Considerar a política econômica como algo
que não pertence à área dos direitos humanos, é um crime do Poder Público
contra a vida do povo.
"Enquanto Lula tenta escapulir de
rótulos ideológicos, a presidenta Dilma assume claramente uma opção pela
esquerda. Essa opção tende a se revelar não na política econômica, mas na área
de direitos humanos" (Eliane Cantanhêde. Presidenta eleita assume opção
clara de esquerda na área de direitos humanos. Folha de S. Paulo, 06/12/10, p.
A4). Como se pode separar a política econômica da área de direitos humanos ou,
em outras palavras, da ética?
Se o presidente Lula "tenta
escapulir de rótulos ideológicos", quer dizer que apoia e defende a
ideologia dominante. Aliás, a vitória eleitoral do governo de
"esquerda" do Lula no Brasil (e tudo indica que o governo Dilma dará
continuidade ao governo Lula), antes de significar "a ascensão do
povo" ao poder do Estado, perpetua "sua subordinação" ao
"jugo neoliberal".
Na verdade, como aconteceu também em
outros países da América Latina, o partido dos "trabalhadores"
ascendeu ao poder "para concluir o trabalho que a direita não teria
condições (por falta de legitimidade) de acabar" (Cf. Alexander Maximilian
Hilsenbech Filho. Governos de "esquerda" e movimentos sociais na
América Latina: entre a cooptação e a construção de uma democracia autônoma.
Revista Espaço Acadêmico, N. 62, julho 2006). Segundo alguns cientistas
sociais, o governo Lula "consolidou" o capitalismo no Brasil.
Por ser o ser humano um ser histórico,
situado e datado, a ideologia é uma mediação necessária. Faz parte da nossa
condição humana; não há como não ter ideologia. O importante é que a ideologia
seja uma ferramenta a favor da vida ou uma ferramenta libertadora e humanizadora,
e não uma ferramenta a favor da morte ou uma ferramenta opressora e
desumanizadora.
A área dos direitos humanos integra a
política econômica, que é a base material necessária para uma vida digna para
todos/as. A defesa e a promoção dos direitos humanos deve acontecer não só nas
relações pessoais ou interpessoais, mas também e sobretudo nas relações
estruturais (sócioeconômico-político-ecológico-culturais). A política econômica
do sistema capitalista neoliberal, que a nova presidenta quer manter e fortalecer,
é uma violação estrutural, silenciosa e permanente, dos direitos humanos.
A situação da educação é um outro crime
do Poder Público contra a vida do povo. "Sinceramente, não entendo por que
mais pessoas não se sentem revoltadas diante das condições da educação pública
neste país. Somos uma nação em que cerca de 50% das crianças brasileiras da 5a
série são semianalfabetas. Dos 3,5 milhões de alunos que ingressam no ensino
médio (antigo colegial), apenas 1,8 milhão se formam. (…) Estas estatísticas refletem
décadas - ou melhor, centenas de anos - de descaso com a educação" (Jair
Ribeiro. Revolução na educação. Folha de S. Paulo, 05/12/10, p. A3).
A avaliação internacional, chamada Pisa e
coordenada pela OCDM (Organização de Nações Desenvolvidas), analisou a educação
em 65 países e constatou: "Os estudantes brasileiros com 15 anos
melhoraram em leitura, ciências e matemática nos últimos 9 anos. Seguem, porém,
entre os mais atrasados do mundo. (…) No ranking, o Brasil está na 53a
posição, com nota semelhante a Colômbia e Trinidad e Tabago" (Folha de S.
Paulo, 08/12/10, p. C1).
A Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD) sobre a Evolução do Analfabetismo e do Analfabetismo
funcional (quem tem menos de quatro anos de estudo) no Brasil - Período 2004-2009,
realizada anualmente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), constatou: "No Brasil, a taxa de analfabetismo entre pessoas com
mais de 15 anos recuou 1,8% no período e hoje é de 9,7% - ou cerca 14 milhões
de habitantes que não sabem ler nem escrever" (O Popular, 10/12/10, p. 8).
Segundo os dados, divulgados no dia nove
de dezembro/10 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e que se
referem a pessoas com mais de 15 anos de idade, "mesmo com uma queda de
2,1 pontos porcentuais nos índices de analfabetismo em cinco anos, Goiás ainda
tinha 384 mil pessoas analfabetas e outras quase 500 mil analfabetas funcionais
em 2009" (Ib.).
O aumento (que está na ordem do dia) de
133,96% do salário do presidente da República, de 148,63% do salário do
vice-presidente da República e dos ministros de Estado, e de 61,83% do salário
dos deputados federais e senadores que, por efeito cascata, provoca
automaticamente o aumento do salário dos deputados estaduais, é também um crime
do Poder Público contra a vida do povo. O projeto federal de aumento salarial
foi aprovado na quarta feira, dia 15 de dezembro/10.
Com isso, o salário do presidente e
vice-presidente da República, dos ministros de Estado, e dos deputados federais
e senadores passa a ser de R$ 26.723,13. O salário dos parlamentares goianos,
que antes era de R$ 12.384,06, passa a ser de R$ 20.042,25. Além do salário, os
deputados goianos têm o direito legal (mas não o direito ético) a R$ 21 mil
mensais de verba indenizatória para gastos com viagens, telefonia, escritório,
combustíveis, etc. Que vergonha! É realmente um pontapé na cara do povo, que
ganha um salário de fome.
Poderíamos enumerar uma lista enorme de
crimes do Poder Público contra a vida do povo, como, por exemplo, o caos na
saúde pública e muitos outros, que o espaço limitado de um artigo não permite.
Os três casos citados são suficientes
para mostrar que os crimes do Poder Público contra a vida do povo são uma
consequência lógica de um “sistema econômico iníquo” (DA - Documento de
Aparecida, 385) ou de um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o
motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da
economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto,
sem limites nem obrigações correspondentes” (PP - Populorum Progressio, 26).
Em outras palavras, os crimes do Poder
Público contra a vida do povo são uma consequência lógica de "estruturas
de morte" (DA 112) e de "estruturas de pecado" (DA 92, 532) ou
"situações de pecado" (DA 95).
Diante desse sistema de competição, de
dominação e de exploração, diante de tanta injustiça e iniquidade, o que fazer?
Os Movimentos sociais populares e todos aqueles/as que acreditam que é possível
mudar esta realidade precisam se unir, não se deixar cooptar pelo sistema
vigente e lutar rumo à vitória de maneira organizada, para que um "mundo
novo" aconteça, um mundo de cooperação, de igualdade, de solidariedade e
de fraternidade.
Para os cristãos católicos, o Advento é
um tempo forte de alegria e de esperança ativa, que - unidos a todas as forças
sociais que buscam a transformação e a mudança - os leva a ser sujeitos de uma
história diferente, de "uma outra história possível".
"O senhor é fiel para sempre, faz
justiça aos que são oprimidos; ele dá alimento aos famintos, é o Senhor quem
liberta os cativos" (Salmo 146).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
Dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção -
SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da
Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa
Senhora da Terra
Nenhum comentário:
Postar um comentário