Estamos,
os cristãos católicos, no tempo litúrgico do Natal, que vai das vésperas do
Natal até a festa do Batismo do Senhor, que, neste ano, celebraremos domingo, 9
de janeiro/11.
Na
Missa da noite de Natal proclamamos solenemente: "Ó noite silenciosa! O
desejado chegou! A promessa foi cumprida: tempo de espera acabou! Ó noite
silenciosa! Chegou-nos o Emanuel (Deus conosco)! O clamor foi atendido, nasceu
justiça do céu! (…) Ó noite silenciosa! Deus enviou seu Filho! Nasceu o sol do
Oriente, a luz espalha o seu brilho! A vós, ó Pai, nesta noite os servos cantam
louvor. Tornados filhos no Filho, no Espírito de Amor" (Proclamação do
Natal).
Segundo o
relato do Evangelista Lucas, naquela época, o imperador César Augusto mandou
fazer o recenseamento em todo o império. Na realidade, o recenseamento era um
instrumento de dominação e de cobrança de impostos. "Todos iam
registrar-se, cada um na sua cidade natal. José era da família e descendência
de Davi. Subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até à cidade de Davi, chamada
Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
Enquanto estavam em Belém, se completaram os dias para o parto, e Maria deu à
luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou, e o colocou na manjedoura, pois
não havia lugar para eles na hospedaria" (ou, "dentro de casa" -
como alguns traduzem) (Lc 2, 3-7).
Os
primeiros que receberam a Boa Notícia do nascimento de Jesus foram os pastores.
"Eu anuncio a vocês a Boa Notícia, que será uma grande alegria para todo o
povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias,
o Senhor. Isto lhes servirá de sinal: vocês encontrarão um recém-nascido,
envolto em faixas e deitado na manjedoura" (Lc 2, 10-12). Os pastores
foram às pressas se encontrar com Maria e José, e o recém-nascido. Voltaram louvando e glorificando a Deus, e
tornaram-se os primeiros anunciadores da Boa Notícia do nascimento de Jesus.
Quem eram
os pastores? Eram pessoas "odiadas por não respeitar as propriedades alheias,
invadindo-as com seus rebanhos e cobrando preços exorbitantes pelos produtos.
Um pastor - segundo o Talmud babilônico - não podia ser eleito ao cargo de juiz
ou testemunha nos tribunais, por causa da má fama e do desrespeito à
propriedade" (Pe. José Bortolini, Roteiros homiléticos. Paulus, 2006, p. 3
- Missa da noite de Natal). Os pastores não eram, portanto, "pessoas de
bem".
Jesus,
diríamos hoje, nasceu como "sem-teto" e anunciou a Boa-Notícia do seu
nascimento aos "sem-terra" (os pastores). Nasceu rejeitado e
excluído. "Veio para a sua casa, mas os seus não o receberam" (Jo 1,
11).
O Filho de
Deus, o Salvador do mundo, não só se encarnou, assumindo a nossa natureza e a
nossa condição humana na história, mas tornou-se solidário - afetiva e efetivamente
– com todos aqueles/as que no mundo não têm voz e não têm vez, com todos
aqueles/as que não "cabem" nas casas das nossas cidades: os
empobrecidos, os oprimidos, os excluídos, os indesejados, os rejeitados e os descartados da nossa sociedade. Jesus se
identificou totalmente com eles/elas, tornando-se um deles/delas.
Se
Jesus, para citar um exemplo, tivesse vindo ao mundo em Goiânia em 2005, teria
nascido na Ocupação do Parque Oeste Industrial, porque não haveria lugar para
ele (e para seus pais José e Maria) nas casas da cidade. Ele teria sido
perseguido (como tantas outras crianças da Ocupação, que estão traumatizadas
até hoje), seus pais José e Maria teriam resistido, juntamente com os
companheiros/as, mas enfim - por causa da ganância dos poderosos e da
conivência das autoridades (os Herodes de hoje), teria sido barbaramente
despejado, juntamente com seus pais e os outros moradores/as. Talvez, quem
sabe, teria sido morto à queima-roupa, como Pedro e Vagner.
Jesus,
em princípio, podia ter nascido no palácio do imperador de Roma ou em outros
palácios, mas não o fez. Por quê? O que Ele quer nos dizer com isso? Qual é o
sentido do Natal para nós? O que significa celebrar e reviver o Natal, hoje?
Muitas
vezes, com nossos presépios bonitos e até luxuosos, em ambientes e Igrejas com
ar condicionado e todo tipo de conforto, conferimos ao Natal uma aura
romântica, que não tem nada a ver com o estábulo e a manjedoura, na qual Jesus
nasceu.
É verdade
que Jesus veio para todos/as, mas o caminho que Ele escolheu, para anunciar ao
mundo a Boa-Notícia do Reino de Deus, não foi o caminho dos poderosos (dos
Herodes de ontem ou de hoje), mas o caminho dos pobres, que é um caminho
alternativo.
E nós,
seus seguidores/as, será que escolhemos o caminho de Jesus? Será que, em nossas
Igrejas e em nossas Comunidades, não estamos, muitas vezes, demasiadamente
preocupados com comportamentos que visam o poder, o luxo, a riqueza, a
ostentação e o triunfalismo? Será que não procuramos legitimar tais
comportamentos proferindo as palavras, hoje muito comuns, "para Deus o
melhor"? O que é o melhor? Será que o melhor está no ter (e não no ser)?
Será que,
em determinadas situações, não nos “prostituímos” com nossos conchavos, com
nossas atitudes bajuladoras e com nossas alianças ambíguas?
Na noite
de Natal cantamos com alegria: "Noite feliz! Mas, do ponto de vista
meramente racional, não foi uma noite feliz. Qual é a mulher grávida que
gostaria de dar à luz seu filho numa manjedoura? Nenhuma, com certeza. Seria um
caso de desrespeito à dignidade humana, de marginalização e de injustiça. Mas
por que, mesmo assim, cantamos: Noite feliz!? Porque temos a certeza, à luz da
fé, que estamos diante do grande mistério do amor infinito de Deus para
conosco. Deus nos ama "até o fim" (Jo 13, 1), até não poder mais.
Como é insondável o mistério do amor de Deus para conosco! Que prova de amor
Deus no deu!
Jesus
passou quase toda a sua vida no anonimato, vivendo - certamente com
simplicidade e naturalidade - a vida de trabalhador, a vida de carpinteiro,
juntamente com José, seu pai.
Nos poucos
anos de vida pública - contam os Atos dos Apóstolos – Jesus, ungido com o
Espírito Santo, "andou por toda parte fazendo o bem", sempre ao lado
dos mais pobres e necessitados. “E nós (os Apóstolos) somos testemunhas de tudo
o que Jesus fez na terra dos judeus e em Jerusalém” (At 10, 38-39).
Mesmo,
porém, “andando por toda parte fazendo o bem”, Jesus foi preso e acusado de
subverter o povo (cf. Lc 23, 2), foi torturado e morto na cruz, que era a morte
mais humilhante e mais vergonhosa possível. A solidariedade e a identificação
com todos os rejeitados/as da nossa sociedade não podia ser maior. Ele, o Santo
e o Justo, se fez bandido, se fez criminoso. Mas "Deus o ressuscitou e nós
– dizem novamente os Apóstolos - somos
testemunhas disso" (At 2, 32). E é justamente por causa da Ressurreição de
Jesus que, no tempo litúrgico da Páscoa, cantamos alegres: "Vitória tu
reinarás, ó cruz, tu nos salvaras"!
Na última
Ceia, Jesus, depois de lavar os pés dos discípulos, perguntou: "vocês
compreenderam o que acabei de fazer? (…) Eu lhes dei o exemplo e vocês devem
fazer a mesma coisa que eu fiz" (Jo 13, 12-15). Em outra ocasião,
conversando com os discípulos, Jesus disse: “Quem de vocês quiser ser grande,
deve tornar-se o servidor de vocês, e quem de vocês quiser ser o primeiro,
deverá tornar-se o servo de todos" (Mc 10, 43-44).
Podemos
dizer que Jesus revolucionou todos os critérios da convivência humana. E nós?
Será que queremos realmente seguir Jesus, procurando “discernir os 'sinais dos
tempos' à luz do Espírito Santo” e nos colocar a serviço do Reino de Deus?
(Documento de Aparecida – DA, 33).
Um dia,
"enquanto ia andando, alguém no caminho disse a Jesus: 'Eu te seguirei
para onde quer que fores', mas Jesus lhe respondeu: 'As raposas têm tocas e os
pássaros têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça' (Lc
9, 57-58). E, num outro encontro com os discípulos, Jesus acrescentou: “Se
alguém quer me seguir, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e me siga” (Mt 16,
24).
Enfim,
lembremos que: “O seguimento de Jesus é fruto de uma fascinação que responde ao
desejo de realização humana, ao desejo de vida plena. O discípulo é alguém
apaixonado por Cristo, a quem reconhece como o mestre que o conduz e o
acompanha” (DA, 277).
“Eu
vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância” (Jo 10-10).
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
Goiânia, 04 de janeiro de 2011
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