quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Cristão ou cristã não “toma posse”

 


Voltemos às fontes: a vida de Jesus de Nazaré e a vida das primeiras Comunidades cristãs. Jesus, em sua vida anônima, foi carpinteiro com seu pai José e, em sua vida pública, esteve do lado dos Pobres como verdadeiro irmão. Vivendo a compaixão, Ele sempre foi solidário com aqueles e aquelas que na sociedade não tinham voz e vez, ajudando-os a se libertarem de tudo o que impedia a vida. ”Eu vim para que tenham vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10).

"Vocês sabem: aqueles que se dizem governadores das nações têm poder sobre elas, e os seus dirigentes têm autoridade sobre elas. Mas, entre vocês não deve ser assim: quem de vocês quiser ser grande, deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro, deve tornar-se o servidor de todos. Porque o Filho do Homem (Jesus) não veio para ser servido, mas para servir e dar a própria vida como resgate por todos e todas” (Mc 10,42-45).

Com seu ensinamento e com sua prática, Jesus incomodou os poderosos: fariseus, mestre da Lei e sumos sacerdotes. Na sinagoga de Nazaré, depois de afirmar - citando os profetas Elias e Eliseu - que “nenhum profeta é aceito em sua pátria”, “todos na sinagoga ficaram furiosos. Levantaram-se e o expulsaram da cidade. Levaram-no até o alto do morro sobre o qual a cidade estava construída, com a intenção de lança-lo no precipício. Jesus, porém, passando pelo meio deles, continuou o seu caminho” (Lc 4,24.28-30).

Na última Ceia, depois do lava-pés, Jesus dirigindo-se aos discípulos disse: “eu lhes dei um exemplo, para que vocês façam do modo como eu fiz” (Jo 13,15). Jesus nunca “tomou posse” e nunca sentou em “cátedras”, a não ser a cátedra da cruz.

Os membros das primeiras Comunidades cristãs - seguindo o exemplo de Jesus - viviam como irmãos e irmãs e serviam uns aos outros conforme as necessidades de cada um e de cada uma. Nas Comunidades, os apóstolos eram irmãos entre irmãos e irmãs. Nunca “tomaram posse” e nunca sentaram em “cátedras episcopais”. Como a de Jesus, a “cátedra de S. Pedro” foi a cruz, na qual - segundo a tradição - ele pediu para ser crucificado de cabeça para baixo, por não se achar digno de ser crucificado do mesmo jeito de Jesus.

“A multidão dos que acreditavam era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram seus os bens que possuía, mas tudo entre eles era posto em comum. Os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus. E todos eles e elas eram muito estimados” (At 4,32-33).

Como estamos longe desse modelo de Comunidade cristã e de Igreja! Por conseguinte, como estamos longe do Evangelho de Jesus de Nazaré!

As insígnias episcopais, as cátedras, os objetos litúrgicos de ouro, as celebrações luxuosas e triunfalistas e a chamada “posse canônica” denotam uma Igreja que pretende ser poderosa, hierárquica e triunfalista: uma “sociedade perfeita”.

Jesus pediu aos discípulos/as: “entre vocês não deve ser assim”. Infelizmente, a Igreja não atendeu ao pedido de Jesus e fez justamente o contrário. Só para citar um exemplo, a maneira como os bispos são escolhidos e nomeados é totalmente antidemocrática - contrária à prática da sinodalidade da qual se fala tanto hoje - e antievangélica.

No início do Cristianismo, os bispos eram escolhidos pelas Comunidades e, às vezes, até por aclamação, como no caso de Santo Ambrósio

Portanto: cristão ou cristã - mesmo padre, bispo ou papa - nunca “toma posse”, mas se coloca sempre disponível para servir: “Aqui estou! Envia-me” (Is 6,8). Depois da extraordinária pescaria, Simão Pedro e seu grupo deixaram tudo e seguiram a Jesus” (Lc 5,11), por incrível que pareça sem ”posse canônica”.

Após sua Ressurreição, aparecendo aos discípulos, Jesus disse: “A paz esteja com vocês! Assim como o Pai me enviou, eu também envio vocês. Tendo falado isso, Jesus soprou sobre eles, dizendo: ‘Recebam o Espírito Santo’” (Jo 20,21). Mais uma vez, sem “posse canônica”.

Na perspectiva do Evangelho, o nosso irmão Dom João Justino, devia ter chegado em Goiânia alguns dias antes do dia fixado para assumir seu novo ministério, visitado algumas Comunidades pobres da periferia de Goiânia e em uma delas (mesmo que fosse na Rua em frente à porta de entrada da Igrejinha da Comunidade) marcada a Missa do Espírito Santo, convidando (com todos os cuidados necessários por causa da pandemia da Covid-19 e suas variantes) representantes de toda a Arquidiocese de Goiânia. Como teria sido bonito! A Celebração falaria por si só e mostraria que a Igreja tem lado: o lado dos pobres, o lado de Jesus de Nazaré.

Continuemos sonhando! Com certeza, um dia nosso sonho tornar-se-á realidade!

Em tempo: no lugar das palavras “governo” ou” “governar”, usemos as palavras “pastoreio” ou “apascentar”, que é muito mais evangélico. Na Igreja não existe “governo”, mas “pastoreio”. Como cristãos e cristãs - além de sermos ovelhas do rebanho de Jesus - somos chamados também a participar de sua missão de Bom Pastor. 


Rumo ao 15º Intereclesial

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                                                                                                                                                                            Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 15 de fevereiro de 2022










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