quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Moradia é um direito sagrado -


         Neste 4º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o 3º ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: moradia é um direito sagrado.
            Enfaticamente e de maneira muito firme, o Papa - depois de falar que a Terra é um direito sagrado - afirma: “em segundo lugar, teto. Eu disse e repito: uma casa para cada família. Nunca se deve esquecer que Jesus nasceu em um estábulo porque na hospedagem não havia lugar, e que a sua família teve de abandonar o seu lar e fugir para o Egito, perseguida por Herodes”.
            Com sentimentos de compaixão, ou seja, de partilha do sofrimento do povo, ele diz: “hoje há tantas famílias sem moradia, ou porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia andam de mãos dadas”.
Francisco destaca, pois, a importância da dimensão comunitária da família. “Um teto, para que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos”. É o oposto do individualismo, que leva ao isolamento.
O Papa, com tristeza e ao mesmo tempo com ironia, desmascara a hipocrisia da sociedade e constata: “hoje, vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria feliz... mas nega-se o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação de rua’”.
E acrescenta: “é curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa, uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma pessoa em situação de rua: palavra elegante, não? Vocês, busquem sempre, talvez me equivoque em algum, mas, em geral, por trás de um eufemismo há um crime”. É uma crítica contundente à sociedade capitalista, estruturalmente desumana e antiética.
Como verdadeiro profeta do nosso tempo, Francisco denuncia a crueldade - que é fruto da ganância pelo deus dinheiro - das grandes cidades.
“Vivemos em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que as ocupações pobres são marginalizadas ou, pior, quer-se erradicá-las! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando barracos, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje”.
As imagens do bárbaro despejo da ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, são um exemplo paradigmático dessa crueldade. Realmente, não dá para entender como um governo - que está sempre a serviço dos poderosos - pode ser tão cruel para com o povo.
Pela sua experiência existencial (que é também a minha de muitos anos), que brota da proximidade e sintonia de vida com os pobres, Francisco - com perspicácia - evidencia os valores profundamente humanos que existem nos bairros populares e nas ocupações. Os bairros populares são os verdadeiros bairros “nobres”, que não se definem pelo poder econômico, como hipocritamente se costuma afirmar, mesmo em ambientes ditos “religiosos”.
“Vocês sabem que, nos bairros populares, onde muitos de vocês vivem, subsistem valores já esquecidos nos centros enriquecidos. As ocupações urbanas estão abençoadas com uma rica cultura popular: ali, o espaço público não é um mero lugar de trânsito, mas uma extensão do próprio lar, um lugar para gerar vínculos com os vizinhos. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os diferentes e que fazem dessa integração um novo fator de desenvolvimento. Como são lindas as cidades que, ainda no seu desenho arquitetônico, estão cheias de espaços que conectam, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro”.
Enfim, o Papa faz um caloroso apelo: “por isso, nem expulsão, nem marginalização: é preciso seguir na linha da integração urbana. Essa palavra deve substituir completamente a palavra expulsão, desde já, mas também esses projetos que pretendem envernizar os bairros populares, ajeitar as periferias e maquiar as feridas sociais, em vez de curá-las, promovendo uma integração autêntica e respeitosa. Há uma espécie de arquitetura de maquiagem, não? E vai por aí”.
Diz ainda Francisco: “continuemos trabalhando para que todas as famílias tenham uma moradia e para que todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada (esgoto, luz, gás, asfalto e, continuo, escolas, hospitais ou salas de primeiros socorros, clube de esportes) e todas as coisas que criam vínculos e que unem, acesso à saúde - já disse - e à educação e à segurança”. Lutemos pelo direito sagrado à moradia!
Que o Natal 2014 traga a todos e a todas nós muita felicidade e nos comprometa sempre mais com a Justiça e a Paz e os Direitos Humanos, que - por serem humanos - são também divinos!  

Leiam na internet - como minha mensagem de Natal - os artigos: “Jesus, ‘morador de rua’ em Belém” e “Jesus, o ‘sem teto’ de Belém”.


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 24 de dezembro de 2014  

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Gratificação “imoral, indecente e antiética”



“Ai dos juízes que fazem leis injustas” (Is 10,1)

            Sábado, dia 13, o Jornal O Popular publicou a reportagem: “Auxílio-moradia. Juízes recebem retroativo a 2008”. Lendo a notícia, o sangue ferveu e a indignação tomou conta do meu ser. Quando já estava me refazendo do susto, terça-feira, dia 16, no mesmo Jornal, saiu outra reportagem: “Auxílio-moradia. Promotores também vão receber. Categoria começa a se mobilizar para garantir pagamento retroativo a 2008 até para os aposentados”. O sangue ferveu novamente e a indignação voltou. Parece uma competição entre juízes e promotores para ver quem fica em primeiro lugar na ganância, no roubo e na imoralidade pública. É de chorar! É realmente uma sem-vergonhice que não tem limites!
 Todas as pessoas - penso eu - que tomaram conhecimento das reportagens e que têm um mínimo de consciência moral, devem ter tido a mesma reação que eu tive. Pergunto: como é possível que juízes e promotores aceitem, com tanta cara-de-pau, tamanha imoralidade? Como é possível confiarmos em juízes e promotores, que não têm nenhuma sensibilidade humana e nenhuma responsabilidade social?
            Felizmente, ainda existem algumas exceções que são motivo de esperança. Em Goiás, apenas um desembargador do TJ “negou-se a receber o benefício, de acordo com a administração do Tribunal, que não quis divulgar o nome dele”. Desembargador, sua atitude é exemplar, divulgue o seu nome e defenda a justiça com orgulho e de cabeça erguida! Não tenha medo! A verdade deve ser proclamada de cima dos telhados e em alta voz!
            Outro caso é o do juiz do Trabalho Celso Fernando Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS), que merece o nosso reconhecimento pelo testemunho que nos deu. Ele negou-se a receber o auxílio-moradia por considerar a gratificação “imoral, indecente e antiética” (palavras que tomo emprestadas como título do meu artigo). A atitude dele ganhou repercussão nacional. Ah, se todos os juízes fossem como os dois citados!
Vejam, pois, o que acontece com os juízes que querem ser honestos. “Magistrados que recusam o benefício correm o risco de serem malvistos pelos colegas de toga”. Que absurdo! Para os juízes que defendem - sem nenhum escrúpulo de consciência - tamanha maracutaia, a atitude dos que recusam o auxílio-moradia é uma falta de “solidariedade de classe” incompreensível.
            De acordo com a reportagem de sábado, dia 13, “o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) começou a pagar, no mês passado, um total de R$ 43 milhões de auxílio-moradia a magistrados com mais de cinco anos de carreira. Os valores e a quantidade de parcelas pagas a juízes e desembargadores são distintos no montante. Além da quantia retroativa a 2008, eles continuarão recebendo todo mês o valor do benefício reajustado (R$ 4.377,73), o que provocará impacto anual de mais R$ 15 milhões nos cofres públicos”. É um verdadeiro assalto ao dinheiro do povo e um roubo legalizado.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, “o presidente do TJ-GO, desembargador Ney Teles de Paula, autorizou o pagamento do retroativo em 29 de outubro, atendendo a um pedido da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego). O despacho de Ney Teles não especifica, no entanto, a quantidade de beneficiados que receberão as parcelas retroativas. O desembargador baseou-se em liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), e em resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, em 7 de outubro, definiu o teto do benefício, com pagamento retroativo a 15 de setembro deste ano”.
Em Goiás, a imoralidade do auxílio-moradia adquire proporções ainda maiores. Reparem: “juízes e desembargadores do Poder Judiciário do Estado de Goiás já recebiam o benefício no valor de R$ 2,3 mil - o equivalente a 10% do subsídio - desde janeiro de 2013, com base na Lei estadual 17.962/13. Uma resolução da Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás regulamentou a norma e previu a retroatividade pelos 60 meses anteriores, o que, na prática, alcança o ano de 2008”. Que descaramento!
De acordo com a reportagem de terça-feira, dia 16, “o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) começa a se articular para conceder auxílio-moradia retroativo a 2008 a promotores e procuradores de Justiça, nos mesmos moldes do que já passou a ser pago, em novembro, a juízes e desembargadores do Poder Judiciário Estadual. Representantes do órgão ministerial sustentam que também têm direito ao efeito retroativo, baseando-se no princípio da paridade. A categoria quer que o benefício também seja pago aos membros aposentados, assim como já pediram os magistrados, e a casais”. A reivindicação dos promotores tem o apoio do procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado.
O presidente da Associação Goiana do Ministério Público (AGMP), o procurador de Justiça Benedito Torres Neto, sustenta que “se é paga (a retroatividade a 2008) no Judiciário, pelo princípio da paridade, deve ser paga no Ministério Público”.
Em se tratando dos seus interesses, os juízes e promotores são realmente especialistas na utilização de artifícios jurídicos, que justifiquem legalmente a imoralidade. Eles querem “parecer” (não ser) pessoas de bem.
Uma reportagem de O Popular, de 20 de outubro passado, mostra que os cofres públicos terão uma baixa anual de quase R$ 50 milhões para pagamento de auxílio-moradia a 904 magistrados, promotores e procuradores de Justiça que atuam em Goiás, nas esferas estadual e federal.
É uma afronta aos trabalhadores, sobretudo aos que ganham o salário mínimo, que são a maioria. É uma injustiça que clama diante de Deus.
Termino fazendo uma advertência: lembrem os juízes e os promotores que se o dinheiro “roubado” dos cofres públicos (mesmo legalmente) - que é dinheiro do povo, principalmente dos pobres - não for devolvido, Deus fará justiça. Aguardem!
Leia também - na internet - o artigo “Auxílio-moradia dos juízes: imoralidade pública legalizada”, de 17 de outubro deste ano.
Como não podia ficar calado diante de uma injustiça tão gritante, retomarei nos próximos artigos as reflexões sobre os pontos marcantes do Discurso de Francisco no Encontro Mundial de Movimentos Populares, já iniciadas nos anteriores.

Em tempo: o desembargador de Goiás, que não aceitou o auxílio-moradia, é Alan Sebastião de Sena, que hoje - quinta-feira, dia 18 - concedeu uma entrevista ao O Popular, na qual ele mostra sua coerência de vida, afirmando:não é nenhum desejo de ser moralista, apenas ser coerente com uma história de vida”. É essa a verdadeira moral (não moralismo), a verdadeira ética!





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 18 de dezembro de 2014


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Terra é um direito sagrado -



        No Encontro Mundial de Movimentos Populares, Francisco apresenta-se como um irmão entre irmãos e irmãs. Com extraordinária sensibilidade humana, identifica-se com o Encontro. Em seu discurso, chama o Encontro de “nosso”. Como isso é bonito e significativo na sociedade “classista” em que vivemos! “Este Encontro nosso - diz o Papa - responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho”.
Com muita clareza, Francisco afirma: “não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho - isso pelo qual vocês lutam - são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da Igreja”.
Terra, teto e trabalho foram escolhidos pelos próprios Movimentos Populares como tema do Encontro e o Papa, em seu discurso, detém-se sobre cada um deles.
            Neste 3º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o segundo ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: terra é um direito sagrado.
            Ante de tudo, Francisco lembra que, “no início da criação, Deus criou o homem, guardião de sua obra, encarregando-o de cultivá-la e protegê-la”. Com muito carinho, ele afirma: “vejo que aqui há dezenas de camponeses e camponesas, e quero felicitá-los por cuidar da terra, por cultivá-la e por fazer isso em comunidade”.
            O Papa manifesta, pois, sua preocupação, dizendo: “preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sofrem o desenraizamento, e não por guerras e desastres naturais”. E profeticamente denuncia: “a apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem de sua terra natal. Essa dolorosa separação, não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção”.
Ah, se os governantes entendessem a mensagem do nosso irmão Francisco! Infelizmente, a ganância pelo deus dinheiro obceca os latifundiários, que se consideram donos absolutos da terra, muitas vezes com a conivência criminosa do Poder Público.
            Francisco continua denunciando: “a outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável”.
            A respeito da Reforma Agrária, o papa afirma: “eu sei que alguns de vocês reivindicam uma Reforma Agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixe-me dizer-lhes que, em certos países - e cito aqui o Compêndio da Doutrina Social da Igreja - ‘a Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral’ (CDSI, 300)”.
            E justamente por ser a Reforma Agrária uma necessidade política e uma obrigação moral, no Brasil e em muitos outros países, os Movimentos Populares do campo - com o apoio e a solidariedade dos Movimentos Populares da cidade - lutam e constroem a Reforma Agrária Popular. Ela “consiste na democratização da terra, prioriza a produção de alimentos saudáveis, através da agroecologia, procura desenvolver sistemas de agroindústrias no campo e sob o controle dos camponeses. Isso possibilita agregar valor aos produtos, gerando mais renda e novos postos de trabalho, sobretudo à juventude. Ainda, busca garantir condições e direitos básicos, como saúde, educação, acesso a tecnologias, cultura e lazer a toda a população do campo” (http://oglobo.globo.com/opiniao/reforma-agraria-popular-urgente-11565408).
             Ora, lutar e construir a Reforma Agrária Popular - democratizando o acesso à terra, à água e aos bens da natureza - significa também alcançar a Soberania Alimentar, que é “o direito de cada nação a manter e desenvolver os seus alimentos, tendo em conta a diversidade cultural e produtiva” (Via Campesina).
Enfim, o Papa Francisco conclui suas palavras sobre o direito sagrado à terra com um caloroso apelo aos Movimentos Populares: “por favor, continuem com a luta pela dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam  se beneficiar dos frutos da terra”.   

Leiam também os artigos “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares” e “Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Os pobres querem ser protagonistas”.


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 10 de dezembro de 2014 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Os pobres querem ser protagonistas -



          Neste 2º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o primeiro ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: os pobres querem ser protagonistas.
            Com muita clareza e objetividade, Francisco afirma: “os pobres não se contentam com promessas ilusórias, desculpas e pretextos”. São palavras que tocam numa questão-chave. A respeito dos pobres, o que mais existe são promessas ilusórias, desculpas e pretextos. Na sociedade capitalista os pobres não contam. É como se não existissem. São sobras descartáveis.
Diz ainda Francisco: “os pobres também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar. Isso é meio perigoso”. Quantas vezes as obras sociais tratam os pobres como meros objetos de assistência ou ação caritativa! Quantas vezes elas servem para anestesiar ou domesticar os pobres! As palavras do nosso irmão Francisco nos questionam a todos e a todas.
Reduzir - como fazem muitas Igrejas (comunidades, paróquias dioceses) - a Pastoral Social ou as Pastorais Sociais a obras assistenciais é fugir do verdadeiro problema, que são as causas estruturais da pobreza. Fazer Pastoral Social ou Pastorais Sociais significa, sobretudo, ser solidários e solidárias com os Movimentos Populares e participar de suas lutas, que abrem caminhos para um novo modelo de sociedade, mais justo, mais igualitário e mais de acordo com o projeto de Jesus de Nazaré. Pensemos!
Dirigindo-se diretamente aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, o Papa diz ainda: “vocês sentem que os pobres já não esperam e querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer”. Os pobres querem ser sujeitos e protagonistas de sua própria história e da história de toda a humanidade.
O papa nos explica, pois, em que consiste a verdadeira solidariedade. Ela “é muito mais que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra, de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas”. Será que nós - mesmo cristãos e cristãs - estamos lutando contra as causas estruturais da pobreza?
O papa, com extraordinário realismo, continua dizendo: “solidariedade é enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar”.
Francisco conclui: “a solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história e é isso que os Movimentos Populares fazem”. Notemos como o papa confia nos Movimentos Populares (que não são Movimentos Eclesiais) e como os valoriza!
Ora, se os Movimentos Populares praticam a solidariedade no seu sentido mais profundo, como um modo de fazer história - que é o oposto do modo de fazer história capitalista - por que será que muitas de nossas Igrejas (comunidades, paróquias, dioceses) são tão indiferentes e, muitas vezes, até resistentes em relação aos Movimentos Populares e à participação em suas lutas? A solidariedade não é o amor que acontece? E o mandamento do amor não é a mensagem central do Evangelho?
Sempre dirigindo-se aos participantes do Encontro, o papa de coração aberto reconhece: “vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades, como as que mencionei e muitas outras que me contaram. Vocês têm os pés no barro e as mãos na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta!”.
Francisco faz, pois, um veemente apelo: “queremos que se ouça a sua voz, que em geral se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas sem ir às periferias, as boas propostas e projetos, que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais, ficam no reino da ideia, é mero projeto”.
Enfim, Francisco, como um verdadeiro profeta atento aos desafios do mundo de hoje, de maneira contundente afirma: “não é possível abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos”. Num profundo desabafo, denuncia: “como é triste ver quando, por trás de supostas obras altruístas, se reduz o outro à passividade, se nega ele ou, pior, se escondem negócios e ambições pessoais: Jesus lhes chamaria de hipócritas”.
E anuncia: “ao contrário, como é lindo quando vemos em movimento os Povos, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se sente o vento da promessa que aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval de esperança. Esse é o meu desejo”. Que seja também esse o nosso desejo!
Nunca um Papa falou com tanta empatia dos Movimentos Populares e de suas lutas sociais e ambientais. Trata-se de uma verdadeira revolução na Igreja, uma revolução evangélica! Sigamos o seu exemplo!
Leiam também o artigo “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares”, em:




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                                                                                                   Goiânia, 03 de dezembro de 2014