segunda-feira, 14 de julho de 2025

O Ser humano meta-histórico “além da morte” (1)

 


Nos três últimos artigos refletimos sobre o Ser humano meta-histórico (meta-social e meta-individual) “já e ainda não”.

Neste, vamos começar a refletir sobre o Ser humano meta-histórico (meta-social e meta-individual) “além da morte”.

Na existência histórica do Ser humano, encontramos, fundamentalmente, dois "caminhos" ("vias") que nos levam: o primeiro, a descobrir a necessidade da existência de Deus (o Outro absoluto), Fonte (Fundamento) do ser nos seres ou (em linguagem teológica) de Deus Criador; o segundo, a descobrir, diretamente, a dimensão da meta-historicidade humana “além da morte” e, indiretamente, a existência de Deus.

O primeiro "caminho" parte do "real" como tal (portanto, também do "real humano"). Antes de tudo, tenta responder à pergunta: por que existe o "real"? Esta pergunta é racional e perfeitamente legítima. Não basta explicar o real e mostrar como funciona (que é o papel das ciências); é preciso também questionar a própria existência do real. "Se se consegue não só 'falar' esta questão, mas também 'pensá-la' realmente, percebe-se que a existência do real, considerado no seu todo, faz surgir uma outra questão: ele não explica a sua própria existência (...). O real 'existe', é um ponto, eis tudo" (PODEUR, L. Imagem moderna do mundo e fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 131).

É esta a "contingência" do real. Se pararmos por aqui, o "real" torna-se um "absurdo". Continuemos o movimento da razão que interroga, inscrevendo o próprio real num contexto emglobante. "Neste caso, a existência do real (...) torna-se exigência de um fundamento (...). Somos levados então a propor a hipótese de uma fonte, da qual nada sabemos a não ser que seria 'completamente diferente' do mundo, porque seria o fundamento do mundo e ela mesma não teria que ter um fundamento" (ib., p. 132).

Chegamos, assim, ao tema da "presença ontólogica" de Deus - em linguagem filosófica - ou "presença criadora” de Deus (criação) - em linguagem teológica.

A hipótese da existência de um Deus - fundamento do ser nos seres existentes - não é irracional e irreal. "Mesmo que a ciência pudesse explicar cabalmente as existências que aparecem e desaparecem do universo, ela não poderia dizer nada a respeito da existência como tal da realidade: ela simplesmente a pressupõe e funciona tomando-a por base" (ib.).

Em seguida, o "caminho", que parte do "real" como tal, tenta responder à pergunta: qual é o "sentido" do real? É próprio do Ser humano histórico procurar um "sentido" (um "significado") não só para a sua existência, mas também para o "real" (a "realidade") considerado em si mesmo (e não neste ou naquele indivíduo).

O conhecimento "científico" dos mecanismos do real (material e vivente) - mesmo supondo a ciência totalmente acabada (o que é impossível na condição existencial do Ser humano) - não oferece nenhum dado concernente à existência e à natureza do sentido (significado) último das coisas (cf. ib., p. 133-134). Portanto, "a afirmação de um Deus-fundamento pode inserir-se em nossa concepção do real sem opor-se ao projeto científico e sem obrigar, por nada deste mundo, a repor em questão os nossos conhecimentos do universo" (ib., p. 134).

O segundo "caminho" - que nos leva a descobrir, diretamente, a meta-historicidade do Ser humano “além da morte” e, indiretamente, a existência de Deus - parte do "real humano" (da realidade humana). Antes de tudo, tenta responder à pergunta: por que o Ser humano "necessita estruturalmente" de Infinito? A "necessidade estrutural" (a "exigência estrutural") de Infinito mostra que o Ser humano histórico - embora limitado em suas possibilidades - é infinito em seus anseios e aspirações (tensões, projeções); ele vive em estado de busca permanente e nunca se satisfaz; ele anseia uma plenificação, ou seja, uma vida plena (completa), uma realização plena (total), que possa trazer-lhe uma felicidade plena (verdadeira).

Será que tais anseios (aspirações) são infundados e levam o Ser humano histórico à frustração (e/ou ao desespero), ou será que são fundados e levam este mesmo Ser humano histórico à esperança? Sua vida desenvolve-se numa contínua disputa entre a angústia (ou a inquietude constante) - que pode levar, às vezes, à frustração e/ou ao desespero - e a esperança - que leva ao Absoluto, ao Infinito (Veja o pensamento de S. Agostinho a respeito da inquietude constante do Ser humano).

Na existência histórica do Ser humano, "o par angústia-esperança não se pode cindir. Este par psicológico corresponde a este outro par ontológico: desamparo metafísico-plenitude subsistencial. A coexistência destes momentos na vida humana é orgânica e forma uma unidade substancial. Os vaivéns da vida devem-se ao predomínio do sentimento de nosso desamparo ontológico ou ao predomínio do pré-sentimento de nossa plenitude subsistencial. No 'ser contingente' ('ens contingens') que é o Ser humano, há um desfiladeiro para o nada e uma escada para o Absoluto. Somos, os humanos, um misterioso amálgama de nada e de eternidade" (DEL VALLE, A. Basave. Filosofia do homem. Fundamentos de Antropologia metafísica. Convívio, São Paulo, 1975, p. 95).

(No próximo artigo sobre o Ser humano continua o mesmo tema: parte 2)

 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
    E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
  
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 15 de maio de 2025










O artigo foi publicado originalmente em: 

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-1/ (10/07/25)

segunda-feira, 7 de julho de 2025

Uma imoralidade pública - covarde, cruel, perversa e diabólica

 


No dia 2 deste mês de julho - na derrubada das casas na Comunidade da Ocupação do Setor Estrela Dalva, Região Noroeste de Goiânia - o prefeito Sandro Mabel foi de uma covardia, crueldade e perversidade diabólicas. Os moradores construíram - e ainda estavam construindo - suas casinhas com material, comprado quase sempre à prestação e com dinheiro tirado da própria alimentação.

Que desumanidade! O senhor, prefeito Sandro Mabel e seus apoiadores, foram uma prova concreta de que o demônio existe. Não dá para entender como um ser humano possa ser tão mau!

Faço agora uma advertência. Prefeito Sandro Mabel, se o senhor não pedir perdão publicamente da gravíssima imoralidade que praticou para com nossos irmãos e irmãs pobres da Ocupação do Setor Estrela Dalva e não reparar o prejuízo que causou aos seus moradores, reconstruindo suas casas, brutalmente demolidas e quitando, se necessário, suas prestações do material de construção com o seu próprio dinheiro (e não o dinheiro da Prefeitura), lembre-se:

- pagará muito mais caro diante de Deus;

- a justiça de Deus pode tardar, mas não falha.

Aguarde! “Os caminhos de Deus são justos e verdadeiros” (Ap 15,3). “Deus ama o seu Povo e exalta os pobres com a vitória” (Sl 14,4).

“Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês são como sepulcros caiados: por fora parecem bonitos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e podridão! Assim também vocês: por fora, parecem justos diante dos outros, mas por dentro estão cheios de hipocrisia e injustiça. Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas!” (Mt 23,27-29).

Jesus, no caso do prefeito Sandro Mabel e companhia limitada, diria: “Ai de vocês fariseus hipócritas, que derrubam as moradias dos pobres e adoram o deus dinheiro!”.

Por fim, afirmo mais uma vez (nunca é demais): do ponto de vista humano, ético e cristão (radicalmente humano) “todo despejo é injusto” e, se tiver liminar da “Justiça”, é mais injusto ainda, porque se torna uma injustiça legalizada e institucionalizada. Pessoa humana não se despeja como se fosse “lixo degradável”.

E ainda: só existem três casos, nos quais os moradores e moradoras de uma Ocupação podem ser removidos e removidas com dignidade.

Primeiro: se for uma área com risco de vida para seus moradores. Nesse caso, a remoção deve ser realizada o mais rápido possível e o Poder Público tem a obrigação de pagar o aluguel social até que outras casas dignas estejam prontas para serem ocupadas.

Segundo: se for uma área de utilidade pública. Nesse caso, a remoção só pode ser realizada depois que outras casas estiverem prontas para serem ocupadas.

Terceiro:  se for uma área de preservação ambiental. A remoção só pode ser feita como no caso anterior.

Todo terreno abandonado para especulação imobiliária (dos adoradores do deus dinheiro) não só pode, mas deve ser ocupado pelas pessoas que não têm moradia digna: direito humano fundamental de todos e de todas.

Como cristão, eu também sou Igreja (Comunidade dos seguidores e seguidoras de Jesus de Nazaré) e não posso ficar calado. O silêncio é um grave pecado de omissão. O meu lado é o lado de Jesus de Nazaré: o lado dos pobres, dos marginalizados, dos explorados, dos excluídos e dos descartados: os e as que - nessa sociedade capitalista, estruturalmente irracional, desumana, antiética e anticristã - não têm voz e não têm vez.

Reafirmo: senhor prefeito, Sandro Mabel, aguarde a justiça de Deus!

A luta continua e a esperança nunca morre...



02/07/25


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282  
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 06 de julho de 2025







Carta aberta à PJMP

 


Carta aberta à PJMP

Por ocasião do

6º Congresso Nacional:

09-13 de julho de 2025

Fortaleza - CE

Meus queridos e queridas jovens da PJMP,

Antes de tudo, faço a memória, ou seja, torno presente o 5º Congresso Nacional da PJMP - de 9 a 13 de julho de 2018 - celebrado na Paróquia Nossa Senhora da Terra, Região Noroeste de Goiânia, com o tema muito sugestivo: "Águas e Profecia: Luzes no Meio Popular gerando Vidas" e com o lema: "Juventudes, Protagonismo, Resistência e Liberdade". 

Foi uma experiência humana, cristã (radicalmente humana) e eclesial muito bonita e muito significativa para todos e todas nós, que nos marcou profundamente.

À época, a PJMP (Pastoral da Juventude do Meio Popular) celebrava seus 40 anos de caminhada. Acolhemos com muito entusiasmo e muita esperança os e as jovens da PJMP vindos de todos os recantos do Brasil, juntamente com irmãos e irmãs que trabalhavam com eles e elas.

Parabéns, jovens da PJMP! Na Igreja, vocês são os e as jovens das CEBs, vivem seu “jeito de ser Igreja”, que é - no mundo de hoje - o “jeito evangélico” de ser Igreja, o jeito de viver como irmãos e irmãs das primeiras Comunidades Cristãs, o jeito de viver do próprio Jesus de Nazaré, que nasceu como sem-teto, foi trabalhador carpinteiro e - em sua vida pública - sempre ficou do lado dos/as pobres e excluídos/as, foi preso como subversivo, morreu na cruz por amor, ressuscitou, está vivo e caminha conosco.

Do dia 9 a 13 de julho de 2025 acontecerá o 6º Congresso Nacional da PJMP em Fortaleza - CE, com o tema muito atual: "Juventude do Meio Popular: trilhando os caminhos do Cristo Libertador".

A PJMP - por viver o jeito de ser Igreja das CEBs - é uma força libertadora e transformadora da própria Igreja e, sobretudo, da Sociedade com a presença de vocês “trilhando os caminhos do Cristo Libertador” no meio dos Movimentos Populares e participando de suas lutas por uma Nova Sociedade no mundo com o mundo: a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.

Gostaria muito de estar presente no Congresso, mas como sou um “jovem” que já completou 86 anos - graças a Deus com saúde e ainda trabalhando muito - achei melhor acompanhar nas Redes Sociais.

Um Bom Congresso, um Congresso que leve, cada dia mais, vocês da PJMP e - com vocês - todos e todas nós a “trilhar os caminhos do Cristo Libertador”.

Abraços do irmão de vocês, “jovem” há mais tempo,

                                                                                                                                                                               Frei Marcos Sassatelli

Frade dominicano
Goiânia, 04 de julho de 2025
Cel. e WA: (62) 9 9979 2282  



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos