Lula, ex-operário e ex-sindicalista, tornou-se
presidente da República por dois mandatos, de 2003 a 2010, e ficou totalmente
deslumbrado pelo poder. Hoje ele é ex-presidente.
Alguns
fatos de sua vida são significativos e paradigmáticos. Na campanha eleitoral,
de 2002, que o levou à presidência da República, Lula demonstrou de maneira
clara que, dessa vez (depois de outras tentativas fracassadas) queria ganhar as
eleições a qualquer custo e com qualquer meio. Por isso, na prática (mesmo que
não seja na teoria) ele renegou a história do PT, sua própria história como
co-fundador do PT e fez todo tipo de alianças, inclusive com a estrema direita,
cuja ação política o PT - quando ainda se preocupava com a coerência ideológico-ética
- sempre rechaçou de maneira firme e decidida.
Em
outras palavras, para ganhar as eleições, Lula deixou a ética de lado, se
vendeu e se comprometeu com os interesses do sistema financeiro internacional.
Caso contrário, ele não teria ganhado as eleições, porque não existiam - e continuam ainda não existindo -
as condições históricas objetivas necessárias para um projeto social
alternativo.
Pessoalmente
concordo com aqueles que, à época, diziam: “no momento histórico atual nós
precisávamos mais de um verdadeiro líder popular do que de um presidente da
República”.
De
fato, o governo Lula, em seus dois mandatos, criou - é verdade - diversos
programas sociais que melhoraram a situação de miséria e de sofrimento do nosso
povo (pelo menos enquanto os programas existem). Do ponto de vista estrutural,
porém, não só não mudou nada, mas - como afirmam diversos cientistas sociais -
“consolidou o capitalismo”.
Como
exemplos concretos basta lembrar o lucro dos banqueiros, que foi maior no
governo Lula do que nos governos anteriores; o apoio dado ás multinacionais, ao
agro-hidronegócio e aos grandes projetos rurais em detrimento da agricultura
familiar e do meio ambiente; a não realização da reforma agrária e a falta de
apoio a projetos que tinham como meta a soberania alimentar.
Além
disso, com seus programas sociais (que o tornaram um governo “populista” e não
“popular”), o governo Lula cooptou os movimentos sociais e os sindicatos ou
centrais sindicais, enfraqueceu (e quase acabou) a organização popular e surgiu,
por assim dizer, o “neopeleguismo”.
A
meu ver, teria sido muito melhor não ganhar por enquanto as eleições
presidenciais, avançar na organização popular e criar, a médio e longo prazos,
as condições objetivas necessárias para fazer acontecer um modelo de sociedade
alternativo. Não se supera o sistema econômico capitalista neoliberal, que é um
“sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385), consolidando-o.
É uma questão de lógica.
Em
sua política econômica, o governo Lula (tudo indica que o governo Dilma fará a
mesma coisa) agiu sempre como se o capitalismo neoliberal fosse o “fim da
história” (o modelo de vida ideal). Precisava só reformá-lo, modernizá-lo e
“humanizá-lo”.
Além
disso - por ter ficado totalmente deslumbrado pelo poder - Lula ficou também
totalmente fascinado pelo estilo de vida da burguesia e da classe alta. Podemos
citar fatos que - em si e dentro de um contexto maior - não têm muita
importância, mas que são reveladores da mentalidade e da ideologia subjacente.
Eis alguns exemplos:
O
modo sofisticado de vestir de Lula, com sua coleção de ternos, e da primeira
dama Marisa. Quanta mudança! Dizem ex-companheiros que, quando sindicalista,
era muito difícil fazer o Lula vestir um terno com gravata. Vale o ditado:
“quem nunca comeu melado quando come, se lambuza”.
O
aerolula. Por que será que um ex-operário presidente, conhecedor das condições
de vida do povo, não podia - embora com
toda segurança - viajar nos aviões de linha? Qual o problema? Não seria um testemunho
de vida muito bonito?
Os
encontros de Lula com os ex-companheiros. Às vezes ele se emocionava e até
chorava, mas como alguém que se acha vencedor e tem pena dos outros. Parecia
querer dizer: “Eu venci, subi na vida e estou com dó de vocês que ainda são uns
pobres coitados”! Os encontros não eram de “com-paixão”, ou seja, não eram
encontros dos que sofrem e lutam juntos num clima de partilha, de fraternidade
e de igualdade.
O
passaporte diplomático de cinco filhos (Marcos Cláudio, Lurian Cordeiro, Fábio
Luís, Sandro Luís e Luís Cláudio) e três netos de Lula. Será que, nos últimos
dias do seu governo, Lula não tinha outras coisas mais importantes com as quais
se ocupar? Ainda teve tempo para pensar numa falcatrua dessas? Isso mostra
quais são os verdadeiros interesses do ex-operário presidente no fim de seu
segundo mandato (Cf. Folha de S. Paulo, 24/01/11, p. A4).
As
férias do ex-presidente Lula e família. Será que o Lula, depois de deixar a
presidência no início de janeiro/11, precisava passar dez dias de férias no
Forte dos Andradas, no Guarujá (litoral de são Paulo) às custas do dinheiro
público? Por que tanta ostentação e tanto luxo? Não é isso significativo?
A
“bolsa Lula”. “O PT decidiu pagar um salário mensal de R$ 13 mil a Lula, que no
próximo dia dez receberá novamente o título simbólico de 'presidente de honra'
do partido. O contracheque será equivalente ao do presidente de fato do PT,
José Eduardo Dutra. O novo salário de Lula se soma às duas aposentadorias que
ele recebe, uma de anistiado político, outra por invalidez devido à perda do
dedo” (Ib., 27/01/11, p. A4). Será que o ex-operário ex-presidente se esqueceu
de como vivem seus ex-companheiros? Não poderia renunciar a certos privilégios
que levam a um estilo de vida burguês (típico da classe alta) e viver uma vida
mais simples? Talvez, por estar totalmente deslumbrado pelo poder e gostar
tanto dele, não seja mais capaz de saborear as coisas simples, que dão o
verdadeiro sentido à vida e fazem a gente ser feliz.
A
segurança de Lula. Como ex-presidente, Lula tem direito a dois carros de luxo,
gasolina à vontade e oito funcionários a sua disposição (dois motoristas,
quatro seguranças e dois assessores). Por que tanta mordomia? Não é um pontapé
na cara dos pobres? O ex-operário ex-presidente não poderia renunciar a esta
mordomia em solidariedade a seus ex-companheiros? Por que existe tanto
despudor, tanta injustiça e tanta falta de ética em nossa sociedade? Os
ex-presidentes custam ao país aproximadamente R$ 3 milhões por ano. Que vergonha!
Lembremos:
não é o cargo (mesmo que seja o cargo de presidente) que dá dignidade à pessoa
humana, mas é a pessoa humana que dá dignidade ao cargo. A dignidade está na
pessoa e não no cargo.
Nas
relações e na convivência humana precisa acontecer uma verdadeira revolução e
cabe a nós fazê-la acontecer.
Diário da
Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 07/02/11, p. 18
Fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
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