sábado, 25 de junho de 2011

Iluminação precária e falta de sinalização nos bairros da periferia de Goiânia

Quem anda, a pé, de ônibus ou de carro, nos bairros da periferia de Goiânia pode constatar a falta de sinalização no transito e, de noite, também a precariedade da iluminação pública. As intervenções, as benfeitorias e/ou as melhorias realizadas pelo Poder Público Municipal são insuficientes e não acompanham o crescimento da cidade.
            Foram realizadas - é verdade - algumas obras, que merecem o nosso reconhecimento, como, por exemplo, as obras de revitalização da Avenida do Povo, da Praça 16 de Outubro e de construção da Praça das Palmeiras Vereador Gari Negro Jobs, na Vila Mutirão.
“A Praça 16 de Outubro ganhou academia de ginástica, parque infantil, bancos de madeira, lixeiras e pergolado. A Praça das Palmeiras Vereador Gari Negro Jobs, que antes era utilizada como depósito de lixo e entulho, agora conta com ornamentação e paisagismo, grama esmeralda, nove espécies de palmeira, parque infantil, pergolado, academia de ginástica e floreiras. Trafegar pela região também ficou mais fácil com o alargamento da Avenida do Povo. O novo projeto da via, que abrange a Vila Mutirão e o Jardim Liberdade, incluiu o estreitamento do canteiro central e o alargamento das pistas. Além disso, foi feito o plantio de árvores e grama esmeralda e as passarelas ganharam vasos e iluminação especial” (www.prefeituragoiania.stiloweb.com.br – 18/04/11).
Essas benfeitorias, que eram esperadas há muito tempo pela comunidade, foram inauguradas no dia 15 de abril/11 pelo prefeito de Goiânia Paulo Garcia. Estiveram presentes o presidente da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg), Luciano Henrique de Castro, o presidente da Agência Municipal de Obras (Amob), Iram Saraiva Júnior, secretários municipais e vereadores.
Com as obras de reurbanização de canteiros e a construção de novos espaços, “têm surgidos - destaca o prefeito - nichos de aconchego em lugares nunca antes imaginados” (Ib.). A humanização desses espaços públicos - afirma ainda o prefeito - tem por objetivo “promover a melhoria da qualidade de vida e favorecer o lazer e a convivência dos moradores dos bairros onde estão sendo realizadas as obras” (Ib.).
Segundo as autoridades do município, com as obras da Vila Mutirão, a Prefeitura de Goiânia “democratiza o acesso a projetos (...), que até agora só haviam sido executados em setores nobres e centrais, como as Alamedas Eugênio Jardim e Coronel Joaquim Bastos, no Marista” (Ib.).
Tudo isso é positivo, mas precisamos fazer alguns questionamentos. Por que os setores, do ponto de vista econômico, mais ricos e, portanto, de maior poder aquisitivo, são chamados de “setores nobres”? Por que aceitamos, como sendo natural, uma ideologia que valoriza as pessoas, os locais e os ambientes na base do ter e não do ser? Por que achamos normal que seja o econômico a determinar a “nobreza” de um setor? Isso não demonstra um atraso cultural muito grande? Por que, por exemplo, a Vila Mutirão, não pode ser considerada um “setor nobre” tanto quanto o Setor Marista ou, quem sabe, até mais?
E ainda: Por que, quando é inaugurada uma obra pública nos bairros da periferia, costuma-se usar, nos discursos, uma linguagem que denota bajulação e  submissão às autoridades? Por que costuma-se agradecer as autoridades como se a obra inaugurada fosse um favor que elas fazem ao povo? Será que o povo esqueceu que o dinheiro usado nas obras é dele?
O próprio estilo das reportagens jornalísticas dá a impressão que, nos bairros ricos, as benfeitorias são consideradas um direito dos moradores e sua realização, uma obrigação do Poder Público. Nos bairros pobres, ao contrário, as benfeitorias - quando realizadas - não são consideradas um direito dos moradores, mas uma benevolência do Poder Público.
Isso acontece porque, no sistema capitalista neoliberal, os governantes não governam para os pobres, mas para os ricos. Um exemplo claro disso é a história dos moradores da Ocupação “Sonho Real”, no Parque Oeste Industrial. Para os pobres só restam as migalhas que sobram da mesa dos ricos. Essas migalhas servem para manter os pobres submissos, como massa de manobra para fins eleitoreiros.
Enfim, reconhecemos que as obras e benfeitorias realizadas na Vila Mutirão - como outras obras e benfeitorias - são uma contribuição para a melhoria da qualidade de vida dos moradores e são motivo de esperança. Portanto, parabenizamos (não agradecemos) o prefeito e as demais autoridades municipais que, ao menos nesses casos, cumpriram o seu dever. Constatamos também com satisfação que o povo está cada vez mais consciente a respeito da necessidade de respeitar os bens públicos, que são de todos, sem praticar vandalismos.
Mas, apesar das obras e benfeitorias realizadas pela Prefeitura, somos obrigados a admitir que a situação das ruas e outros espaços públicos dos bairros da periferia de Goiânia continua, em geral, precária e, em muitos casos, calamitosa.
            Como seria bom se todas as ruas e praças dos nossos bairros da periferia de Goiânia fossem revitalizadas como a Avenida do Povo e a Praça 16 de Outubro! Infelizmente, a maioria dessas ruas e praças estão cheias de buracos (talvez por causa do asfalto mal feito), sem meio-fios, sem faixas demarcando as ruas, sem faixas de pedestres, sem sinalização horizontal ou vertical nos quebra-molas e sem iluminação pública adequada.
             Tudo isso favorece os acidentes de carro e a prática de crimes, como roubos e assaltos. Quem sabe (é uma sugestão) chegou a hora de criar em Goiânia as Sub-Prefeituras para um trabalho descentralizado e mais eficiente, não só na área da infra-estrutura, mas também e sobretudo, em outras áreas (como as áreas da educação, da saúde, da moradia, do trabalho, da segurança e do transporte) que têm por finalidade implantar políticas públicas em benefício do povo.
            A descentralização do trabalho na vida pública exige, porém, políticos e governantes honestos e éticos, que estejam a serviço do bem comum e cumpram suas tarefas com amor. Em caso contrário, a descentralização oferece, aos políticos e governantes, a possibilidade de práticas de abuso de poder, de desvio de verbas públicas e de corrupção, para seus interesses pessoais.

            Esperamos que o Poder Público Municipal olhe, com vontade política de buscar soluções, para as necessidades de infra-estrutura e outras necessidades dos bairros da periferia de Goiânia e tome com urgência as devidas providências, para uma melhor qualidade de vida do povo.
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 24/06/11, p. 5


            Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
                                                                                                                                                                      E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

sábado, 18 de junho de 2011

Palocci caiu, o caso não encerrou

Há poucos dias escrevi um artigo com o título  “O caso Palocci: o ‘toma lá, dá cá’ de uma política sem ética” (Diário da Manhã, Opinião Pública, 03/06/11, p. 3). Depois dos novos desdobramentos do caso em questão, volto a falar sobre o assunto.
Como todos sabemos pela ampla cobertura que a imprensa deu ao fato, antes de assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil do governo Dilma Rousseff, Antônio Palocci adquiriu, na cidade de São Paulo, um escritório por R$ 882 mil e um apartamento de luxo por R$ 6,6 milhões. Segundo o  ministro, os dois imóveis foram comprados pela empresa Projeto Administração de Imóveis, da qual ele possui 99,9% do capital.
Em base ao patrimônio de R$ 375 mil, declarado à Justiça Eleitoral em 2006, com a compra desses imóveis, Palocci multiplicou por 20 seu patrimônio nos quatro anos em que esteve na Câmara (Cf. Folha de S Paulo, 15/05/11, p.A4).
Por causa da crise que a denúncia causou no governo Dilma Rousseff, depois de muitos conchavos políticos, Palocci caiu, mas o “caso Palocci” não encerrou. A sociedade exige que seja investigado e que - se comprovados (como tudo indica) os crimes de enriquecimento por abuso de poder e de trafico de influência - o ex-ministro seja processado, julgado e condenado. Infelizmente, os crimes de colarinho branco quase sempre são silenciados, esquecidos e empurrados debaixo do tapete. Não podemos permitir que a impunidade continue. É uma questão de justiça, é uma questão de ética.
Infelizmente, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, decidiu arquivar as representações, que pediam a abertura de inquérito contra o ministro-chefe da casa Civil, Antônio Palocci, por não existir - segundo ele - indícios concretos de prática de crime e nem justa causa para investigar o caso.
"O Ministério Público - diz Romeu Jucá (PMDB-RR), líder do governo no Senado - analisou toda a documentação minuciosamente e apontou que não há irregularidade. Se não há irregularidade, não tem por que se querer fazer CPI ou convocar o ministro Palocci aqui no Senado. É um assunto de página virada." (www.terra.com.br - 07/06/11). O senador pretende tampar o sol com a peneira e mente descaradamente, sabendo que aquilo que ele diz não é verdade. As denúncias são muito graves, e a sociedade espera que todas elas sejam investigadas e esclarecidas, com a maior transparência possível. Chega de impunidade!
O deputado federal Moreira Mendes (PPS-RO) - expressando, a respeito do caso Palocci, os sentimentos da grande maioria dos cidadãos/ãs brasileiros - reagiu à decisão do procurador-geral da República, dizendo: “É absolutamente lamentável essa decisão do procurador-geral. Com essa  postura, o Ministério Público Federal passou a ser um apêndice, uma assessoria especializada do Palácio do Planalto”. E ainda: “A instituição deixou de lado a responsabilidade constitucional de fiscalizar os atos do Poder Público. Ao engavetar os pedidos de investigação, o procurador-geral faz com que o Ministério Público perca  credibilidade”.
O deputado disse também ser o “fim” o MP desprezar os “fortes” indícios que pesam contra o ministro e indagou: “Ao que parece, nem isso sensibilizou o procurador. E se aparecer mais denúncias, vai ficar assim mesmo? E a satisfação que  o Ministério Público terá de dar à sociedade?”.
Como se isso não bastasse, o governo Dilma Rousseff submete - segundo Moreira Mendes - o Congresso Nacional a uma situação “constrangedora”, a fim de evitar que Antônio Palocci seja convocado pelo mesmo Congresso para explicar a “fórmula” pela qual conseguiu crescer seu patrimônio 20 vezes em quatro anos (www.pps.org.br - 07/06/11).
Por que tantas artimanhas para esconder a verdade dos fatos? Tudo isso suscita - e com razão - muitas suspeitas. Se nas investigações houvesse honestidade, o primeiro interessado no esclarecimento dos fatos deveria ser o próprio Antônio Palocci.
O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, afirmou que recebeu com frustração e decepção a notícia da decisão do procurador-geral da República, Roberto Gurgel, de arquivar as representações contra o então ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci,
 "Ninguém - comentou ele - vinha atribuindo culpa a quem quer que seja. O que a sociedade esperava era a investigação da situação que envolvia o ministro Palocci por parte do Estado brasileiro, aí representado por quem pode fazê-lo, que é o Ministério Público Federal". Segundo o presidente nacional da OAB, com a decisão, a leitura que se transmite à sociedade é, lamentavelmente, "a de que se conferiu uma senha para a impunidade neste país".
O sentimento maior - continua Ophir Cavalcante - é o de frustração e decepção, porque se negou o direito da sociedade brasileira, de ver realizada a investigação acerca dos bens de um dos homens públicos mais influentes da República (www.oab.org.br - 07/06/11).
Mesmo após o arquivamento pelo procurador-geral da República, Roberto Gurgel, das representações contra Antônio Palocci, por iniciativa da oposição e da imprensa, as investigações continuam acontecendo no Ministério Público Federal do Distrito Federal, no Ministério Público Federal de São Paulo e na própria Procuradoria Geral da República (PGR).
“O País merece saber como o ministro-chefe da Casa Civil conseguiu tanto dinheiro em tão pouco tempo. Se é que teve mesmo clientela tão vasta enquanto era deputado federal, a que título seus clientes o pagaram? As deduções de impostos de tais pagamentos foram feitas corretamente ou houve irregularidade por incompatibilidade dos serviços realmente prestados com as exigências da Receita? Isso sem contar a necessidade de verificação sobre possíveis vínculos entre a atividade de consultor e a influência de Palocci no governo” (www.estadao.com.br - 08/06/11).
Outras duas denúncias surgiram contra Antônio Palocci. A primeira é a denúncia de que ele vive há quatro anos num apartamento alugado de 640 metros quadrados, cujo dono - segundo reportagem da Revista Veja (04/06/11) - é uma empresa fantasma, ou seja, de fachada, que está em nome de um laranja de 23 anos, que mora num casebre de fundos na periferia de Mauá, no ABC Paulista, e recebe R$ 700 por mês.
A segunda é a denúncia de que Antônio Palocci teria incorrido em crime fiscal, quando - numa entrevista concedida à TV Globo (04/06/11) - admitiu ter recebido, no final de 2010, R$ 10 milhões, relativos a contratos praticados entre 2006 e 2010 pela empresa de consultoria Projeto.
Os que lutamos pela justiça e exigimos que as denúncias contra Palocci (como contra qualquer pessoa) sejam investigadas, muitas vezes, somos acusados de desestabilizar o governo e favorecer o retorno da direita.
Podemos perguntar: “Nesse contexto, o que cabe à esquerda? Calar-se para não se misturar com essa escumalha reacionária? Nem de perto. Cabe denunciar os dois como produtos inerentes do caráter essencialmente predatório dessa ordem econômica que oprime maiorias para enriquecer privilegiados. Dessa ordem capitalista. É isso que temos que deixar claro permanentemente. Embora estejamos taticamente coincidentes, até juntos, não estamos misturados. Estamos contra os dois: os que se venderam, como Palocci e seus aliados - dos maganos do PT aos cardeais desprezíveis do PMDB -, e os que sempre estiveram cúmplices dos que corrompem e degradam as instituições, ditas, republicanas - PSDB, PFL e seus sucedâneos. E é por aí que fazemos a diferença. É por aí que nos fazemos imprescindíveis” (Milton Temer, Contra Palocci e contra a direita farsante,    www.correiocidadania.com.br - 08/06/11).
Além do mais, qual é, na prática, a diferença que existe entre Palocci e os políticos da chamada direita demotucana e sua mídia, se “Palocci sempre foi o homem de confiança do deus-mercado e dos barões da mídia”, e se Palocci sempre foi “um político pragmático, centralizador e adepto da ortodoxia neoliberal”? (Altamiro Borges, Palocci caiu! E agora, Dilma?  www.adital.com.br - 09/06/11).
E que dizer, então, do seguinte questionamento: “Em reunião de representantes do PT, PSB, PC do B e PDT, alguém discursou: precisamos estar atentos, pois a direita se prepara para voltar ao poder. Nessa seleta reunião, outro sujeito bradou com toda força: direita? Mas direita somos nós. Basta lembrarmos que ser direita é preservar a manutenção do sistema capitalista e é isso o que nós fazermos diuturnamente. Talvez os senhores estejam se referindo à extrema-direita. Mas o Maluf, o Sarney, o Jader Barbalho, o Renan Calheiros, o Romero Jucá e todo o PMDB fisiológico já não estão do nosso lado? Por que pregar esse espantalho de uma direita que não passa de nós mesmos?” (Gilvan Rocha, Que direita? - www.correiocidadania.com.br - 20/05/11). Pensemos nisso.

Enfim, os que lutamos por “um outro mundo possível” somos terminantemente contra toda prática política oportunista e interesseira, toda prática política de conchavos, e toda prática política do “toma lá, dá cá”, venha de onde vier. Queremos, sim, uma prática política que seja realmente humana e ética.
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 17/06/11, p. 3 



 Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra


domingo, 12 de junho de 2011

Uma saúde pública criminosa

Na madrugada do dia 31 de maio/11 o aposentado José Fernandes, de 65 anos, morreu “aguardando vaga de UTI em um Cais, onde ficou internado durante cinco dias. O drama de José Fernandes e de sua família foi mostrado pela TV Anhanguera” (O Popular, 03/06/11, p. 5). Perguntamos: Quem vai responder pela morte de José Fernandes? O que o Ministério Público está fazendo para que os responsáveis por esse crime sejam processados, julgados e punidos? A sociedade aguarda uma resposta.
Mesmo depois de anunciada - há quase um mês - a parceria entre as Secretarias Estadual (SES) e Municipal de Saúde (SMS), “os pacientes que precisam de atendimento em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) continuam enfrentando horas e até dias de espera por uma vaga” (Ib.).
            Entre muitos casos, cito o de Reinaldo Alves Pereira, de 85 anos, já divulgado na imprensa. Reinaldo está com Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico e com pneumonia. Foi internado às 11 horas do dia 30 de maio/11 no Cais Novo Mundo. A família precisou recorrer ao Ministério Público e ingressar com mandado de segurança para conseguir uma vaga na UTI por volta das 19 horas do mesmo dia.
            A pedagoga Elma Teresinha Pereira Carvalho, filha única de Reinaldo, contou: “Tenho convicção de que só conseguimos a vaga graças à intervenção de um vizinho, que é vereador”. Meu pai - continua ela - quase morreu esperando pela UTI”. Que descaso! Que falta de respeito!
            Infelizmente, não são somente os doentes graves que estão insatisfeitos com a saúde pública. A reclamação é geral, por causa das estruturas físicas precárias dos centros de atendimento, da constante falta de médicos, da demora para conseguir consulta e para ser atendido, e do mau atendimento recebido nos consultórios. Só para citar um exemplo, no dia dois de junho/11, como é comum acontecer, havia no Cais de Campinas - segundo os próprios pacientes - apenas um médico atendendo.
Numa pesquisa, realizada anonimamente em diversas unidades de saúde do município de Goiânia no início de fevereiro/11, observou-se como era prestada a assistência aos pacientes e constatou-se que, de 20 consultas cronometradas, a mais longa durou 5min e 40seg, e a mais curta - a de Vanusa Cunha, de 35 anos, que virou capa do jornal - durou 33seg. O recomendado pelo Conselho de Medicina é o atendimento de 20min (Cf. O Popular 06/02/11, capa e p. 4-5 - reportagem). Que irresponsabilidade! Que situação criminosa! Apesar das medidas anunciadas para melhorar a qualidade do atendimento, a saúde pública continua uma verdadeira calamidade.
            Vanusa Souza Cunha, procurada depois de três meses da consulta relâmpago de 33seg, era o retrato da desesperança. Indignada pelo tratamento recebido antes e, sem acreditar que a situação possa mudar, afirma: “Prefiro sentir dor em casa que esperar pelo Sistema Único de Saúde (SUS)”. E continua dizendo: “Nunca mais voltei ao Centro de Assistência Integral à Saúde (Cais) do Jardim Curitiba, na Região Noroeste de Goiânia. Dá até descrença de ir lá” (Ib. 05/08/11, p. 3).
Há poucos dias, porém, Vanusa sentiu na pele, mais uma vez, o que é depender da saúde pública. “A mãe dela, idosa, precisa se submeter a um exame de endoscopia, cuja autorização parte da SMS. Para conseguir o ‘chequinho’ que permitirá à mãe fazer o exame, Vanusa passou 11 horas numa fila, das 5 às 16 horas, ‘sem almoço, sem lanche e em pé’” (Ib.). A história de Vanusa é o retrato fiel de uma legião enorme de trabalhadores/as, que são obrigados a depender do SUS.
            Há também reclamações frequentes de falta de medicamentos nas farmácias das unidades de saúde. Basta citar um fato concreto, que é revelador de toda uma situação de descaso do Poder Público em relação à saúde. Há poucos dias um trabalhador com neuropatia em estado muito avançado (que, segundo ele, é consequência do espancamento do qual foi vítima durante a chamada “Operação Triunfo”, no bárbaro despejo dos moradores da ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, em 2005) e sem condições de trabalhar, me procurou desesperado pedindo ajuda. Mostrou-me um Protocolo - que deixa qualquer ser humano indignado - com os dizeres: “Certifico, para os devidos fins, que nesta presente data 18/05/11, recebemos a receita do paciente José (nome fictício) na farmácia da Secretaria Municipal da Saúde de Goiânia. Data provável da entrega dos medicamentos 18/06/11”. Que descaramento! Que falta de humanidade!
Reparem: José, que devido à doença não tem as mínimas condições de trabalhar, precisa urgentemente de dois remédios de uso contínuo, relativamente caros. A farmácia da Secretaria Municipal de Saúde recebe a receita das mãos do paciente e marca, para depois de 30 dias, a data provável da entrega dos medicamentos. Que cinismo! Que humilhação! O próprio teor do Protocolo soa como uma condenação à morte de José e, indiretamente, é uma confissão de culpa do Poder Público Municipal.
O povo não tem nada a ver com a desculpa da falta de verbas, com o atraso no repasse das mesmas por parte da União e do Estado. As relações entre as diversas instâncias de poder e as obrigações de cada instância são um problema político dos governantes. O povo, havendo necessidade e sobretudo urgência, tem o direito de ser atendido imediatamente e não depois de um mês  “com data provável”.

            No lugar de buscar - como parece esteja acontecendo - a privatização da saúde pública (uma área vital e historicamente escanteada) de maneira sutil e velada (para não ser impopular), como no caso das chamadas Organizações Sociais (OSs) (entidades que atuam em áreas de interesse público), o Poder Público - Federal, Estadual e Municipal - deveria se preocupar em cumprir a Constituição Federal, que reza: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação” (Art. 196). È só uma questão de prioridade política. A vida em primeiro lugar!
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 11/06/11, p. 3 


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra

sábado, 4 de junho de 2011

O caso Palocci: o “toma lá, dá cá” de uma política sem ética

“Semanas antes de assumir o cargo mais importante do governo Dilma Rousseff, o ministro Antônio Palocci (Casa Civil) comprou um apartamento de luxo em São Paulo por R$ 6,6 milhões. Um ano antes, Palocci adquiriu um escritório na cidade por R$ 882 mil”. Segundo o ministro, os dois imóveis foram comprados pela empresa Projeto Administração de Imóveis, da qual ele possui 99,9% do capital.
Em base ao patrimônio de R$ 375 mil, declarado à Justiça Eleitoral em 2006, com as compras dos dois imóveis “Palocci multiplicou por 20 seu patrimônio nos quatro anos em que esteve na Câmara - período imediatamente posterior à sua passagem pelo Ministério da Fazenda, no governo Lula” (Folha de S Paulo, 15/05/11, p.A4).
Observe-se que “o período no qual a empresa de consultoria Projeto ganhou mais dinheiro, cerca de R$ 10 milhões, foi quando o ministro Antônio Palocci (Casa Civil) tinha poder para acessar dados reservados e planos de investimentos do governo federal”. A empresa Projeto “faturou R$ 20 milhões em 2010. Metade desse valor foi contabilizado entre novembro e dezembro, meses em que Palocci acumulou a atividade empresarial com a função de coordenador da equipe de transição da presidenta Dilma Rousseff” (Ib., 29/05/11, p. A4).
O caso Palocci já foi abordado pelos meios de comunicação a partir de diferentes enfoques e com as mais variadas preocupações. O enfoque que interessa a muitos de nós brasileiros/as e a preocupação que muitos de nós temos é de caráter ético. Está claro que o ministro Palocci se aproveitou dos cargos públicos que ocupou para tráfico de influências, buscando, com o maior descaramento, seus próprios interesses pessoais. Não importa tanto saber se Palocci - devido a sua esperteza e as suas artimanhas políticas - conseguiu fazer o que fez de forma legal ou não; o que importa é saber que o comportamento político do ministro foi o de um aproveitador inescrupoloso e antiético.
As reações da maioria dos políticos diante do caso Palocci deixam muitos cidadãos/ãs boquiabertos e totalmente indignados com o jogo sujo do “toma lá, dá cá”. Trata-se de uma prática política desavergonhada, despudorada e antiética. È realmente assustador! Até onde nós vamos? A crise política que o governo federal vive, por causa do caso Palocci, é enfrentada sem nenhuma preocupação com a ética.
Alguns fatos ilustram muito bem esta realidade. “O governo se ampara na posição expressada pela Comissão de Ética Pública da Presidência, que se reuniu pela manhã (dia 16/05) e concluiu que não caberia ao grupo investigar a evolução patrimonial de Palocci, a não ser que alguma irregularidade específica fosse apontada”. “Para nós - diz  Gilberto Carvalho em nome do governo - o assunto está encerrado e nós estamos muito satisfeitos com esse resultado. Vamos para frente” (Ib., 17/05/11, p. A6). Que cinismo! Que hipocrisia! Será que o governo acha que o povo é idiota?
Vejam também o oportunismo das bancadas ruralista e evangélica (evangélica?). A preservação de Palocci foi utilizada pelas bancadas ruralista e evangélica como ‘moeda de troca’ para atingir os seus objetivos. Palocci, um dos principais articuladores do Planalto nocauteado pelas denúncias, tornou-se presa fácil nas mãos dessas bancadas. As notícias da imprensa e dos movimentos sociais que acompanham a crise dão conta de que o governo aceitou votar e fazer concessões no Código Florestal para evitar a convocação de Palocci no Congresso” (Centro de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT / Instituto Humanitas Unisinos - IHU, Elementos para uma análise da Conjuntura da Semana, 30/05/11). Que pratica política é essa! É realmente uma prática política antiética e repugnante, que dá nojo.
Vejam ainda o argumento interesseiro dos detentores do poder econômico. “O possível enfraquecimento do ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, causa desconforto em boa parte do mercado. Ainda que longe do comando da economia, ele é visto por muitos analistas como o interlocutor mais confiável do sistema financeiro, disposto a lutar contra mudanças bruscas na condução da política econômica. Um Palocci fraco ou fora do governo tende a aumentar o grau de incerteza dos investidores em relação aos rumos da administração Dilma Rousseff na economia, embora isso não deva se traduzir em grande turbulência nos mercados ou em declarações mais enfáticas em defesa do ministro”.
O economista de uma instituição financeira (com passagem pelo governo Fernando Henrique Cardoso) afirma: “Para o mercado, Palocci é o integrante do governo de bom senso, com uma cabeça organizada, que pode evitar maluquices na economia”. Sempre segundo o economista, a saída de Palocci seria mal recebida por “tirar uma âncora de uma certa racionalidade dentro do governo” (Jorge Nogueira, O caso Palocci e a ética do mercado, 23/05/11 – www.midiaindependente.org). 
Que “certa racionalidade” é essa? Não é, sem dúvida, uma racionalidade que abre caminhos novos e faz acontecer um projeto alternativo de sociedade, que chamamos também de projeto popular, mas é a racionalidade do sistema financeiro mundial ou do sistema capitalista neoliberal vigente, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385); que é um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio - PP, 26); que é, enfim, "o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada, a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a doença, a morte da grande maioria" (Bispos do Centro-Oeste. Marginalização de um Povo, 1973).
O ministro Palocci é um homem público, que ocupa um cargo de muita responsabilidade no governo federal. E justamente por ser um homem público, diante das denúncias da imprensa a respeito do seu comportamento como político e como ministro, ele deveria ser o primeiro interessado no esclarecimento dos fatos. Quem não deve, não teme.
Não dá para entender a atitude do ministro Palocci. Usando o argumento de que os contratos têm cláusula de confidencialidade, ele não quer dar nenhuma explicação e se recusa a informar quem eram seus clientes.
Não dá para entender também a preocupação do governo federal de querer “blindar” o ministro com barganhas políticas - ameaças, concessões e acordos espúrios - para que a vida dele não seja investigada. Esse comportamento gera mais dúvidas, mais suspeitas e mais interrogações. Doa a quem doer, custe o que custar, a verdade deve ser dita, É uma exigência ética. “A verdade vos libertará” (Jo 8,32).
Finalmente, diante desse descalabro político, aparece uma luz, que é motivo de esperança. “Procuradoria abre investigação sobre os bens de Palocci”. “Ministério Público Federal quer saber como o ministro conseguiu multiplicar patrimônio por 20 em quatro anos”. “Cópias das declarações de Imposto de Renda de Palocci foram pedidas à Receita; petista terá que dar nomes de clientes”. “O Ministério Público Federal abriu investigação para apurar se o ministro Antônio Palocci (Casa Civil) enriqueceu ilicitamente” (Folha de S. Paulo, 27/05/11, p. A4). Esperamos que o resultado da investigação seja divulgado, para o conhecimento de todos, o mais rápido possível. A sociedade precisa de uma satisfação. Não dá mais para aguentar tanta falcatrua e tanta irresponsabilidade com a coisa pública.

Todos os que lutamos por “um outro mundo possível” e por “uma outra política possível” precisamos lembrar: “A cultura atual tende a propor estilos de ser e viver contrários à natureza e a dignidade do ser humano. O impacto dominante dos ídolos do poder, da riqueza e do prazer efêmero se transformaram, acima do valor da pessoa, em norma máxima de funcionamento e em critério decisivo na organização social. Diante dessa realidade, anunciamos, uma vez mais, o valor supremo de cada homem e de cada mulher. Na verdade, o Criador, ao colocar a serviço do ser humano tudo o que foi criado, manifesta a dignidade da pessoa humana e convida a respeita-la (cf. Gn 1,26-30)” (DA, 387).
Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 03/06/11, p. 3 

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
                                                                                                                                                      E-mail: mpsassatelli@uol.com.br