“Semanas antes de assumir o cargo mais
importante do governo Dilma Rousseff, o ministro Antônio Palocci (Casa Civil)
comprou um apartamento de luxo em São Paulo por R$ 6,6 milhões. Um ano antes,
Palocci adquiriu um escritório na cidade por R$ 882 mil”. Segundo o ministro,
os dois imóveis foram comprados pela empresa Projeto Administração de Imóveis,
da qual ele possui 99,9% do capital.
Em base ao patrimônio de R$ 375 mil,
declarado à Justiça Eleitoral em 2006, com as compras dos dois imóveis “Palocci
multiplicou por 20 seu patrimônio nos quatro anos em que esteve na Câmara -
período imediatamente posterior à sua passagem pelo Ministério da Fazenda, no
governo Lula” (Folha de S Paulo, 15/05/11, p.A4).
Observe-se que “o período no qual a
empresa de consultoria Projeto ganhou mais dinheiro, cerca de R$ 10 milhões,
foi quando o ministro Antônio Palocci (Casa Civil) tinha poder para acessar
dados reservados e planos de investimentos do governo federal”. A empresa
Projeto “faturou R$ 20 milhões em 2010. Metade desse valor foi contabilizado
entre novembro e dezembro, meses em que Palocci acumulou a atividade
empresarial com a função de coordenador da equipe de transição da presidenta
Dilma Rousseff” (Ib., 29/05/11, p. A4).
O caso Palocci já foi abordado pelos
meios de comunicação a partir de diferentes enfoques e com as mais variadas
preocupações. O enfoque que interessa a muitos de nós brasileiros/as e a
preocupação que muitos de nós temos é de caráter ético. Está claro que o
ministro Palocci se aproveitou dos cargos públicos que ocupou para tráfico de
influências, buscando, com o maior descaramento, seus próprios interesses
pessoais. Não importa tanto saber se Palocci - devido a sua esperteza e as suas
artimanhas políticas - conseguiu fazer o que fez de forma legal ou não; o que
importa é saber que o comportamento político do ministro foi o de um
aproveitador inescrupoloso e antiético.
As reações da maioria dos políticos
diante do caso Palocci deixam muitos cidadãos/ãs boquiabertos e totalmente
indignados com o jogo sujo do “toma lá, dá cá”. Trata-se de uma prática
política desavergonhada, despudorada e antiética. È realmente assustador! Até
onde nós vamos? A crise política que o governo federal vive, por causa do caso
Palocci, é enfrentada sem nenhuma preocupação com a ética.
Alguns fatos ilustram muito bem esta
realidade. “O governo se ampara na posição expressada pela Comissão de Ética
Pública da Presidência, que se reuniu pela manhã (dia 16/05) e concluiu que não
caberia ao grupo investigar a evolução patrimonial de Palocci, a não ser que
alguma irregularidade específica fosse apontada”. “Para nós - diz Gilberto Carvalho em nome do governo - o
assunto está encerrado e nós estamos muito satisfeitos com esse resultado.
Vamos para frente” (Ib., 17/05/11, p. A6). Que cinismo! Que hipocrisia! Será
que o governo acha que o povo é idiota?
Vejam também o
oportunismo das bancadas ruralista e evangélica (evangélica?). “A preservação de Palocci foi utilizada
pelas bancadas ruralista e evangélica como ‘moeda de troca’ para atingir os
seus objetivos. Palocci, um dos principais articuladores do Planalto nocauteado
pelas denúncias, tornou-se presa fácil nas mãos dessas bancadas. As notícias da imprensa e dos movimentos sociais que
acompanham a crise dão conta de que o governo aceitou votar e fazer concessões
no Código Florestal para evitar a convocação de Palocci no Congresso” (Centro
de Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores - CEPAT / Instituto Humanitas Unisinos -
IHU, Elementos para uma análise da Conjuntura da Semana, 30/05/11). Que
pratica política é essa! É realmente uma prática política antiética e
repugnante, que dá nojo.
Vejam ainda o argumento
interesseiro dos detentores do poder econômico. “O possível enfraquecimento do
ministro-chefe da Casa Civil, Antonio Palocci, causa desconforto em boa parte
do mercado. Ainda que longe do comando da economia, ele é visto por muitos
analistas como o interlocutor mais confiável do sistema financeiro, disposto a
lutar contra mudanças bruscas na condução da política econômica. Um Palocci
fraco ou fora do governo tende a aumentar o grau de incerteza dos investidores
em relação aos rumos da administração Dilma Rousseff na economia, embora isso
não deva se traduzir em grande turbulência nos mercados ou em declarações mais
enfáticas em defesa do ministro”.
O economista de uma instituição
financeira (com passagem pelo governo Fernando Henrique Cardoso) afirma: “Para o mercado, Palocci é o integrante do governo de bom
senso, com uma cabeça organizada, que pode evitar maluquices na economia”.
Sempre segundo o economista, a saída de Palocci seria mal recebida por “tirar
uma âncora de uma certa racionalidade dentro do governo” (Jorge Nogueira, O
caso Palocci e a ética do mercado, 23/05/11 – www.midiaindependente.org).
Que “certa racionalidade”
é essa? Não é, sem dúvida, uma racionalidade que abre caminhos novos e faz
acontecer um projeto alternativo de sociedade, que chamamos também de projeto
popular, mas é a racionalidade do sistema financeiro mundial ou do sistema
capitalista neoliberal vigente, que é um “sistema econômico iníquo” (Documento
de Aparecida - DA, 385); que é um “sistema nefasto”, porque considera “o lucro
como o motivo essencial do progresso econômico, a concorrência como lei suprema
da economia, a propriedade privada dos bens de produção como um direito
absoluto, sem limites nem obrigações correspondentes” (Populorum Progressio -
PP, 26); que é, enfim, "o mal maior, o pecado acumulado, a raiz estragada,
a árvore que produz esses frutos que nós conhecemos: a pobreza, a fome, a
doença, a morte da grande maioria" (Bispos do Centro-Oeste. Marginalização
de um Povo, 1973).
O ministro Palocci é um homem público,
que ocupa um cargo de muita responsabilidade no governo federal. E justamente
por ser um homem público, diante das denúncias da imprensa a respeito do seu
comportamento como político e como ministro, ele deveria ser o primeiro
interessado no esclarecimento dos fatos. Quem não deve, não teme.
Não dá para entender a atitude do ministro
Palocci. Usando o argumento de que os contratos têm cláusula de
confidencialidade, ele não quer dar nenhuma explicação e se recusa a informar
quem eram seus clientes.
Não dá para entender também a
preocupação do governo federal de querer “blindar” o ministro com barganhas
políticas - ameaças, concessões e acordos espúrios - para que a vida dele não
seja investigada. Esse comportamento gera mais dúvidas, mais suspeitas e mais
interrogações. Doa a quem doer, custe o que custar, a verdade deve ser dita, É
uma exigência ética. “A verdade vos libertará” (Jo 8,32).
Finalmente, diante desse descalabro
político, aparece uma luz, que é motivo de esperança. “Procuradoria abre
investigação sobre os bens de Palocci”. “Ministério Público Federal quer saber
como o ministro conseguiu multiplicar patrimônio por 20 em quatro anos”.
“Cópias das declarações de Imposto de Renda de Palocci foram pedidas à Receita;
petista terá que dar nomes de clientes”. “O Ministério Público Federal abriu
investigação para apurar se o ministro Antônio Palocci (Casa Civil) enriqueceu
ilicitamente” (Folha de S. Paulo, 27/05/11, p. A4). Esperamos que o resultado
da investigação seja divulgado, para o conhecimento de todos, o mais rápido
possível. A sociedade precisa de uma satisfação. Não dá mais para aguentar
tanta falcatrua e tanta irresponsabilidade com a coisa pública.
Todos os que lutamos por “um
outro mundo possível” e por “uma outra política possível” precisamos lembrar:
“A cultura atual tende a propor estilos de ser e viver contrários à natureza e
a dignidade do ser humano. O impacto dominante dos ídolos do poder, da riqueza
e do prazer efêmero se transformaram, acima do valor da pessoa, em norma máxima
de funcionamento e em critério decisivo na organização social. Diante dessa realidade,
anunciamos, uma vez mais, o valor supremo de cada homem e de cada mulher. Na
verdade, o Criador, ao colocar a serviço do ser humano tudo o que foi criado,
manifesta a dignidade da pessoa humana e convida a respeita-la (cf. Gn
1,26-30)” (DA, 387).
Diário da Manhã, Opinião
Pública, Goiânia, 03/06/11, p. 3
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de
Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário
Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador
Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
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