Por
ter tido a felicidade de ser amigo e colaborador direto de Dom Fernando Gomes
dos Santos como Coordenador da Pastoral e Vigário Geral da Arquidiocese de
Goiânia, não posso deixar passar o ano do seu centenário de nascimento sem dar
publicamente o meu testemunho.
Por ocasião de sua morte, ou, melhor
dizendo, do dia em que, há 25 anos, "completou sua Páscoa", falei que
Dom Fernando foi "um Pastor-Profeta dos nossos tempos", "fiel à
Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade" (cf. Revista da
Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 393 e 426-427).
Dom Fernando tinha uma personalidade
forte, mas um coração muito grande. Era uma figura de extraordinária
profundidade humana; sabia compreender, com amor de pai e ternura de mãe, as
fraquezas do ser humano; ele foi sempre um irmão solidário de todos/as,
especialmente dos mais pobres.
No depoimento, que ele deu à Revista
Eclesiástica Brasileira (REB), poucos meses antes de sua Páscoa definitiva,
depois de falar da ação pastoral do Secretariado da Pastoral Arquidiocesana
(SPAR), diz que ela "se complementa naturalmente no gabinete do arcebispo,
sempre aberto a ouvir a todos, a qualquer hora. Nesses encontros - em sua maior
parte com pessoas pobres, marginalizadas e oprimidas - tem acontecido que, além
das palavras de estímulo, recebam, alguma vez, o sacramento da Penitência, sem
que ninguém saiba ou perceba. Transforma-se, assim, em lugar privilegiado de
reconciliação e de perdão" (REB, março de 1985).
Quando, por causa de sua tomada de
posição clara, destemida e firme em defesa do povo, o acusavam de ser contra o
governo, dom Fernando dizia: “eu sou a
favor do povo; quando o governo estiver a favor do povo, eu estarei com ele, quando estiver
contra o povo, eu estarei contra ele".
Dom Fernando nunca foi um homem bajulador
e oportunista, como é bastante comum
acontecer, mesmo em ambientes de igreja. Por ser sempre um homem reto,
coerente e franco, ele não conseguia entender e não tolerava, de forma alguma,
a traição, que na realidade é um comportamento covarde e mesquinho. Percebendo
que uma pessoa, em quem ele tinha confiado, o traia, sofria calado, mas perdia
completamente a confiança. Quando, porém, confiava em alguém, sua confiança era
total e irrestrita
Como tive a graça de conviver com Dom
Fernando e ser, pela afinidade que tínhamos, pessoa da sua confiança, quando
alguém o procurava para tratar de um assunto que podia ser resolvido no
Secretariado da Pastoral Arquidiocesana (Spar), o ouvi diversas vezes dizer:
"isso é com Frei Marcos". Dom Fernando - sobretudo depois do Concílio
Vaticano II - era um homem que acreditava na "Igreja dos Pobres" e
vivia a comunhão e participação, numa Igreja toda ela ministerial. Por isso,
partilhava com os Padres, as Religiosas e os Agentes pastorais leigos/as a
responsabilidade do pastoreio.
Embora tenha consciência que não é mérito
meu, mas dom de Deus, honra-me muito o reconhecimento de Dom Fernando a
respeito do SPAR, no depoimento já
citado: "O Spar tem sido o grande centro de convergência e de irradiação
de tudo o que se passa na Arquidiocese no campo pastoral. Dotado de sede
própria, que integra o conjunto Catedral-Cúria Metropolitana-Spar, no centro da
cidade, constitui o ponto mais dinâmico da Arquidiocese. Hoje o Spar conta com
o coordenador da Pastoral, Frei Marcos Sassatelli, que é também vigário geral,
e com uma extraordinária equipe de sacerdotes, religiosas e leigos competentes,
de rara dedicação e eficiência. No Spar, funcionam oito Comissões que dinamizam
as atividades fundamentais, referentes às prioridades do Plano Pastoral,
elaborado em Assembleia Arquidiocesana e constantemente estudado nas reuniões e
encontros. O Spar produz, também, grande número de boletins e impressos, que
são divulgados nas paróquias da Arquidiocese, principalmente nas comunidades da
periferia, e que são encomendados por outras Igrejas particulares do Brasil
afora. Grande é também o número de cursos ministrados nas comunidades da
capital e do interior" (REB, ib.).
Como todo ser humano, Dom Fernando tinha
também suas limitações e seus defeitos, mas era um homem de uma só palavra, um
homem íntegro, um homem "sem violência e sem medo". Com inabalável
fidelidade, amava muito a Mãe Igreja, mesmo, às vezes, sofrendo profunda e
silenciosamente por causa das incompreensões de irmãos da própria Igreja.
No seu Testamento, dom Fernando confessa:
"Não obstante as minhas deficiências, fraquezas, e falhas, sempre me
consagrei com tudo o que sou e com tudo o de que dispus, à Santa Igreja e ao
sagrado ministério" (O Testamento de Dom Fernando. Revista da
Arquidiocese. Goiânia, ano 28, n. 6/7, junho/julho 1985, p. 356).
Dom Fernando, como "pastor-profeta
dos nossos tempos" e como "defensor e advogado do Povo" (capa da
REB de março de 1985), era também implacável na denúncia e na luta contra as
injustiças sociais. Era respeitado e temido pelos poderosos, sobretudo nos
tempos difíceis da ditadura militar.
Dom Fernando, como homem "fiel à
Palavra de Deus e fiel aos apelos da realidade", viveu intensamente os ensinamentos
do Concílio Vaticano II.
"Como Cristo, por sua Encarnação ligou-se às condições
sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve a
Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da
salvação e a vida trazida por Deus” (Concílio Vaticano II. A atividade missionária da Igreja
- AG, 10).
"Para desempenhar sua missão, a
Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e
interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira
adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida
presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte,
conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e
sua índole frequentemente dramática" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de
hoje - GS, 4).
Que a
memória do legado do primeiro arcebispo da Arquidiocese de Goiânia, Dom
Fernando Gomes dos Santos, no centenário do seu nascimento e nos 25 anos de sua
Páscoa definitiva, sirva-nos de estímulo para que sejamos, sempre mais, uma
Igreja evangélica, uma Igreja pobre e uma Igreja comprometida com a Boa-Notícia
do Reino de Deus no mundo de hoje.
Fr. Marcos Sassatelli, Frade
Dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da
Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa
Senhora da Terra
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