“Eu quero que a Igreja vá para as
ruas” (Francisco)
O maior pecado da Igreja hoje - e a
Igreja somos todos nós, cristãos e cristãs - é o pecado de omissão: conivência
silenciosa com as estruturas sociais de injustiça e de violação dos direitos
humanos, justificada, muitas vezes, em nome da prudência, do diálogo e da verdade.
Mas, que verdade é essa! Não é mera hipocrisia! Falo isso com dor no coração,
porque amo a Igreja. Ela é a minha mãe. Eu também sou a Igreja.
Parafraseando João XXIII e Francisco,
como gostaria de uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres!
Um exemplo recente de pecado de
omissão - entre os muitos que poderiam ser citados - foi o comportamento da Igreja,
que está em Goiânia, em relação ao Grito dos/as Excluídos/as 2013.
No dia 22 de julho passado, a Comissão Episcopal Pastoral para o
Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB) enviou a todas as dioceses, paróquias e comunidades a Carta “Em
apoio ao Grito dos/as Excluídos/as”.
A Carta inicia dizendo: “estamos
celebrando o 19º Grito dos Excluídos/as com o lema: Juventude que ousa lutar
constrói o Projeto Popular. O Grito acontece também em sintonia com a 5ª Semana
Social Brasileira que traz a reflexão sobre o Estado: Estado para que e para
quem?” (Diga-se de passagem, a Igreja, que está em Goiânia, não enviou nenhum
representante na 5ª SSB).
“Com mais este Grito - continua a Carta
- queremos contribuir na superação da contradição fundamental existente na
sociedade brasileira, que continua sendo obrigada a conviver com a aberrante
contradição de ser a 6ª potência econômica mundial e a 184ª em desigualdade
social”. Que absurdo! Que pecado estrutural!
A Carta faz, pois, um caloroso convite:
“convidamos as juventudes e a sociedade brasileira para participar deste
momento especial. Queremos também contribuir, com a força da fé, para que os
raios de luz que irradiam das juventudes sejam alimentados e jamais se apaguem.
E que o Estado brasileiro se coloque a serviço da sociedade e não do poder
econômico”.
Continua ainda a Carta: “apoiamos a
juventude brasileira que emerge como novos sujeitos sociais e exige novas
estruturas de participação democrática, reforçando a democracia participativa e
direta como forma legitima de governo da sociedade brasileira. Acreditamos que
as manifestações populares poderão encontrar no 19º Grito uma rica
oportunidade de expressão dos legítimos anseios da juventude brasileira que
exige um novo Estado, uma nova política e uma nova nação”.
A Carta termina com um veemente apelo:
“participe do 19º Grito dos Excluídos/as em sua comunidade e ouse lutar por um
Projeto Popular fundamentado na garantia e proteção à saúde, segurança,
transporte, emprego, salário e educação!” (Guilherme Werlang, bispo de Ipameri - GO e
presidente da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça
e da Paz da CNBB).
Pergunto agora: Por que a Igreja, que
está em Goiânia, na sua grande maioria, não atendeu a este apelo insistente da
CNBB? Por que a participação dos cristãos e cristãs - embora expressiva - foi
numérica e proporcionalmente tão pequena? Onde estavam, no dia 7 de setembro, de
manhã, os representantes de muitas das nossas comunidades e paróquias? E os padres,
que, como pastores, devem guiar (e guiar - diz Francisco - “não é o mesmo que
comandar”) as nossas Comunidades e Paróquias? Mesmo tendo consciência que
alguns faltaram por razões válidas, dói muito saber que só dois padres
participaram da manifestação. Felizmente, tivemos a presença de muitas
religiosas, inseridas nas comunidades. Foi um testemunho muito bonito e de
profundo espírito evangélico.
É verdade que o Grito dos/as
Excluídos/as é um espaço de participação livre e popular e não só eclesial, mas
a Igreja não deve ser fermento na massa, sal da terra e luz do mundo? Como pode
ser fermento, sal e luz ficando por fora? Jesus não estava sempre no meio do
povo, anunciando - com sua vida e palavra - a Boa Notícia do Reino de Deus? Por
que tanto medo da diversidade e do pluralismo? Não é essa uma atitude
farisaica? Falando, por exemplo, dos nossos irmãos gays, Francisco diz: "se
uma pessoa é gay e busca Deus, quem sou eu para julgá-la?" E Jesus não foi
acusado pelos fariseus - os legalmente “perfeitos” - de comer na casa dos
pecadores? Ele não foi condenado porque subvertia a ordem? O que significa
realmente seguir Jesus hoje, no mundo em que vivemos? Ser cristãos e cristãs -
como nos lembra o Documento de Aparecida (471 e 220) - não é ser “profetas da
vida”? E ser religiosos e religiosas não é ser “radicalmente profetas da vida”?
Apesar dessas limitações, a
manifestação do Grito dos/as Excluídos/as em Goiânia (como, aliás, em todo o
Brasil) foi muito boa e muito significativa. Participaram cerca de 800 pessoas,
que - depois de uma caminhada pela Rua 10, da Praça Universitária até a Praça
Cívica, com uma parada ao lado da Catedral - se uniram a outros grupos de
manifestantes, cerca de 1000 pessoas, todos e todas gritando e lutando - embora
no respeito à diversidade - por um outro mundo possível, mais justo, mais
humano e mais fraterno. Num dos cartazes lia-se: “O Povo acordou! O Povo
decidiu! Ou para a roubalheira ou paramos o Brasil! Agora chega!”. Ver tanta
coragem e tanta vontade de lutar - sobretudo no meio dos jovens - nos anima a
todos e a todas.
“As alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os
que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias
dos discípulos/as de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que
não lhes ressoe no coração” (A Igreja no mundo de hoje - GS, 1).
Escutemos o apelo do nosso irmão
Francisco: a Igreja deve “sair
das torres de marfim e ir ao encontro do povo.” "Eu quero agito nas
dioceses, que vocês saiam às ruas. Eu quero que a Igreja vá para as ruas, eu
quero que nós nos defendamos de toda acomodação, imobilidade, clericalismo. Se
a Igreja não sai às ruas, se converte em uma ONG. A igreja não pode ser uma
ONG". "Eu peço desculpas aos bispos e aos padres se isso pode gerar
uma confusãozinha para vocês também" (JMJ, Encontro com os jovens
argentinos, 25 de julho). Quanta sensibilidade humana! Quanta sinceridade! Quanto
ardor missionário! O testemunho de
Francisco renova a nossa esperança.
A Primeira Leitura de domingo passado pergunta:
“qual é o ser humano que pode conhecer os desígnios de Deus? Ou quem pode
imaginar o desígnio do Senhor? (...) Acaso alguém teria conhecido o teu
desígnio, sem que lhe desses Sabedoria e do alto lhe enviasses teu Santo
Espírito? (Sb. 9, 13.17). Que Deus nos dê essa Sabedoria!
"Para desempenhar sua missão, a
Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e
interpretá-los à luz do Evangelho”.
“Por conseguinte, é necessário
conhecer e entender o mundo no qual vivemos,
suas esperanças, suas aspirações e sua
índole frequentemente dramática"
(A
Igreja no mundo de hoje - GS, 4).
Fr. Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em
Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 11 de setembro de 2013
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