Em
três artigos e sem pretender ser exaustivo, quero fazer algumas reflexões
teológico-pastorais sobre três elementos ou traços característicos, que - a meu
ver - constituem a espinha dorsal da Eclesiologia (visão de Igreja) das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBs): o jeito de ser Igreja das CEBs; o lugar das CEBs na
estrutura eclesial e a inserção das CEBs no mundo.
Neste artigo, começo refletindo
sobre o primeiro elemento ou traço característico: o jeito de ser Igreja das
CEBs. Ele é o jeito de ser Igreja, que - atento aos sinais dos tempos - encarna
(mesmo com todas as limitações e fragilidades humanas) o sonho de Jesus de
Nazaré, torna presente hoje o seu jeito de ser e faz hoje o caminho que Jesus
fez em sua época.
O jeito de ser Igreja das CEBs é,
pois, o jeito de ser Igreja “a partir da manjedoura” de Belém (não a partir do
palácio do imperador de Roma) e de tudo o que ela representa e/ou significa
para nós.
Vejamos! Jesus, antes de Maria (que
estava grávida) e José encontrarem abrigo num estábulo, foi - ainda no seio de
sua mãe Maria e junto com seu pai José - “morador de rua”, dormindo debaixo das
marquises da cidade de Belém. Depois de encontrarem abrigo num estábulo (o dono
deve ter ficado com pena de José e de Maria, que estava para dar à luz), Jesus
nasceu numa manjedoura como “sem-teto”. “Não havia lugar para eles dentro de
casa” (Lc 2,7).
Os que, em primeira mão, receberam a
Boa Notícia do nascimento de Jesus foram os pastores, os “sem-terra” da época.
“Eu anuncio a vocês a Boa-Notícia, que será uma grande alegria para todo o povo:
hoje, na cidade de Davi, nasceu para vocês um Salvador, que é o Messias, o
Senhor” (Lc 2,10-11).
Os pastores eram pessoas de má fama,
mal vistos pelos poderosos e “pessoas de bem”, porque ocupavam as grandes
propriedades de terra com seus rebanhos e - por necessidade de sobrevivência -
vendiam seus produtos a preços exorbitantes. Segundo uma antiga lei, um pastor
não podia ser juiz ou testemunha no tribunal. Não era considerado uma pessoa
idônea.
Depois de ver Jesus, os pastores,
louvando e agradecendo a Deus, tornaram-se anunciadores da Boa-Notícia. “Todos
os que ouviam os pastores, ficaram maravilhados com aquilo que contaram” (Lc
2,18).
Mas, por que será que Jesus - depois
de ter sido “morador de rua”, ainda no seio de sua mãe - nasceu como “sem-teto”
e anunciou a Boa-Notícia de seu nascimento aos “sem-terra”? Aos olhos dos poderosos
e das “pessoas de bem”, de ontem e de hoje, não foi um comportamento absurdo e
de mau gosto? Os critérios de Jesus não são radicalmente diferentes dos nossos?
O que Ele quis nos dizer com isso? Pensemos!
Jesus manifestou-se aos reis magos -
que representavam todos os povos de todas as culturas - enfrentando a ganância
e a obsessão pelo poder de Herodes. Jesus - juntamente com sua mãe e seu pai,
Maria e José - fugiu para o Egito e fez-se migrante para escapar à vingança
assassina de Herodes.
Ele cresceu, em sabedoria e graça, numa
família e, durante muitos anos - vivendo uma vida simples e anônima - trabalhou
como operário, como carpinteiro com seu pai José.
Em sua vida pública - anunciando a
Boa-Notícia do Reino de Deus a todos e a todas, mas “a partir da manjedoura” -
Jesus, como o Profeta e o Enviado do Pai, sempre foi próximo, compassivo e
solidário para com o povo: os doentes, os leprosos, os sofredores, os
descartados, os pobres e todos aqueles e aquelas que não tinham voz e não
tinham vez na sociedade. Jesus nunca morou numa mansão, num palácio episcopal
ou qualquer outro palácio. “As raposas têm tocas e as aves do céu têm ninhos,
mas o Filho do Homem não tem onde repousar a cabeça” (Mt 8,20).
Pela sua proximidade, compaixão e
solidariedade tornou-se defensor intransigente do povo; denunciou, com indignação
e firmeza, a hipocrisia dos fariseus e mestres da Lei; pela sua pregação, foi
considerado subversivo. “Achamos este homem fazendo subversão entre o nosso
povo” (Lc 23,2).
Jesus morreu na Cruz por amor. “Ele,
que tinha amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13,1). “O meu
mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês. Não existe
amor maior do que dar a vida pelos amigos. Vocês são meus amigos, se fizerem o
que eu estou mandando” (Jo 15,12-14).
Enfim, Jesus ressuscitou, venceu a
morte e todos os males. Ele está vivo em nosso meio. “Onde dois ou três
estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí no meio deles” (Mt 18,20). “Vão e
façam com que todos os povos se tornem meus discípulos, batizando-os em nome do
Pai, e do Filho, e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que
ordenei a vocês. Eis que eu estarei com vocês todos os dias, até o fim do
mundo” (Mt 28,19-20).
É esse o caminho que Jesus de Nazaré
fez em sua vida terrena e é esse o caminho que as CEBs, com seu “trenzinho”,
fazem hoje. “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10.10).
“Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).
As CEBs, portanto, são “o nosso jeito
normal de ser Igreja”; são “o nosso jeito sempre novo e, ao mesmo tempo, sempre
antigo de ser Igreja”; são “o nosso jeito de ser Igreja sempre”.
No próximo artigo, refletiremos sobre
o segundo elemento ou traço característico da Eclesiologia das CEBs: o lugar
das CEBs na estrutura eclesial, à luz, sobretudo, de Medellín, que é o
acontecimento fundante da Igreja Latino-Americana e Caribenha, enquanto tal.
No dia 14 deste mês de setembro,
teremos a 4ª Romaria das CEBs da Arquidiocese de Goiânia, com a participação de
representantes de outras Igrejas do Regional Centro Oeste da CNBB. Às 9h, nos
concentraremos no Portal de Entrada do Trevo de Trindade e às 10h, daremos
início (no próprio Trevo) à Celebração, caminhando rumo ao Santuário do Divino
Pai Eterno e terminando com a Eucaristia. Durante a caminhada faremos quatro
paradas, meditando sobre os temas: a Palavra de Deus na Vida do Povo, a
Espiritualidade Libertadora, o Compromisso Social e Político e a Continuidade
da Caminhada das CEBs. O pano de fundo de toda a nossa meditação será a Campanha
da Fraternidade 2014, com o tema Fraternidade e Tráfico Humano e o lema “É para
a Liberdade que Cristo nos libertou” (Gl 5,1). Participe!
Marcos
Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 10
de setembro de 2014
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