penitência de Milão e as relações entre a Igreja e o Império no final do IV
século. Em: www.dialogosmediterranicos.com.br Número 5 - Novembro/2013, p. 34).
Lamentavelmente,
Bolsonaro - segundo pesquisas divulgadas nas redes sociais - é responsável pelo
massacre de mais de 375 mil mortes (ao menos, de 3 em cada 4 mortes), que
podiam ter sido evitadas: um massacre muito maior que o de Tessalônica (7 mil
pessoas) do imperador Teodósio.
É verdade que o
contexto histórico na qual viveu S. Ambrósio era diferente do nosso, mas com
certeza sua atitude profética continua sendo uma luz que nos mostra como
devemos agir hoje para sermos verdadeiros seguidores e seguidoras de Jesus de
Nazaré. A Igreja não pode ser conivente com a bandidagem, mesmo que - muitas
vezes - seja legalizada.
Quem sabe!? Se o
arcebispo de Brasília tivesse tomado a atitude profética de S. Ambrósio,
poderia ter acontecido com Bolsonaro o mesmo que aconteceu com Teodósio: “O
imperador, impressionado e admirado com a coragem do bispo, começou a refletir
sobre sua própria conduta e, com muita contrição, refez seus passos” (Ib.).
Tudo é possível, com a graça de Deus.
Que o Espírito Santo
nos ilumine para que sejamos sempre uma Igreja profética e nunca uma Igreja
prostituta!
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 04 de julho de 2021
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