sexta-feira, 5 de julho de 2013

A corrupção pública

A corrupção pública é, antes de tudo, estrutural. É o próprio sistema capitalista neoliberal, que é corrupto. As práticas de corrupção pública são um reflexo desse “sistema econômico iníquo” (Documento de Aparecida - DA, 385). Elas servem para fortalecê-lo e para defender interesses individuais e de grupos. A preocupação com o bem comum, que é o bem de todos e de todas, a partir dos empobrecidos, oprimidos e excluídos, nem passa pela cabeça de muitos de nossos agentes públicos.
No Brasil, “oitocentos bilhões de reais são roubados, desviados com obras superfaturadas, cartões corporativos entre golpes de toda a espécie com dinheiro público todos os anos” (http://www.achetudoeregiao.com.br/atr/corrupcao.htm). Infelizmente, a corrupção pública é uma constante em nossa sociedade e é considerada como algo normal e natural. Bobo é quem, podendo, não aproveita.
Surpreendentemente, o povo está acordando. A tônica de todas as manifestações do povo nas ruas, principalmente dos jovens, é de indignação e de combate à corrupção pública.
Por causa da pressão popular, o Senado Federal, no dia 26 de junho deste ano, aprovou projeto de lei que altera o Código Penal e torna a corrupção crime hediondo. É mais uma vitória do povo.
“O texto aprovado determina que a corrupção ativa (quando é oferecida a um funcionário público vantagem indevida para a prática de determinado ato de ofício) passa ter pena de 4 a 12 anos de reclusão, além de multa - atualmente, a reclusão é de 2 a 12 anos. A mesma punição passa a valer para a corrupção passiva (quando funcionário público solicita ou recebe vantagem indevida em razão da função que ocupa). A proposta também inclui entre crimes hediondos a prática de concussão (ato de exigir benefício em função do cargo ocupado)” (http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/senado-aprova-texto-base-de-projeto-que-torna-corrupcao-crime-hediondo.html).
            Esperamos que o projeto de lei do Senado seja aprovado na Câmara e sancionado pela presidenta da República.
Refiro-me, agora, a uma prática de corrupção pública, legalizada e institucionalizada, da qual pouco se fala e que - a meu ver - pode ser considerada uma prática de concussão. Trata-se dos gastos exorbitantes e inescrupulosos de dinheiro público com todo tipo de mordomias por parte de políticos e outros agentes públicos. É uma vergonha e uma afronta ao nosso povo, sobretudo aos trabalhadores que ganham salário mínimo. É um comportamento repugnante e que, de alguma forma, se torna até ridículo.
Alguns exemplos são paradigmáticos e, ao mesmo tempo, ilustrativos. Em nível de Brasil, cito dois. O primeiro: entre 2011 e abril de 2013, nas 46 viagens da comitiva presidencial, foram gastos US$ 4, 5 milhões; em 2011 e 2012, no pagamento de diárias para ministros, equipe de apoio e funcionários nas missões no estrangeiro, foram gastos US$ 3, 1 milhões; numa diária da suíte presidencial, foram gastos US$ 19 mil.
Nas viagens presidenciais, a lista de exigências do Itamaraty às Embaixadas é sempre grande: cerca de 17 veículos, incluindo um blindado para a presidenta, furgão sem banco para equipamentos e caminhão-baú para a bagagem; uma média de 55 quartos em hotéis; material de escritório, além de telefone e internet para as cerca de 80 pessoas da comitiva oficial (cf. Folha de S. Paulo, 17 de junho de 2013, p. A10).
O segundo exemplo: o presidente da Câmara dos Deputados usou, com dinheiro público e com a maior cara-de-pau, um avião da Força Aérea Brasileira para levar a noiva, parentes dela, enteados e um filho ao jogo da seleção no Maracanã, no domingo passado, dia 30 de junho. Reparem! Um jato C-99 da FAB foi buscar a turma em Natal, terra do deputado. Decolou às 19h30 de sexta-feira rumo ao Rio de Janeiro e retornou no domingo, às 23h, após o jogo (cf. Ib. 03 de julho de 2013, p. A7).
Em nível de Estado de Goiás, cito um exemplo. Os gastos da Assembleia Legislativa com viagens de deputados estaduais e servidores entre fevereiro e 7 de junho (deste ano), data de atualização do último Diário Oficial da Casa, somam R$ 280,9 mil (cf. O Popular, 24 de junho de 2013, p. 2).
Outros exemplos de práticas de corrupção pública (malversação do dinheiro público) são os chamados auxílio-alimentação e auxílio-moradia para juízes. Trata-se realmente de práticas antiéticas inadmissíveis, que ofendem a sensibilidade de todos e de todas. É o cúmulo do absurdo!
Precisamos lutar para que a praga da corrupção, que envenena a vida pública, seja extirpada de nossa sociedade Uma outra prática pública é possível e necessária! Já temos sinais positivos, que abrem caminhos novos e começam a criar as condições objetivas para que isso aconteça. A esperança nunca morre!


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 03 de julho de 2013

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Um novo Brasil emerge com toda força

     Dia 20 de junho do corrente ano: uma data histórica. O gigante, que parecia adormecido, acorda e um novo Brasil emerge com toda força. O Brasil, antes do dia 20, é um e, depois do dia 20, é outro. O dia 20 é o ponto alto de uma maciça e - ao que tudo indica - duradoura mobilização nacional sem precedentes e que surpreendeu a todos e todas. O povo nas ruas - a grande maioria jovens - mostra publicamente sua profunda indignação, exigindo mudanças e reivindicando seus direitos.
     Nas manifestações, que se espalham pelo Brasil afora, sobretudo nas grandes cidades e capitais do país, as bandeiras de luta levantadas são muitas. A gota d’água, que provocou o transbordamento desta onda de insatisfações, protestos e reivindicações, foi o aumento das tarifas do transporte coletivo.
     No dia 20 deste mês, o Movimento Passe Livre (MPL) foi às ruas contra o aumento das tarifas. “A manifestação de hoje - diz o Movimento - faz parte dessa luta: além da comemoração da vitória popular da revogação, reafirmamos que lutar não é crime e demonstramos apoio às mobilizações de outras cidades. Contudo, no ato de hoje presenciamos episódios isolados e lamentáveis de violência contra a participação de diversos grupos. O MPL luta por um transporte verdadeiramente público, que sirva às necessidades da população e não ao lucro dos empresários. Assim, nos colocamos ao lado de todos que lutam por um mundo para os debaixo e não para o lucro dos poucos que estão em cima. Essa é uma defesa histórica das organizações de esquerda, e é dessa história que o MPL faz parte e é fruto.
     O MPL é um movimento social apartidário, mas não antipartidário. Repudiamos os atos de violência direcionados a essas organizações durante a manifestação de hoje, da mesma maneira que repudiamos a violência policial. Desde os primeiros protestos, essas organizações tomaram parte na mobilização. Oportunismo é tentar excluí-las da luta que construímos juntos. Toda força para quem luta por uma vida sem catracas”
(http://saopaulo.mpl.org.br/2013/06/21/sobre-o-ato-de-5a-206-nota-publica/). As manifestações do MPL continuam em todo o Brasil.
     O Movimento “Vem pra rua e muda o Brasil!” elaborou - numa petição pública - uma ampla pauta de reivindicações: A revogação em âmbito nacional de todos os aumentos de tarifas do transporte público urbano (que já é uma vitória do povo) e a realização de estudos e audiências públicas a respeito da "tarifa zero". A troca do comando geral da PM nos Estados onde a repressão policial passou dos limites, a punição aos policiais envolvidos nas agressões e excessos, e a criação de um protocolo nacional para atuação da PM em manifestações populares. O comprometimento do Governo Federal com a destinação de 10% do PIB para investimentos em educação, incluindo a valorização pessoal e salarial de funcionários e professores. A abertura da CPI das Copas, com auditoria séria de todas as obras relacionadas e restituição aos cofres públicos dos valores superfaturados. A revogação do decreto 8.028/13, chamado de “Bolsa-Copa”. A saída de Renan Calheiros da presidência do Senado, de Henrique Eduardo Alves da presidência da Câmara dos deputados federais, de Guido Mantega do cargo de ministro da Fazenda e de Marcos Feliciano da presidência da Comissão de Direitos Humano da Câmara dos deputados. A retirada das PEC 33 e 37 da pauta do Congresso Nacional.

Esclarecemos que a PEC 33 tem como principal objetivo restringir a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta Corte judiciária brasileira. Esta proposta pretende alterar a quantidade mínima de votos de membros do STF para declaração de inconstitucionalidade de leis. A PEC 37 (que pretendia impedir promotores e procuradores de promover investigações criminais, restringindo esta atribuição às polícias civil e federal, ambos vinculados ao Poder Executivo) já foi rejeitada, por ampla maioria, pelos deputados federais, na noite de ontem, dia 25, e representa mais uma vitória do povo. 
Continuam as reivindicações do Movimento “Vem pra rua e muda o Brasil!”. Fim do Foro privilegiado, que fere o artigo 5º da Constituição Brasileira. e fim do voto secreto no Congresso Nacional. A conclusão do processo do mensalão e cumprimento das condenações, tanto dos sentenciados à prisão, como dos que receberam penas menores e tem direito à prestação de serviços comunitários ou cumprimento da pena em regime semiaberto. Chega de corrupção!
O Movimento conclui a lista de reivindicações dizendo: “Não esqueçam que isso é só o começo! O gigante está acordado! Vem para rua e muda o Brasil! (Vejam a íntegra das reivindicações em: http://www.avaaz.org/po/petition/LISTA_DE_REIVINDICACOES_DO_MOVIMENTO_VEM_PRA_RUA_E_MUDA_O_BRASIL/?eOxTZab).
Além das reivindicações acima, que merecem todo nosso apoio, acrescento duas, que foram levantadas pelo povo nas ruas e que são de fundamental importância. A primeira é a luta pelo comprometimento dos Governos Federal, Estaduais e Municipais com a saúde pública. O direito à saúde é o próprio direito à vida e a questão da saúde pública - que atualmente é uma calamidade em quase todo o Brasil - deve ser prioridade absoluta, ou seja, a prioridade das prioridades. À política de saúde pública não deve ser destinado somente 5 ou 10% do PIB, mas tudo o que for necessário para um atendimento de qualidade para todos e todas. A segunda é a luta pela descriminalização dos movimentos sociais populares, dos trabalhadores e dos pobres em geral.
Nestes dias, representantes de movimentos sociais populares - sempre abertos, embora com autonomia, ao diálogo com o Poderes Públicos, Federal, Estaduais e Municipais - realizaram, e continuam realizando, reuniões em busca de uma maior unidade e de uma melhor definição da pauta conjunta de reivindicações, que - como tudo indica - gira em torno dos seguintes eixos temáticos: direitos humanos, Justiça e criminalização, reforma e participação política, mídia e comunicação, transformações estruturais e serviços públicos, e Copa do Mundo
Enfim, ainda é cedo para prever o resultado das manifestações e avaliar suas conseqüências, mas uma coisa é certa: elas revelam a insatisfação acumulada da população (que não aguenta mais) e apontam para mudanças estruturais (não só para reformas), ou seja, para um novo modelo econômico e um novo modelo de sociedade.