quinta-feira, 25 de setembro de 2014

As CEBs: sua inserção no mundo

Neste artigo - dando continuidade aos dois anteriores - reflito sobre o terceiro elemento ou traço característico da Eclesiologia (visão de Igreja) das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): a inserção das CEBs no mundo.
Como Igreja Povo de Deus e toda ministerial (servidora), as CEBs - com suas limitações humanas - são Comunidades de discípulos missionários e discípulas missionárias (seguidores e seguidoras) de Jesus de Nazaré, que fazem a experiência (conhecimento em sentido bíblico) do Projeto de Deus sobre o ser humano e o mundo (a utopia do Reino de Deus); que aderem, vivencial e conscientemente, a este Projeto; e que se comprometem com a realização do mesmo na história humana e cósmica.
Ora, para as CEBs, comprometer-se com a realização do Projeto de Deus na história humana e cósmica significa assumir três atitudes concretas.
Primeira: inserir-se na realidade (“estar por dentro”). "Como Cristo, por sua encarnação ligou-se às condições sociais e culturais dos seres humanos com quem conviveu; assim também deve a Igreja inserir-se nas sociedades, para que a todas possa oferecer o mistério da salvação e a vida trazida por Deus” (Concílio Vaticano II. A atividade missionária da Igreja - AG, 10).
Segunda: interpretar a realidade (os acontecimentos) à luz do Evangelho e, ao mesmo tempo, o Evangelho à luz da realidade, ou seja, escutar os sinais dos tempos. "Para desempenhar sua missão, a Igreja, a todo momento, tem o dever de perscrutar os sinais dos tempos e interpretá-los à luz do Evangelho, de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da vida presente e futura e de suas relações mútuas. É necessário, por conseguinte, conhecer e entender o mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Concílio Vaticano II, A Igreja no mundo de hoje - GS, 4).
“Como discípulos de Jesus Cristo, sentimo-nos desafiados a discernir os 'sinais dos tempos', à luz do Espírito Santo, para nos colocar a serviço do Reino, anunciado por Jesus, que veio para que todos tenham vida e 'para que a tenham em plenitude' (Jo 10,10)" (Documento de Aparecida - DA, 33).
Terceira: transformar a realidade, fazendo acontecer um mundo novo, que, à luz da Fé, é a utopia do Reino de Deus.
“O Reino de Deus não vem ostensivamente. Nem se poderá dizer: ‘está aqui’ ou: ‘está ali’, porque o Reino de Deus está no meio de vocês” (Lc 17,20-21). "Nem todo aquele que me diz 'Senhor, Senhor' entrará no Reino do Céu (o mesmo que ‘Reino de Deus’). Só entrará aquele que põe em prática a vontade de meu Pai, que está no céu” (Mt 7,21). O Reino de Deus “já” está presente, mas “ainda não” está presente.
 O nosso irmão, papa Francisco - falando da Igreja “em saída” - anima-nos e desafia-nos a perder todo tipo de medo, afirmando com ênfase: “saiamos, saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo!”.
E ainda: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos” (A Alegria do Evangelho - EG, 49).
Francisco lembra-nos também que todos nós, cristãos e cristãs, somos chamados a “sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho” (ib., 20).
“Vocês são a luz do mundo. Não pode ficar escondida uma cidade construída sobre um monte. Ninguém acende uma lâmpada para colocá-la debaixo de uma vasilha, e sim para colocá-la no candeeiro, onde ela brilha para todos os que estão em casa. Assim também: que a luz de vocês brilhe diante das pessoas, para que elas vejam as boas obras que vocês fazem e louvem o Pai de vocês que está no céu” (Mt 5,14-16).
As CEBs - com sua opção pelos empobrecidos, oprimidos e excluídos - são uma Igreja “em saída”. Elas anunciam a Boa Notícia do Reino de Deus no mundo de hoje e denunciam profeticamente tudo aquilo que - do ponto de vista estrutural e individual - é contrário ao Reino de Deus.
Nas CEBs, os cristãos e cristãs participam das Pastorais Sociais e Ambientais e - através dessas - dos Movimentos Sociais Populares, dos Sindicatos autênticos de Trabalhadores/as, dos Partidos Políticos Populares e de todas as Organizações que lutam pela Justiça e Paz, pelos Direitos Humanos e por um mundo novo, a utopia do Reino de Deus.
Para os cristãos e cristãs, que sabem o que significa seguir Jesus de Nazaré hoje e acreditam no seu Projeto, essa participação é uma exigência não só de sua cidadania, mas também e sobretudo, de sua fé. Sentem-se impelidos pela força do Espírito de Deus a serem profetas e profetisas da vida.
Dom Aloísio Lorscheider - numa síntese muito bem formulada - oferece-nos uma fotografia nítida da Igreja que o Concílio sonhou e que as CEBs também sonham. “O Vaticano II - diz ele - faz-nos passar: de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus; de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina; de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial; de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo; de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária” (Texto citado por Dom Geraldo Majella Agnelo na contra-capa da Liturgia Diária, novembro de 2012).
Enfim, as CEBs, inseridas no mundo, são como árvores que se tornam tanto mais bonitas, quanto mais profundas forem suas raízes na terra. E as raízes dessas árvores - as CEBs - tão diferentes umas das outras, são os Grupos de Rua (de vizinhos), que fazem da Palavra de Deus a luz de sua vida.
Leia também os artigos:
“As CEBs: seu jeito de ser Igreja”, em:
http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=82425&langref=PT&cat=24 e “As CEBs: seu lugar na estrutura eclesial”, em:



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 24 de setembro de 2014  

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

As CEBs: seu lugar na estrutura eclesial

            Neste artigo - dando continuidade ao anterior - quero refletir sobre o segundo elemento ou traço característico da Eclesiologia (visão de Igreja) das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): o lugar das CEBs na estrutura eclesial.
            Retomo os ensinamentos de Medellín, que aplicam para a América Latina e o Caribe os ensinamentos do Concílio Vaticano II. Medellín é o acontecimento fundante da Igreja Latino-Americana e Caribenha, enquanto tal. O ponto de partida de toda a reflexão teológico-pastoral sobre as CEBs encontra-se em Medellín. Não aceitar os ensinamentos de Medellín, significa - para a Igreja da América Latina e do Caribe - não aceitar os ensinamentos do Concílio Vaticano II.
Vejamos! As CEBs - que Medellín chama de “Comunidades Cristãs de Base”, ou, simplesmente, “Comunidades de Base” - não são (como se quer fazer acreditar hoje) um Movimento entre muitos outros, uma forma de vida comunitária entre muitas outras, mas são a Igreja na base e, ao mesmo tempo, a base da Igreja.
A CEB (Comunidade de Fé, Esperança e Caridade) “é o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve, em seu próprio nível, responsabilizar-se pela riqueza e expansão da fé, como também do culto, que é sua expressão. Ela é, pois, célula inicial da estrutura eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da promoção humana e do desenvolvimento”.
A CEB é uma “Comunidade local ou ambiental, que corresponde à realidade de um grupo homogêneo e que tenha uma dimensão tal que permita o trato pessoal fraterno entre seus membros” (Medellín, XV, 10).
Destaco - no texto citado - a definição de CEB, que é de uma objetividade e clareza inquestionáveis.  A CEB é “o primeiro e fundamental núcleo eclesial” ou “a célula inicial da estrutura eclesial”. Não tem como inventar artifícios e dar muitas voltas para tentar amenizar, deturpar ou escamotear o ensinamento de Medellín. Só não entende quem não quer entender.
Reparem! Medellín não tem medo de usar a palavra “base”, como não tem medo de usar a palavra “popular”, quando fala de Pastoral (cf. Medellín, VI). Infelizmente, hoje, na Igreja, muitos cristãos e cristãs evitam propositalmente usar essas palavras, porque dizem que têm uma conotação ideológica. Que hipocrisia!
Inspiradas no ensinamento de Medellín e querendo colocá-lo em prática, muitas Igrejas Particulares ou Dioceses (como a Arquidiocese de Goiânia), por muitos anos, sempre destacaram, em seus Planos de Pastoral, as CEBs como a prioridade das prioridades.
Sabendo que, na América Latina e no Caribe, as Paróquias são em geral territorialmente muito extensas e muito populosas (só uma Paróquia pequena - como acontece, por razões históricas, em alguns casos - poderia ser considerada uma CEB), Medellín redefine o conceito de Paróquia, que passa a ser “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (Ib. 13). É verdade que, em sentido amplo, a Paróquia pode ser chamada de Comunidade, mas a verdadeira vivência comunitária acontece nas CEBs. Portanto, parafraseando o ensinamento de Medellín e sem receio de trair o seu conteúdo, podemos dizer que a Paróquia deve ser, hoje, uma Comunidade (em sentido amplo) de Comunidades de Base (repito: de Base!).
Na Eclesiologia das CEBs, todos e todas são iguais, todos e todas - na diversidade dos ministérios (serviços) e na diversidade dos carismas (dons do Espírito Santo) - são irmãos e irmãs e ninguém é mais importante do que o outro ou a outra. Todos e todas - pessoalmente, em grupos ou movimentos e nas diferentes pastorais - são respeitados e valorizados. Nessa Eclesiologia não há lugar para uma Igreja poderosa, triunfalista, clerical e toda ornamentada de ouro. Não há lugar para uma Igreja de palácios ou mansões episcopais.
O poder de Jesus e dos seus seguidores e seguidoras é serviço e brota da manjedoura de Belém. As CEBs são uma Igreja “pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres”. Elas são uma Igreja aberta a todos e todas, que querem fazer hoje o caminho de Jesus.
A atualidade das CEBs foi reafirmada também - embora com ênfases diferentes - pelos documentos de Puebla, Santo Domingo e Aparecida, além de diversos documentos da Igreja Universal e da Igreja no Brasil, como a “Mensagem ao Povo de Deus sobre as CEBs”, da 48ª Assembleia Geral da CNBB (de 4 a 13 de maio de 2010).
Nestes documentos fala-se que as CEBs são um sinal da vitalidade da Igreja e um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja. É verdade, mas não podemos esquecer - como bem define Medellín - o lugar central que as CEBs ocupam na estrutura eclesial.
O documento da CNBB “Comunidade de Comunidades: uma Nova Paróquia”, da 52ª Assembleia Geral da CNBB (de 30 de abril a 9 de maio de 2014) - que, apesar de muitas limitações, traz reflexões interessantes - reafirma o valor e a atualidade das CEBs, mas fala delas somente em três pequenos parágrafos, que, na realidade - mesmo que não existissem - não fariam falta na estrutura geral do documento. Tem-se a impressão - pelo pouco espaço dado às CEBs e pela posição secundária que ocupam no documento - que elas são lembradas somente poque existem pessoas que ainda teimam em falar de CEBs.
A única referência a Medellín encontra-se na nota de rodapé 125, onde se diz: “cf. também Medellín XV”. O documento não aceitou e não valorizou, ou não quis aceitar e não quis valorizar a Eclesiologia das CEBs de Medellín. Nessa Eclesiologia as CEBs ocupam um lugar central. Dada a importância de Medellín, é realmente muito pouco - para não dizer, insignificante e até ridículo - um simples “cf. também Medellín XV”.
Quando fala da renovação paroquial na América Latina e no Caribe, o documento afirma que “Medellín sugeriu a formação de Comunidades Eclesiais nas Paróquias” (131). A bem da verdade, não é exatamente isso que Medellín afirma. A referência ao documento distorce e enfraquece o ensinamento de Medellín sobre a nova Paróquia. Como já dissemos acima e o reafirmamos agora, em Medellín a nova Paróquia é “um conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base”. Reparem! “de Base”! É bem diferente! Um documento, para ter autoridade moral, precisa, antes de tudo, ser fiel nas referências e citações de outros documentos. É uma questão de honestidade intelectual!
Enfim, tenho certeza que as CEBs - como a Teologia da Libertação - não morreram e nem estão superadas. Elas estão vivas e mais vivas do que nunca, mesmo que haja na Igreja, hoje, uma oposição orquestrada, silenciosa e, às vezes, irônica de muitas pessoas.
Graças a Deus, o nosso irmão, o papa Francisco, com seu testemunho e sua palavra, está nos ajudando a reverter essa situação.
Como foi dito no 1º Intereclesial (de 6 a 8 de janeiro de 1975), as CEBs são “uma Igreja que nasce do Povo pelo Espírito de Deus”. E, se nascem do Povo pelo Espírito de Deus, não morrem nunca.      
No próximo artigo, refletirei sobre o terceiro elemento ou traço característico da Eclesiologia das CEBs: a inserção das CEBs no mundo.
Domingo passado, dia 14, tivemos a 4º Romaria das CEBs da Arquidiocese de Goiânia a Trindade. Participaram em torno de mil pessoas. Foi uma verdadeira experiência de fé, de irmandade, de vivência comunitária e de renovação do nosso compromisso de seguidores e seguidoras de Jesus. Foi um sinal concreto que o sonho de Jesus de Nazaré está acontecendo hoje
Leia também o artigo “As CEBs: seu jeito de ser Igreja”, em: http://www.dm.com.br/jornal/#!/view?e=20140912&p=24 ou



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 17 de setembro de 2014

quarta-feira, 10 de setembro de 2014

As CEBs: seu jeito de ser Igreja

Em três artigos e sem pretender ser exaustivo, quero fazer algumas reflexões teológico-pastorais sobre três elementos ou traços característicos, que - a meu ver - constituem a espinha dorsal da Eclesiologia (visão de Igreja) das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs): o jeito de ser Igreja das CEBs; o lugar das CEBs na estrutura eclesial e a inserção das CEBs no mundo.
            Neste artigo, começo refletindo sobre o primeiro elemento ou traço característico: o jeito de ser Igreja das CEBs. Ele é o jeito de ser Igreja, que - atento aos sinais dos tempos - encarna (mesmo com todas as limitações e fragilidades humanas) o sonho de Jesus de Nazaré, torna presente hoje o seu jeito de ser e faz hoje o caminho que Jesus fez em sua época.
O jeito de ser Igreja das CEBs é, pois, o jeito de ser Igreja “a partir da manjedoura” de Belém (não a partir do palácio do imperador de Roma) e de tudo o que ela representa e/ou significa para nós.
Vejamos! Jesus, antes de Maria (que estava grávida) e José encontrarem abrigo num estábulo, foi - ainda no seio de sua mãe Maria e junto com seu pai José - “morador de rua”, dormindo debaixo das marquises da cidade de Belém. Depois de encontrarem abrigo num estábulo (o dono deve ter ficado com pena de José e de Maria, que estava para dar à luz), Jesus nasceu numa manjedoura como “sem-teto”. “Não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2,7).
Os que, em primeira mão, receberam a Boa Notícia do nascimento de Jesus foram os pastores, os “sem-terra” da época. “Eu anuncio a vocês a Boa-Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o Senhor” (Lc 2,10-11).
Os pastores eram pessoas de má fama, mal vistos pelos poderosos e “pessoas de bem”, porque ocupavam as grandes propriedades de terra com seus rebanhos e - por necessidade de sobrevivência - vendiam seus produtos a preços exorbitantes. Segundo uma antiga lei, um pastor não podia ser juiz ou testemunha no tribunal. Não era considerado uma pessoa idônea.
Depois de ver Jesus, os pastores, louvando e agradecendo a Deus, tornaram-se anunciadores da Boa-Notícia. “Todos os que ouviam os pastores, ficaram maravilhados com aquilo que contaram” (Lc 2,18).
Mas, por que será que Jesus - depois de ter sido “morador de rua”, ainda no seio de sua mãe - nasceu como “sem-teto” e anunciou a Boa-Notícia de seu nascimento aos “sem-terra”? Aos olhos dos poderosos e das “pessoas de bem”, de ontem e de hoje, não foi um comportamento absurdo e de mau gosto? Os critérios de Jesus não são radicalmente diferentes dos nossos? O que Ele quis nos dizer com isso? Pensemos!
Jesus manifestou-se aos reis magos - que representavam todos os povos de todas as culturas - enfrentando a ganância e a obsessão pelo poder de Herodes. Jesus - juntamente com sua mãe e seu pai, Maria e José - fugiu para o Egito e fez-se migrante para escapar à vingança assassina de Herodes.
Ele cresceu, em sabedoria e graça, numa família e, durante muitos anos - vivendo uma vida simples e anônima - trabalhou como operário, como carpinteiro com seu pai José.
Em sua vida pública - anunciando a Boa-Notícia do Reino de Deus a todos e a todas, mas “a partir da manjedoura” - Jesus, como o Profeta e o Enviado do Pai, sempre foi próximo, compassivo e solidário para com o povo: os doentes, os leprosos, os sofredores, os descartados, os pobres e todos aqueles e aquelas que não tinham voz e não tinham vez na sociedade. Jesus nunca morou numa mansão, num palácio episcopal ou qualquer outro palácio. “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20).
Pela sua proximidade, compaixão e solidariedade tornou-se defensor intransigente do povo; denunciou, com indignação e firmeza, a hipocrisia dos fariseus e mestres da Lei; pela sua pregação, foi considerado subversivo. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso povo” (Lc 23,2).
Jesus morreu na Cruz por amor. “Ele, que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe amor maior do que dar a vida pelos amigos. Vocês são meus amigos, se fizerem o que eu estou mandando” (Jo 15,12-14).
Enfim, Jesus ressuscitou, venceu a morte e todos os males. Ele está vivo em nosso meio. “Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). “Vão e façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que ordenei a vocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28,19-20).
É esse o caminho que Jesus de Nazaré fez em sua vida terrena e é esse o caminho que as CEBs, com seu “trenzinho”, fazem hoje. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10). “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).
As CEBs, portanto, são “o nosso jeito normal de ser Igreja”; são “o nosso jeito sempre novo e, ao mesmo tempo, sempre antigo de ser Igreja”; são “o nosso jeito de ser Igreja sempre”.
No próximo artigo, refletiremos sobre o segundo elemento ou traço característico da Eclesiologia das CEBs: o lugar das CEBs na estrutura eclesial, à luz, sobretudo, de Medellín, que é o acontecimento fundante da Igreja Latino-Americana e Caribenha, enquanto tal.

No dia 14 deste mês de setembro, teremos a 4ª Romaria das CEBs da Arquidiocese de Goiânia, com a participação de representantes de outras Igrejas do Regional Centro Oeste da CNBB. Às 9h, nos concentraremos no Portal de Entrada do Trevo de Trindade e às 10h, daremos início (no próprio Trevo) à Celebração, caminhando rumo ao Santuário do Divino Pai Eterno e terminando com a Eucaristia. Durante a caminhada faremos quatro paradas, meditando sobre os temas: a Palavra de Deus na Vida do Povo, a Espiritualidade Libertadora, o Compromisso Social e Político e a Continuidade da Caminhada das CEBs. O pano de fundo de toda a nossa meditação será a Campanha da Fraternidade 2014, com o tema Fraternidade e Tráfico Humano e o lema “É para a Liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Participe!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 10 de setembro de 2014

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Igreja e Reforma Política

       Estamos em plena votação (de 1º a 7 de setembro) do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva e Soberana do Sistema Político, que tem total apoio da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) - manifestado em Carta do presidente da Comissão que acompanha a Reforma Política, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães.
No dia 7 do mês corrente teremos o 20º Grito dos Excluídos, que também tem o apoio da CNBB, manifestado em Carta pelo presidente da Comissão para o Serviço da Caridade, Justiça e Paz, Dom Guilherme Werlang (Leia o Artigo “Plebiscito Popular e Grito dos Excluídos”, em: http://www.dm.com.br/jornal#!/view?e=20140830&p=21 ou http://site.adital.com.br/site/noticia.php?lang=PT&cod=82189&langref=PT&cat=24).
No dia 29 de agosto passado, durante coletiva de imprensa, que marcou o encerramento da Reunião do Conselho Episcopal de Pastoral (CONSEP), a presidência da CNBB divulgou “Mensagem sobre a Reforma Política”, na qual afirma: “a Presidência da CNBB, atenta à sua missão evangelizadora e à realidade do Brasil, reafirma sua convicção, como muitos segmentos importantes da sociedade brasileira, de que urge uma séria e profunda Reforma Política no País. Uma verdadeira Reforma Política melhorará a realidade política e possibilitará a realização de várias outras reformas necessárias ao Brasil, por exemplo a reforma tributária”.
A Mensagem diz ainda que “o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política não está vinculado a nenhum partido político, tão pouco a nenhum candidato a cargos políticos eletivos, embora não haja restrição do apoio de bons políticos do Brasil”.
Portanto - continuam os bispos - “estamos empenhados numa grande campanha de conscientização e mobilização do povo brasileiro com vistas a subscrever o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática, nº 6.316 de 2013, organizado por uma Coalizão que reúne uma centena de Entidades organizadas da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Movimento contra a Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Plataforma dos Movimentos Sociais”.
O Projeto “se resume em quatro pontos principais: 1) O financiamento de candidatos; 2) A eleição em dois turnos, um para votar num programa, o outro para votar numa pessoa; 3) O aumento de candidatura de mulheres aos cargos eletivos; 4) Regulamentação do Artigo 14 da Constituição, com o objetivo de melhorar a participação do povo brasileiro nas decisões mais importantes, através do Projeto de Lei de Iniciativa Popular, do Plebiscito e do Referendo, mesclando a democracia representativa com a democracia participativa”.
A CNBB convida-nos, pois, a refletir - sobretudo durante a Semana da Pátria - sobre a nossa responsabilidade cidadã e afirma: “animamos a todas as pessoas de boa vontade a assinarem o Projeto de Lei que, indubitavelmente, mudará e qualificará a política em nosso País”.
O Plebiscito Popular e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular pela Reforma Política Democrática são duas iniciativas que têm caminhos próprios, mas que se completam mutuamente. Em alguns lugares, os votos do Plebiscito e as assinaturas do Projeto de Lei, durante a Semana da Pátria, são coletados conjuntamente e, depois, cada iniciativa segue o seu caminho; em outros lugares (para evitar possíveis confusões), primeiro são coletados os votos do Plebiscito (de 1º a 7 de setembro) e, depois, as assinaturas do Projeto de Lei.
A respeito do Projeto de Lei de Iniciativa Popular, a CNBB diz ainda: “trabalharemos até conseguirmos ao menos 1,5 milhões de assinaturas a favor desta Reforma Política”.
A Mensagem conclui, citando as palavras do papa Francisco: “no diálogo com o Estado e com a sociedade, a Igreja não tem soluções para todas as questões específicas. Mas, juntamente com as várias forças sociais, acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum. Ao fazê-lo, propõe sempre com clareza os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas” (A Alegria do Evangelho - EG, 241).
Graças a Deus, muitos cristãos e cristãs das Comunidades Eclesiais de Base e das Pastorais Sociais - com a presença animadora de Religiosas inseridas - comprometidos e comprometidas com os Movimentos Populares e Sindicatos de Trabalhadores/as autênticos, estão participando ativamente dessa mobilização nacional pela Reforma Política, que deve ser uma verdadeira mudança estrutural do Sistema Político Brasileiro.
Ora, mesmo com esses sinais de esperança e tendo consciência que o compromisso com a Reforma Política é uma exigência não só de nossa cidadania, mas também de nossa fé de cristãos e cristãs, com profunda dor no coração, eu pergunto: por que muitas de nossas Igrejas (dioceses, paróquias e comunidades) não atendem ao convite da CNBB para participarem da mobilização nacional pela Reforma Política? Não é uma falta de comunhão? Por que essas Igrejas se mostram tão insensíveis e indiferentes diante dos apelos da realidade, que são os apelos de Deus? Por que, justamente nestes tempos fortes de mobilização nacional (o Plebiscito Popular, o Grito dos Excluídos e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular) essas Igrejas - no lugar de incentivar os cristãos e cristãs, sobretudo jovens, a participarem ativamente da mobilização nacional - organizam Congressos vocacionais ou outros Encontros de formação? Esses Congressos e Encontros não poderiam ser realizados em outras datas? Por que existem jornais diocesanos, que (apesar de promessas feitas) não publicaram uma palavra sequer sobre essa mobilização? Não é uma fuga da responsabilidade social e uma forma de boicotar a participação dos cristãos e cristãs, sobretudo jovens, na mobilização nacional pela Reforma Política? Não é, enfim, um grave pecado de omissão? Os cristãos e cristãs, sobretudo jovens, como seguidores/as de Jesus de Nazaré e chamados - por força de sua fé - a serem profetas e profetisas da vida, não deveriam - sem nenhum medo - estar sempre na linha de frente de todas as lutas sociais por um mundo melhor?
Que o Espírito Santo, o Amor de Deus, nos ilumine a todos e a todas. A esperança nunca morre!



Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
                                                                                      Goiânia, 03 de setembro de 2014