segunda-feira, 16 de junho de 2025

O Ser humano meta-histórico-individual



(Continua o último artigo sobre o Ser Humano)

O Ser humano histórico-individual (corpóreo, biopsíquico, espiritual ou pessoal), ou seja, o Ser humano histórico em suas relações individuais (interindividuais), é "ontologicamente" voltado para o meta-histórico-individual; ele é - "já e ainda não" - meta-histórico-individual.

Como a meta-socialidade, a meta-individualidade (meta-corporeidade, meta-biopsiquicidade, meta-espiritualidade ou meta-pessoalidade) é constitutiva da meta-historicidade do Ser humano (ou seja, do Ser humano meta-histórico).

A meta-individualidade é - podemos dizer - "meta-individualidade social", porque o indivíduo influencia e condiciona dialeticamente a sociedade e vice-versa (como já vimos).

O Ser humano histórico meta-individualiza-se dialética e permanentemente como “Vida individual” ou “Morte individual”, até à meta-individualiação plena (total, absoluta) como “Vida individual plena” ou “Morte individual plena”.

A meta-individualização plena (total, absoluta) como “Vida individual plena” é a afirmação da dimensão individual do Ser humano em sua plenitude, ou seja, da humanização plena (da Vida eterna, da Páscoa definitiva, da Plenitude da Ressurreição, da Plenitude do Reino de Deus, da Salvação eterna, do Céu, do Paraíso).

A meta-individualização plena como “Morte individual plena” é a negação de tudo o que foi dito no parágrafo anterior.

Para o Ser humano meta-individual (meta-corpóreo, meta-biopsíquico, meta-espiritual ou meta-pessoal), esse processo dialético permanente da meta-individualização, até à meta-individualização plena, passa pelo reconhecimento dos outros Seres humanos como outros ou não e pela experiência do amor meta-individual (meta-corpóreo, meta-biopsiquico, meta-espiritual ou meta-pessoal) ou não (desamor meta-individual, egoísmo meta-individual), em todas as suas manifestações (expressões).

Essa experiência é a condição necessária para encontrar (conhecer e vivenciar) ou não o significado fundamental - último e definitivo - da existência humana individual. É a experiência do amor meta-individual ou não, que se dá (acontece) na e pela Práxis meta-individual (voltaremos sobre o assunto, falando da Práxis meta-individual).

Nessa altura de nossa reflexão sobre o Ser humano meta-histórico - meta-social e meta-individual - pergunto:

· O Ser humano histórico pode encontrar (conhecer, vivenciar) e realizar totalmente o significado (o sentido) de sua existência social (estrutural) e individual (corpórea, biopsíquica, espiritual ou pessoal) entre os limites da história?

· Ele pode encontrar em si mesmo um fundamento suficiente para afirmar a meta históricidade social (meta-socialidade) e individual (meta-individualidade)?

· Quais as perspectivas que se abrem para a realização do significado fundamental - último e definitivo - da existência humana, que parece ameaçado pela "morte"?

· Existe o Absoluto, o Infinito (Deus)?

Tendo presente que - como Seres humanos históricos (sociais e individuais) - só raciocinamos (refletimos), mesmo quando o fazemos à luz da Fé, com categorias espaço-temporais e que só por analogia podemos conhecer uma realidade meta-histórica (transcendente) “além da morte”, daremos uma resposta - limitada evidentemente - a estas questões.

Para fazer isso, na existência histórica do Ser humano, temos fundamentalmente dois "caminhos" ("vias"):

· O primeiro leva-nos a descobrir a necessidade da existência de Deus (o Outro absoluto), Fonte (Fundamento) do ser nos seres ou (em linguagem teológica) de Deus Criador.

· O segundo leva-nos a descobrir, diretamente, a dimensão da meta-historicidade humana e, indiretamente, a existência de Deus.

     (Continua no próximo artigo sobre o Ser Humano) 


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282  

https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 15 de maio de 2025





O artigo foi publicadooriginalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-individual/ (26/05/25)

terça-feira, 3 de junho de 2025

Fazendo a memória de Dom Fernando: pastor-profeta

 


Em 2010, no centenário de nascimento (04/04/1910 - Patos - PB) e nos 25 anos da Páscoa definitiva (01/06/85 - Goiânia - GO) de Dom Fernando Gomes dos Santos, publiquei o artigo “Dom Fernando: pastor-profeta” (Diário da Manhã. Opinião Pública, 23/12/10, p. 17).

Neste ano de 2025, nos 40 anos de sua Páscoa definitiva (01/06) - pelo significado que o testemunho de vida de Dom Fernando tem para a Igreja, sobretudo hoje - achei por bem retomar, com reformalizações e atualizações, o que disse naquela época.

Desde o início da década de 1970, quando - depois do Concílio Vaticano II (1962-65) e da Conferençia de Medellín (1968) - vivíamos, com muito entusiasmo, um tempo de profunda renovação da Igreja, tive a felicidade - que considero uma graça de Deus - de trabalhar em Comunidades da periferia de Goiânia e, ao mesmo tempo, de ser amigo e colaborador direto de Dom Fernando Gomes dos Santos como Coordenador da Pastoral e Vigário Geral da Arquidiocese de Goiânia. Por isso, fazendo a memória dos 40 anos de sua Páscoa definitiva, não posso deixar de dar publicamente - mais uma vez - o meu testemunho.

Por ocasião de sua morte ou, melhor dizendo, do dia em que "completou sua Páscoa", falei que Dom Fernando foi "um Pastor-Profeta dos nossos tempos", "fiel à Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade" (Revista da Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 393 e 426-427).

Dom Fernando tinha uma personalidade forte, mas um coração muito grande. Era uma figura de extraordinária profundidade humana; sabia compreender, com amor de pai e ternura de mãe, as fraquezas do ser humano; ele foi sempre um irmão solidário de todos e todas, especialmente dos mais pobres.

No depoimento, que ele deu à Revista Eclesiástica Brasileira (REB), poucos meses antes de sua Páscoa definitiva, depois de falar da ação pastoral do Secretariado da Pastoral Arquidiocesana (SPAR), diz que ela "se complementa naturalmente no gabinete do arcebispo, sempre aberto a ouvir a todos e todas, a qualquer hora. Nesses encontros - em sua maior parte com pessoas pobres, marginalizadas e oprimidas - tem acontecido que, além das palavras de estímulo, recebam, alguma vez, o sacramento da Penitência, sem que ninguém saiba ou perceba. Transforma-se, assim, em lugar privilegiado de reconciliação e de perdão" (REB, março de 1985).

Quando, por causa de sua tomada de posição clara, destemida e firme em defesa do povo, o acusavam de ser contra o Governo, Dom Fernando dizia: “eu sou a favor do povo; quando o Governo estiver a favor do povo, eu estarei com ele, quando estiver contra o povo, eu estarei contra ele". 

Como tive a graça de conviver com Dom Fernando e ser - pela afinidade que tínhamos - pessoa da sua confiança, quando alguém o procurava para tratar de um assunto que podia ser resolvido no Secretariado da Pastoral Arquidiocesana (SPAR), o ouvi diversas vezes dizer: "isso é com Frei Marcos".

Dom Fernando - sobretudo depois do Concílio Vaticano II - era um homem que acreditava na "Igreja dos Pobres" e vivia a comunhão e participação, numa Igreja toda ela ministerial. Por isso, partilhava com os Padres, as Religiosas/os e os Agentes pastorais leigas/os a responsabilidade do pastoreio.

Honra-me muito - e considero isso uma graça de Deus - o reconhecimento de Dom Fernando a respeito do SPAR, no depoimento já citado: "O SPAR tem sido o grande centro de convergência e de irradiação de tudo o que se passa na Arquidiocese no campo pastoral. Dotado de sede própria, que integra o conjunto Catedral-Cúria Metropolitana-Spar, no centro da cidade, constitui o ponto mais dinâmico da Arquidiocese. Hoje o SPAR conta com o coordenador da Pastoral, Frei Marcos Sassatelli, que é também vigário geral, e com uma extraordinária equipe de sacerdotes, religiosas/os e leigas/os competentes, de rara dedicação e eficiência. No SPAR, funcionam oito Comissões que dinamizam as atividades fundamentais, referentes às prioridades do Plano Pastoral, elaborado em Assembleia Arquidiocesana e constantemente estudado nas reuniões e encontros. O SPAR produz, também, grande número de boletins e impressos, que são divulgados nas Paróquias da Arquidiocese, principalmente nas Comunidades da periferia, e que são encomendados por outras Igrejas particulares do Brasil afora. Grande é também o número de cursos ministrados nas Comunidades da capital e do interior" (REB, ib.).

À luz dos ensinamentos da Conferência de Medellím, no Plano de Pastoral - aprovado em Assembleia Arquidiocesana e publicado em forma de Cartilha e de Documento - as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) eram a prioridade das prioridades. E hoje!?

Como todo ser humano, Dom Fernando tinha também suas limitações e seus defeitos, mas era um homem de uma só palavra, um homem íntegro, um homem "sem violência e sem medo". Com inabalável fidelidade, amava muito a Mãe Igreja, mesmo, às vezes, sofrendo profunda e silenciosamente por causa das incompreensões de irmãos da própria Igreja (cf. O Testamento de Dom Fernando. Revista da Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 356).

Dom Fernando, como "pastor-profeta dos nossos tempos" e como "defensor e advogado do povo" (capa da REB de março de 1985), era também implacável na denúncia e na luta contra as injustiças sociais. Era respeitado e temido pelos poderosos, sobretudo nos tempos difíceis da ditadura militar.

Dom Fernando era um homem fiel à Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade, "Para desempenhar sua missão, a Igreja, a todo momento, tem o dever de escutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho (...). Por conseguinte, é necessário conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 4).

Que a memória do testemunho de Dom Fernando Gomes dos Santos - primeiro arcebispo da Arquidiocese de Goiânia - nos 40 anos de sua Páscoa definitiva, nos ajude a sermos, sempre mais, uma Igreja verdadeiramente evangélica, comprometida com a Boa-Notícia do Reino de Deus no mundo de hoje, “desde os pobres, com os pobres e para os pobres”: o único caminho para sermos uma Igreja para todos e todas. A caminhada continua! Esperançar é preciso!


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
 
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 01 de junho de 2025



quarta-feira, 28 de maio de 2025

Por uma Igreja Cristã Católica evangélica (2ª parte)

 


Depois das reflexões feitas (na 1ª parte do artigo) à luz do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín, apresento aqui algumas propostas concretas: caminhos que a Igreja Cristã Católica precisa percorrer para voltar a ser uma Igreja verdadeiramente evangélica.


1ª. A Igreja Cristã Católica deve reconhecer - não só na teoria, mas também na prática - que todos os Seres humanos - Cristãos e Cristãs incluídos - são iguais em dignidade e valor.


“Deus disse: ‘Façamos o Ser humano à nossa Imagem e semelhança’. (...) E Deus criou o Ser humano à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, macho e fêmea os criou” (Gn 1,26-27).


"Deve-se reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos os Seres humanos" (A Igreja no mundo de hoje - GS 29). "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do Ser humano para a comunhão com Deus" (GS 19). Na Igreja “reina (deveria reinar...) verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os cristãos e cristãs na edificação do Corpo de Cristo" (A Igreja - LG 32).


“Na Igreja, Povo de Deus, é comum a dignidade dos filhos e filhas de Deus batizados e batizadas, no seguimento de Jesus, na comunhão recíproca e no mandamento missionário” (Exortação Apostólica Pós-sinodal “Ecclesia in America” - EA 44). “Na Igreja, todos e todas são chamados à santidade (perfeição humana, felicidade) e receberam a mesma fé pela justiça de Deus” (LG 32).


"O mistério do Ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o Ser humano ao próprio Ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS 22). “Todo aquele que segue Cristo, o Ser humano perfeito, torna-se ele também mais Ser humano” (GS 41).


2ª. A Igreja Cristã Católica deve ser toda ministeral, na diversidade dos dons (carismas) e dos serviços (ministérios).


Na Igreja: “existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um, conforme ele quer” (1Cor 12,4-11).


3ª. A Igreja Cristã Católica deve ser uma Comunidade de Irmãos e Irmãs (um círculo) e não uma Hierarquia de classes - Clero e Laicato - com a classe intermediária chamada Vida Religiosa (uma pirâmide).


“Desenvolvendo perspectivas já presentes no Concílio, mas ainda não explicitadas, vários teólogos - a começar por Congar - têm proposto pensar a estrutura social da Igreja dentro do binômio 'comunidade - carismas e ministérios'. O primeiro termo, 'comunidade' (ou o teologicamente mais denso, 'comunhão'), inclui tudo o que há de comum a todos os membros da Igreja; e a dupla 'carisma e ministérios' inclui tudo o que positivamente os distingue. É esta, aliás, a perspectiva do Novo Testamento, onde nunca aparece o termo 'leigo' ou ‘leiga’ (e - podemos acrescentar - nem o termo ‘clero’), mas sublinham-se os elementos comuns a todos os cristãos/ãs e, ao mesmo tempo, valorizam-se as diferenças carismáticas, ministeriais e de serviço. Neste sentido, os termos que designam os membros do Povo de Deus acentuam a condição comum a todos os renascidos pela água e pelo Espírito: santos/as, eleitos/as, discípulos/as, irmãos/ãs” (CNBB. Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas - 62, 1999, número 104-106. Veja a íntegra do Documento. Infelizmente, depois de 17 anos, no Documento “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade - 105 - 2016, a CNBB esqueceu o Documento anterior e voltou a reafirmar o binômio Hierarquia e Laicato)


Na Igreja, todas as eleições - nas Pastorais e nos Conselhos Pastorais (os novos Sínodos) - devem ser comunitárias e ter valor deliberativo, em comunhão com as outras Igrejas e com a Igreja de Roma, cujo bispo (papa deriva de pai) é sinal de unidade de todas as Igrejas numa só Igreja.


4ª. A Igreja Cristá Católica precisa se despojar de todas as formas de luxo, poder e triunfalismo


Para fazer isso, a Igreja deve seguir o caminho que Jesus (Caminho, Verdade e Vida) fez, desde a manjedoura de um estábulo, onde nasceu como sem-teto, até na Cruz, onde morreu como criminoso, acusado de “subverter” o povo. Ora, para seguir o caminho de Jesus, a Igreja precisa:

  • Acabar com todos os títulos honoríficos (eminência, excelência, monsenhor e muitos outros). Ficar somente com os títulos acadêmicos, que dizem qual é a área na qual o irmão ou a irmã está mais preparado ou preparada para servir e os títulos profissionais que indicam qual o serviço que o irmão ou a irmã presta.

  • Acabar com o cardinalato e sua sagrada púrpura (que de sagrado não tem nada).

  • Acabar com os palácios episcopais (que estão voltando), com outros palácios e com todo tipo de luxo na construção das Igrejas, nos vasos e vestimentas litúrgicas, mas preservando tudo o que é patrimônio histórico-cultural - positivo ou negativo - cuja memória nos ensina hoje (um exemplo: a Igreja de S. Francisco de Assis, em Salvador - BA, com o interior revestido em ouro (“Igreja de ouro”). Pergunto: Logo São Francisco? Que contradição!).

  • Acabar com todas as manifestações e celebrações triunfalistas. A Igreja deve ser sal da terra, fermento na massa e luz do mundo.

  • Acabar com todas as formas de poder. Na Igreja - além dos serviços (ministérios) das diferentes pastorais - só deve existir o serviço (ministério) da coordenação com sua secretaria.

  • Acabar, por fim, com a Igreja - Estado: o maior equívoco histórico, que não tem nada a ver com o Evangelho. Como? De duas maneiras:

º Devolvendo o Estado do Vaticano ao Estado italiano, com a responsabilidade de preservar seu patrimônio histórico-cultural, seja positivo que negativo, ou:

º Criando um pequeno Estado autônomo com a mesma responsabilidade e totalmente independente da Igreja, como - por exemplo - a República de S. Marino na Itália e outros.

Quem sabe, um dia tudo isso se tornará realidade e teremos uma Igreja Cristã Católica verdadeiramente evangélica. Invoquemos o Espírito Santo. (Vejam na imagem abaixo: o Papa Francisco é um irmão igual aos outros do grupo)     


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
 
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terça-feira, 20 de maio de 2025

Por uma Igreja Cristã Católica evangélica (1ª parte)

 


O Vaticano II faz-nos passar:

  • de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus;
  • de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina;
  • de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial;
  • de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo;
  • de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; 
  • de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária”. 

(Dom Aloísio Lorscheider. Fotografia da Igreja que o Concílio Vaticano II sonhou” - Os destaques em negrito são meus).

O Concílio Vaticano II colocou as bases para que a Igreja Cristã Católica viva um processo de libertação permanente dos pecados pessoais de todos os que somos cristãos e cristãs dessa Igreja e, sobretudo, do seu pecado estrutural como Instituição. É só fazendo isso que a Igreja Cristã Católica voltará a ser - no mundo de hoje - uma Igreja realmente evangélica como eram, no seu tempo, as primeiras Comunidades Cristãs

A Conferência de Medellín - em teoria, mas ainda muito pouco na prática - encarnou esses ensinamentos do Concílio Vaticano II na realidade da América Latina e do Caribe.

Costuma-se dizer que a Igreja é santa e que os pecadores são os cristãos e cristãs. Essa afirmação é verdadeira somente em parte. Explico-me:

Todos e todas nós, cristãos e cristãs - enquanto seres humanos situados (no espaço) e datados (no tempo) - somos pecadores e pecadoras, mas também santos e santas. Enquanto estamos nesse mundo, sempre precisamos nos libertar dos nossos pecados pessoais e crescer na santidade - que, no Plano de Deus, é a perfeição humana - vivendo cada dia mais profundamente o mandamento do Amor a Deus e aos Irmãos e Irmãs.

Jesus carinhosamente diz aos seus discípulos/as: “Filhinhos/as: vou ficar com vocês só mais um pouco. Vocês vão me procurar, e eu digo agora a vocês o que eu já disse aos judeus: para onde eu vou, vocês não podem ir. Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos/as reconhecerão que vocês são meus discípulos/as” (Jo 13, 33-35).

O projeto de vida dos que somos cristãos e cristãs deve ser um projeto de vida humana radical.

Pessoalmente - por viver há mais de 50 anos a experiência de vida cristã das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) - posso testemunhar que, no meio dos nossos irmãos e irmãs, trabalhadores e trabalhadoras pobres dessas Comunidades, encontrei - além de pecados - muita santidade.

Foi na convivência com os irmãos e as irmãs dessas Comunidades que aprendi a ser cristão (frade dominicano, padre, professor de filosofia na UFG e teologia em outras Instituições) e aprendo até hoje.

Nessa caminhada, entre os muitos fatos que me marcaram profundamente, cito um: numa Comunidade da periferia de Goiânia visitava periodicamente um senhor baiano, idoso e doente. As visitas eram sempre muito fraternas e - depois de uma longa e carinhosa conversa de irmãos, sentados num banquinho, um ao lado do outro, na porta do barraco onde ele morava - quando ia embora, sempre me dizia: “Deus conte seus passos!”. Após algum tempo, a filha voltou com ele para a Bahia. Na hora de sua morte (plenitude da Páscoa), disse à filha com toda simplicidade: “Quando você for a Goiânia, avisa Frei Marcos que eu morri!”. Quanta sabedoria de vida e quanta fé!  Acho que Deus está contando meus passos até hoje!

Continuando as nossas reflexões - além dos pecados pessoais dos que somos cristãos e cristãs - o que há de mais grave na Igreja Cristã Católica é seu pecado estrutural (institucionalizado), do qual ela precisa se libertar para voltar a ser hoje uma Igreja realmente evangélica.

No decurso de sua história - ao contrário de Jesus que venceu as tentações - a Igreja Instituição cedeu a três grandes tentações: do poder, do luxo e do triunfalismo. Ela incorporou estruturas do imperialismo, do feudalismo e do capitalismo, que não têm nada a ver com o Evangelho de Jesus de Nazaré e tornou-se uma Igreja poderosa, luxuosa e triunfalista.

Entre muitos, cito somente um fato: na Procissão da Solenidade do Corpo de Cristo, pessoalmente sinto-me sempre muito mal vendo a Eucaristia transportada nas ruas centrais de Goiânia num ostensório de ouro e por Ministros com vestimentas litúrgicas luxuosas, enquanto Jesus, na pessoa dos Moradores em Situação de Rua, dorme deitado na calçada das ruas, onde a procissão eucarística passa. Que contradição! Que Igreja é essa!

Agradeço a Deus a vida do nosso irmão Papa Francisco pelo seu testemunho e por tudo aquilo que ele - dentro do possível - conseguiu fazer por uma Igreja mais evangélica e que o nosso Irmão, o Papa Leão XIV pretende continuar. Mesmo com tudo isso, ainda há muito a ser feito!

(Esclarecendo: no texto uso a palavra “evangélica” como expressão do seguimento radical de Jesus)

(Depois dessas reflexões de caráter mais geral, na 2ª parte do Artigo - com muito amor à Igreja Cristã Católica da qual sou membro - apresentarei algumas propostas concretas para que essa Igreja volte a ser - cada dia mais - uma Igreja realmente evangélica).

 


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Marcos Sassatelli, Frade dominicano
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segunda-feira, 5 de maio de 2025

1º de Maio unificado



Dia do Trabalhador e da Trabalhadora

No Dia do Trabalhador e da Trabalhadora deste ano de 2025 - nas capitais e em muitas outras cdades do Brasil - aconteceu mais uma vez o “1º de Maio Unificado”: um grande Encontro de Trabalhadores e Trabalhadoras dos Sindicatos, Centrais Sindicais, Partidos Políticos Populares, Movimentos Socioambientais Populares. Organizações de Mulheres, Entidades de Estudantes, Fóruns de Direitos Humanos, Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), Pastorais Socioambientais e outros Grupos Populares organizados.

Mesmo com suas diferenças e divergências, esses Movimentos e essas Organizações Populares têm o mesmo lado, que é o lado do Povo, ou seja, dos pobres, oprimidos, marginalizados e descartados pelo Sistema Social (socioeconômico-político-ecológico-cultural e religioso) do Brasil e do mundo, que é o Sistema Capitalista Neoliberal, totalmente irracional, desumano e antiético: um Sistema “insuportável”, que “exclui, degrada e mata” (como dizia Papa Francisco).

Em todo o Brasil, nos Encontros do 1º de Maio Unificado, houve uma boa participação de Trabalhadores e Trabalhadoras, Políticos dos Partidos Populares e muitos outros Companheiros e Companheiras. Em Goiânia, o 1º de Maio Unificado (do qual participei) aconteceu na Praça do Trabalhador (a partir das 8h), com músicas e sorteios, num clima de muita união. Teve a participação de cerca 3 mil pessoas. Parabéns aos Organizadores e Organizadoras!

Neste ano, nos Encontros do 1º de Maio Unificado, os Trabalhadores e Trabalhadoras destacaram - entre outras - as seguintes bandeiras de luta:

  • Pelo fim da escala 6x1: um regime de trabalho no qual o empregado e a empregada executam suas funções por seis dias consecutivos (44 horas semanais) e descansam no sétimo (Consolidação das Leis do Trabalho - CLT). Trata-se de um regime que - por refletir a lógica do Capitalismo, cujos objetivos principais são a produtividade e o lucro - compromete a qualidade de vida dos trabalhadores e das trabalhadoras. 
  • Defesa da democracia (democracia popular).
  • Saúde do trabalhador e da trabalhadora.
  • Isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil.
  • Taxação dos super-ricos.

São bandeiras de luta necessárias e urgentes, mas os trabalhadores e as trabalhadoras, os políticos populares e todas as pessoas que lutamos por uma sociedade e um mundo estruturalmente novos - de igualdade, de justiça e de vida digna para todos e todas - não podemos esquecer da ambiguidade dessas lutas, da qual precisamos tomar consciência para enfrentá-la e superá-la.

No Sistema Capitalista Neoliberal, todas as lutas acima lembradas e outras são necessárias para “humanizar” com urgência casos e situações concretas de desigualdade, de injustiça e de falta de vida digna, que não podem esperar a mudança de estruturas. Essas lutas, porém, servem também - aqui está sua ambiguidade - para “legitimar” um Sistema Social estruturalmente iniquo e perverso, que mantêm os trabalhadores e as trabalhadoras submissos, evitando protestos e greves.

Mesmo com essa ambiguidade, todas as lutas específicas devem fortalecer (e não arrefecer) a nossa luta maior e permanente para derrotar e superar o próprio Sistema Capitalista Neoliberal: a causa principal desses casos concretos de falta de condições para uma vida minimamente digna e dessas situações totalmente desumanas.

Fiquemos alerta e não nos iludamos! Os trabalhadores e as trabalhadoras, todos e todas nós devemos ter consciência dessa ambiguidade e enfrentá-la com firmeza.

Por fim, os Partidos Políticos Populares (Partidos de esquerda), os Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadores, as Centrais Sindicais, os Movimentos Socioambientais Populares, as CEBs, as Pastorais Socioambientais e todas as Organizações ou Grupos Populares, devem ter consciência de três realidades fundamentais.

  • Primeira: os que apoiam e defendem o Projeto Social (socioeconômico-político-ecológico-cultural e religioso) Capitalista Neoliberal não são somente nossos adversários, mas nossos inimigos. Adversários são aqueles ou aquelas que - mesmo defendendo o mesmo Projeto Social - têm diferenças e divergências a respeito da leitura (análise e interpretação) da realidade e dos passos que podem e devem ser dados para fazer o Novo Projeto Social acontecer.

O errado não é ter inimigos, mas odiar os inimigos. Como diz Jesus de Nazaré, todos e todas nós como seres humanos - e, mais ainda, se formos cristãos e cristãs - devemos amar os inimigos.

Paulo Freire nos ensina que a única maneira de amar os inimigos (os opressores) é lutar contra o projeto de vida deles e delas. Com isso, quem sabe, mudem de vida, como fez Zaqueu ao se encontrar com Jesus.

  • Segunda: na prática político-partidária, sindical e popular deve ficar sempre claro qual o Projeto Social que temos e defendemos.
  • Terceira: com aqueles e aquelas que têm e defendem um Projeto Social totalmente diferente e oposto ao nosso, não podemos fazer “aliança”, palavra que significa “comunhão de Projetos”, mas somente “acordos pontuais”, em casos e situações especiais. Nada de hipocrisia!

Povo unido e organizado, jamais será vencido! A nossa luta continua!


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
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https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 04 de maio de 2025

terça-feira, 29 de abril de 2025

O Ser humano meta-histórico-social



    (Continua o tema dos artigos anterioriores sobre o Ser humano)


Na vida do Ser humano histórico - “já e ainda não” meta-histórico - a liberdade é uma exigência e, ao mesmo tempo, uma consequência da racionalidade. Ela "é um risco e um mistério que envolvem a absoluta frustração no ódio (morte plena) ou a radical realização no amor (vida plena)” (BOFF, L., Vida para além da Morte. Vozes, Petrópolis, 1973, p. 94). Esse risco e esse mistério devem ser assumidos e vividos permanentemente.


A realidade que chamamos de "morte" - como todos e todas sabemos por experiência - é constitutiva da condição existencial do Ser humano histórico. Sabemos que temos de morrer e - vendo a morte dos outros e das outras ou antecipando a nossa pela imaginação - podemos adquirir a experiência vital e a convicção real de nossa própria morte.


"Vejo claramente diante de mim minha morte. No constante incremento da eficácia vivida do meu passado, que ata cada vez mais fortemente cada um dos meus passos, sob cuja determinação nos sentimos cada vez mais claramente, e que atua como um todo sobre a vida; no progressivo estreitamento da esfera do futuro que me está dada na expectação imediata; na pressão, cada vez mais forte, do âmbito do presente, inserido entre o passado e o futuro; em todas as vivências, me está dado o acercamento da morte, que se aproxima por segundos; independente do lugar em que me encontre, dentro do ritmo vital de minha espécie humana, esteja enfermo ou são, observe-o ou não o observe, chegue ou não a formulá-lo claramente num juízo. Porque esta experiência está jacente na vida, na essência da vida, não no acaso de minha organização humana e no especial ritmo de sua existência: infância, juventude, velhice e duração da vida" (SCHELER, M. Murte y Supervivencia. Revista de Occidente, Madrid, s.d., p. 75-76. Citado por: DEL VALLE, A. Basave. Filosofia do homem - Fundamentos de Antropologia metafísica. Convívio, São Paulo, 1975, p. 247).


Neste sentido, o Ser humano, desde os primeiros momentos de sua vida,  caminha para  a "morte".


Ele é um "ser-para-a-morte", ou seja, um "ser-para-a-passagem” - última e definitiva - do "modo de ser histórico" (em processo permanente de meta-historicização: meta-histórico “já e ainda não”) para o "modo de ser meta-histórico" (em estado pleno: meta-histórico “além da morte”). Como, porém, o Ser humano histórico é "ontologicamente" voltado para a vida e a vida plena, ele é, sobretudo, um "ser-para-a-vida”.  


Em síntese, podemos dizer que o Ser humano histórico como "corpo" biopsíquico e espiritual ou pessoal, "morre" (a ênfase é colocada no corpo); o Ser humano histórico como "espírito" (ou "pessoa") biopsíquico e corpóreo, "ressuscita" ou "vive para além da morte" (a ênfase é colocada no espírito ou pessoa). O sujeito, porém, da Morte e Ressurreição é sempre o Ser humano histórico todo.


Na "morte" (cisão total do tempo para a eternidade) o Ser humano "acaba de nascer totalmente" (BOFF, L., o.c., p. 55) para a vida plena ou morte plena.


O Ser humano meta-histórico é, antes de tudo, Ser humano meta-social (meta-sociedade), mas a “meta-socialidade” não é a totalidade do Ser humano meta-histórico. A "meta-socialidade" é - podemos dizer - "meta-socialidade individual", porque a sociedade influencia e condiciona dialeticamente o indivíduo.


O Ser humano social, ou seja, o Ser humano histórico em suas relações sociais ou estruturais, é "ontologicamente" voltado para o meta-social; é, "já e ainda não", meta-social. A dimensão da meta-socialidade é constitutiva da meta-historicidade do Ser humano.


O Ser humano histórico meta-socializa-se dialética e permanentemente como “Vida social” ou “Morte social”, até à meta-socialização plena (total, absoluta) como “Vida social plena” ou “Morte social plena”.


A meta-socialização plena (total, absoluta) como “Vida social plena” é a afirmação da dimensão social do Ser humano em sua plenitude, ou seja, da humanização plena (da Vida eterna, da Páscoa definitiva, da Plenitude da Ressurreição, da Plenitude do Reino de Deus, da Salvação eterna, do Céu, do Paraíso).


A meta-socialização plena (total, absoluta) como “Morte social plena” é a negação de tudo o que foi dito no parágrafo anterior.


Contrariamente a uma interpretação "individualista", afirmar a meta-socialidade do Ser humano meta-histórico, significa "afirmar uma Comunidade humana 'além da morte’ (temporal), no sentido que a Comunidade humana - tendo já uma dimensão meta-histórica - náo é destruida por esta mesma morte" (GEVAERT, J., o.c., p. 268).


Para o Ser humano meta-social, “estrutural e constitutivamente” ligado aos outros (semelhantes), o processo dialético permanente (o caminho) da meta-socialização - até à meta-socialização plena (total, absoluta) como Vida meta-social plena ou Morte meta-social plena - passa pelo reconhecimento ou não dos outros como outros e pela experiência do amor meta-social (meta-estrutural) ou não (desamor meta-social, egoísmo meta-social), em todas as suas manifestações.


Essa experiência é ainda a condição necessária para encontrar (conhecer e vivenciar) o significado fundamental - último e definitivo - da existência humana meta-social.


A experiência do amor meta-social se dá (acontece) na e pela Práxis meta-sócial (voltaremos sobre   o assunto, falando da Práxis meta-social).


     (Continua nos próximos artigos sobre o Ser humano)

    O artigo foi publicado originalmente em:

                  https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-social/ (27/03/25)





Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   

Professor aposentado de Filosofia da UFG

E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282 


https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 28 de abril de 2025



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos