sexta-feira, 25 de março de 2016

CFE 2016 e sustentabilidade (2ª parte)

           O discurso da sustentabilidade ou do desenvolvimento sustentável daqueles/as que apoiam e defendem o sistema capitalista neoliberal é “marketing e simulacro” (Marques Casara. O discurso do desenvolvimento sustentável, marketing e simulacro. Vida Pastoral, janeiro-fevereiro/16, p. 11). Seu objetivo, consciente ou não, é reformar (retocar) o sistema capitalista neoliberal, pintando-o de “verde”, para torná-lo - ao menos nas aparências - mais aceitável. Na realidade, apesar do discurso bonito, é uma enganação do povo, sobretudo dos pobres. A questão fundamental, que é a desumanidade e imoralidade estrutural do sistema, não se toca. Que sustentabilidade é essa!
No sistema capitalista neoliberal a única coisa sustentável são os lucros dos bancos e grandes empresas. “A racionalidade estreita do mercado capitalista, com seu cálculo imediatista de perdas e lucros, é intrinsecamente contraditória com uma racionalidade ecológica, que toma em consideração a temporalidade longa dos ciclos naturais. Não se trata de opor os ‘maus’ capitalistas ecocidas aos ‘bons’ capitalistas verdes: é o próprio sistema,  baseado na concorrência impiedosa, nas exigências de rentabilidade, na corrida atrás do lucro rápido, que é destruidor do meio ambiente” (Michael Löwy e Frei Betto. Ecossocialismo: espiritualidade e sustentabilidade III, 26/08/2011).
Como medidas históricas conjunturais - sobretudo em situações de emergência - podem ser necessárias (e é preciso lutar por elas) reformas no próprio sistema capitalista neoliberal, tendo consciência, porém, de suas ambiguidades e contradições. De um lado, as reformas aliviam o sofrimento dos excluídos/as da sociedade e estabelecem alguns limites à depredação do meio ambiente (o que é positivo); de outro lado, servem para cooptar os Movimentos Populares e os Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, amortecer a luta política e - como diz o Documento de Aparecida (DA, 385) - legitimar um “sistema econômico iniquo” (o que é negativo).
            Sabemos que o processo histórico é contraditório (dialético), É nas contradições e na superação dessas mesmas contradições que acontecem as mudanças estruturais, abrindo caminhos para a sociedade do “bem viver” e um “outro mundo possível”, que - à luz da Fé - é o projeto de Jesus de Nazaré, é o Reino de Deus na história.
A respeito da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, “o sistema hegemônico (o sistema capitalista neoliberal) encontrou mecanismos de escape. Enquanto as organizações ambientais têm o mesmo discurso há décadas, as megacorporações responsáveis pela devastação ambiental mudaram muito nos últimos anos. Passaram a adotar as mesmas falas do movimento ambientalista, trazendo o problema para si, incorporando os conceitos de ‘desenvolvimento sustentável’ e deixando o ativista em paz com o seu megafone, pois o seu discurso agora está a serviço das corporações, a serviço da propaganda do ‘consumo sustentável’, ‘ecológico’, ‘verde’, ‘responsável’, meras mercadorias”.
Na sociedade mediática do século XXI, “o consumo aparece como amálgama para unir as diferenças e colocar empresas predatórias e organizações ambientais no mesmo saco. Ambas querem um mundo ‘sustentável’, com ‘qualidade de vida’, ‘democracia’, ‘respeito à natureza’. Das 290 mil organizações não governamentais existentes no Brasil (IBGE, 2010), dezenas de milhares têm suas ações articuladas em torno da ‘sustentabilidade’. Não há ONG ‘contra’ a sustentabilidade, assim como não há empresa ou governo. A causa é um sucesso! É impossível encontrar uma grande marca de produto que não tenha ‘a busca incondicional pelo desenvolvimento sustentável’ como ‘alinhamento estratégico’ de sua conduta”.
O contexto do mundo atual “é o de produzir mais, mais e mais, cada vez mais rápido, a ponto de o próprio sujeito se ver a si próprio na condição de mercadoria, vendendo a si mesmo na bacia das almas da visibilidade mediática, pois ‘aparecer’ é condição primordial para estar vivo, para que o sujeito-objeto tenha ‘valor’. Para projeto de tamanha envergadura é preciso energia, pois sem ela o sistema colapsa. Mais energia, mais petróleo, mais gases do efeito estufa, mais consumo, mais ‘desenvolvimento’, mais velocidade, mais ‘sustentabilidade’”.  
No “consumo pintado de verde”, “há sustentabilidade para todos. A temática encaixa muito bem em diferentes plataformas” (Marques Casara, artigo citado, p. 14-15). Dentro desse contexto, se há uma contradição intrínseca entre capitalismo neoliberal e sustentabilidade, falar de desenvolvimento sustentável não é um discurso de mera conveniência oportunista? Cuidado! Podemos ser enganados.
            Com palavras muito claras, o Papa Francisco afirma: “O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se em conjunto; e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestarmos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. De fato, a deterioração do meio ambiente e da sociedade afetam de modo especial os mais frágeis (os pobres, os excluídos/as) do planeta” (Laudato Si’, 48). É uma agressão social e ambiental, que muitas vezes coexiste com um discurso “verde”.
Hoje, “não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre meio ambiente, para ouvir tanto os clamores da terra como o clamor dos pobres” (ib., 49).
Ora, como podemos falar de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, se o sistema capitalista neoliberal é - continua o Papa Francisco - “um sistema de relações comerciais e de propriedade estruturalmente perverso”? (ib., 52).
E ainda, como podemos falar de sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável, se “qualquer realidade que seja frágil, como o meio ambiente, fica indefesa face aos interesses do mercado divinizado, transformado em regra absoluta”? (O Evangelho da  Alegria - EG, 56)
            A sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável que pretende somente “reformar” o sistema capitalista neoliberal é superficial e fica só nas aparências. No fundo, é um paliativo que serve para encobrir uma injustiça social e ambiental estrutural muito mais profunda.
Enfim, essa sustentabilidade, não é uma hipocrisia? Não é uma farsa? Não é uma armadilha? Não é uma manipulação? Não é uma enganação?
Pensemos!

(Voltarei novamente sobre o assunto num outro artigo).

“Capitalismo verde não é a prevenção do colapso ambiental, apenas adia o evento”



“Sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável capitalista!
Mas esse discurso enganoso não é só para o Brasil, não!

Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 16 de março de 2016

CFE 2016 e sustentabilidade (1ª parte)


            A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 (CFE 2016) - cujo tema é “Casa comum, nossa responsabilidade” - quando no Agir (que é a terceira parte do Texto-Base) fala de “educar para a sustentabilidade”, limita-se a apontar algumas “práticas simples” (que são necessárias e não exigem grandes recursos) como: não desperdiçar a água, usar criteriosamente a água potável, apagar as luzes, separar o lixo, manter o quintal limpo, descartar adequadamente produtos eletrônicos, conectar a casa à rede de esgoto e outras. Não discute e não aprofunda - embora a mencione - a questão fundamental da educação para a sustentabilidade: “os pressupostos e consequências do desenvolvimento atual” (Texto-Base, 174). Precisamos, sim, educar para a sustentabilidade, mas qual sustentabilidade?
No final dos anos 1980, diante de um desenvolvimento tecnológico predatório - destruidor da vida humana e da natureza - começou-se a falar de “sustentabilidade”, “desenvolvimento sustentável”, “planeta sustentável”, “mundo sustentável”, “Brasil sustentável” (ou, de “ecodesenvolvimento”).
            Desde então, o discurso da sustentabilidade ou do desenvolvimento sustentável é apresentado como a solução para todos os problemas. Cuidado! Pode ser uma armadilha! Pode ser uma enganação!
Hoje, “o discurso da sustentabilidade é o vetor mediático da ecologia sobredeterminada pelo consumo, O ser humano ‘sustentável’ está docemente integrado às estruturas de dominação e mercantilização da vida, onde se é livre para fazer o que se queira, desde que se faça a coisa certa: não atrapalhar os negócios”. (Marques Casara. O discurso do desenvolvimento sustentável, marketing e simulacro. Vida Pastoral, janeiro-fevereiro/16, p. 13).
Trata-se de uma "conversão ou reconversão superficial", que busca "modos de ajustar o modelo de desenvolvimento atual para reduzir ao mínimo o impacto ambiental, sem chegar ao problema de fundo que incide sobre o que produzir, para quem e como”.  
Quando se fala de sustentabilidade, geralmente, "o que se busca é um crescimento econômico sem contaminar a natureza, porém dando sempre a prioridade ao crescimento, segundo o modelo atual de desenvolvimento“.  A sustentabilidade “sempre se move dentro do marco da ideologia do crescimento econômico ilimitado e, no que se deve 'sustentar', dá a prioridade ao desenvolvimento” (REGIDOR, J. Ramos. Ressarcir os Povos e a Natureza. Em busca de uma reconversão socioecológica da sociedade. I Encontro Latino - Americano "Cultura, Ética e Religião frente ao desafio ecológico", Buenos Aires, 2-5/12/90).
            O termo “sustentabilidade” ou “desenvolvimento sustentável” é usado - ao menos em teoria - “para definir ações e atividades humanas que visam suprir as necessidades atuais dos seres humanos, sem comprometer o futuro das próximas gerações. Ou seja, a sustentabilidade está diretamente relacionada ao desenvolvimento econômico e material sem agredir o meio ambiente, usando os recursos naturais de forma inteligente para que eles se mantenham no futuro. Seguindo estes parâmetros, a humanidade pode garantir o desenvolvimento sustentável” (http://www.suapesquisa.com/ecologiasaude/sustentabilidade.htm).
Como ações relacionadas à sustentabilidade destacam-se:
- “A exploração dos recursos vegetais de florestas e matas de forma controlada, garantindo o replantio sempre que necessário. 
- A preservação total de áreas verdes não destinadas à exploração econômica.
- Ações que visem o incentivo à produção e consumo de alimentos orgânicos, pois estes não agridem a natureza além de serem benéficos à saúde dos seres humanos.
- A exploração dos recursos minerais (petróleo, carvão, minérios) de forma controlada, racionalizada e com planejamento. 
- O uso de fontes de energia limpas e renováveis (eólica, geotérmica e hidráulica) para diminuir o consumo de combustíveis fósseis. Esta ação, além de preservar as reservas de recursos minerais, visa diminuir a poluição do ar.
- A criação de atitudes pessoais e empresariais voltadas para a reciclagem de resíduos sólidos. Esta ação além de gerar renda e diminuir a quantidade de lixo no solo, possibilita a diminuição da retirada de recursos minerais do solo.
- O desenvolvimento da gestão sustentável nas empresas para diminuir o desperdício de matéria-prima e o desenvolvimento de produtos com baixo consumo de energia.
- Atitudes voltadas para o consumo controlado de água, evitando ao máximo o desperdício.
- A adoção de medidas que visem a não poluição dos recursos hídricos, assim como a despoluição daqueles que se encontram poluídos ou contaminados”.
            Como benefícios relacionados à sustentabilidade destacam-se:
- “A adoção de ações de sustentabilidade garante, a médio e longo prazo, um planeta em boas condições para o desenvolvimento das diversas formas de vida, inclusive a humana.
- Garante os recursos naturais necessários para as próximas gerações, possibilitando a manutenção dos recursos naturais (florestas, matas, rios, lagos, oceanos) e uma boa qualidade de vida para as futuras gerações” (ib.).

            Atualmente o discurso da sustentabilidade ou desenvolvimento sustentável é usado seja por aqueles e aquelas que - buscando torná-lo mais aceitável - querem “reformar” (retocar) o sistema capitalista neoliberal pintando-o de “verde”, seja por aqueles e aquelas que - reconhecendo a iniquidade estrutural do sistema - querem mudá-lo, abrindo caminhos para um projeto de mundo e de sociedade alternativo.         (Voltarei sobre o assunto  em outro artigo).


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 09 de março de 2016


quinta-feira, 10 de março de 2016

CFE 2016: oremos a Vida


         A Campanha da Fraternidade Ecumênica 2016 (CFE 2016) convida-nos a orar a Vida, inspirados e inspiradas, na “Oração Ecumênica para a Campanha da Quaresma” na Alemanha, na “Oração da CFE 2016”, na “Oração do Hino da CFE 2016” e na “Oração do Pai Nosso” (versão ecumênica).
          Na “Oração Ecumênica para a Campanha da Quaresma” na Alemanha (elaborada de forma conjunta por Misereor, organização católica, Pão Para o Mundo e organização luterana, com a participação do CONIC) - em diálogo com Deus e em irmandade ecumênica - do mais profundo do coração oremos: o estado deplorável em que se encontra a Terra, a urgência de assumirmos a responsabilidade do cuidado para com a nossa Casa Comum e a ajuda de Deus que nos fortalece para que - como profetas e profetisas - denunciemos todas as formas de exploração econômica e preparemos o caminho para o Bem Viver.
         “Deus, justo e misericordioso, a Tua Terra, nossa Casa Comum, está em um estado deplorável. Milhões de pessoas sofrem com a fome. Em muitos lugares, o direito à moradia, à água e ao saneamento básico, o direito à autodeterminação econômica, social e cultural é largamente desrespeitado.
Estas realidades são difíceis de suportar. Assustam-nos. Fechamos os olhos e a sensação de que ‘não há nada que eu possa fazer’ é forte. Paralisa-nos. Queremos sair dessa armadilha. Queremos acolher o dom da Tua Criação e assumir a responsabilidade por ela.
Por isso, necessitamos da Tua ajuda e Te rogamos: Que o cuidado para com a nossa Casa Comum nos dê uma voz forte para denunciar todas as formas de exploração econômica. Que o saneamento básico e a água potável limpa se tornem acessíveis para todos os cidadãos e todas as cidadãs. Que Tu fortaleças a nossa esperança, para que o direito e a justiça virem realidade. Que nós, teus filhos e tuas filhas, sejamos profetas e profetisas, preparemos o caminho para o Bem Viver e que estabeleçamos, através das nossas palavras e das nossas ações, relações dignas entre as pessoas, para com a Criação e para contigo, Deus. Amém!” (Texto-Base, 19).
       Na “Oração da CFE 2016” oremos: o Deus da vida, a corresponsabilidade das Igrejas e o seguimento de Jesus.
         “Deus da vida, da justiça e do amor, Tu fizeste com ternura o nosso planeta, morada de todas as espécies e povos.
Dá-nos assumir, na força da fé e em irmandade ecumênica, a corresponsabilidade na construção de um mundo sustentável e justo para todos.
No seguimento de Jesus, com a Alegria do Evangelho e com a opção pelos pobres. Amém!” (ib. 28).
Na “Oração do Hino da CFE 2016” oremos (cantando): o tempo favorável para a conversão e a construção da Casa Comum, a beleza da criação de Deus, a pressa da justiça e da paz, da saúde e do amor, e o sonho de ver o pobre e excluído sentar-se à mesa da fraternidade.
Quero ver, como fonte o direito a brotar, A gestar tempo novo: e a justiça,
Qual rio em seu leito, dar mais vida pra vida do povo (refrão).
  1. Eis, ó meu povo o tempo favorável Da conversão que te faz mais feliz;
    Da construção de um mundo sustentável, ‘Casa Comum’ é teu Senhor quem diz:
  2. Eu te carrego sobre as minhas asas Te fiz a terra com mãos de ternura;
    Vem, povo meu, cuidar da nossa casa! Eu sonho verde, o ar, a água pura.
  3. Te dei um mundo de beleza e cores, Tu me devolves esgoto e fumaça. Criei sementes de remédio e flores; Semeias lixo pelas tuas praças.
  4. Justiça e paz, saúde e amor têm pressa; Mas, não te esqueças, há uma condição: O saneamento de um lugar começa Por sanear o próprio coração.
  5. Eu sonho ver o pobre, o excluído Sentar-se à mesa da fraternidade; Governo e povo trabalhando unidos Na construção da nova sociedade” (ib. contracapa).
Na “Oração do Pai Nosso” - que Jesus nos ensinou e que, para nós cristãos e cristãs, é a Oração mais bonita, mais singela, mais simples e mais completa - sempre em irmandade ecumênica oremos: a vinda do Reino do Pai, o pão nosso de cada dia, o perdão de Deus e dos irmãos e irmãs, e a libertação do mal.
“Pai nosso que estás nos céus. Santificado seja o teu nome, venha a nós o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje, perdoa-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
E não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal, pois teu é o reino,
o poder e a glória para sempre. Amém!” (ib. 28).

Por fim, façamos nosso o pedido de Jesus: “que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti; que também eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo 17,21).
Que todos e todas os cristãos e cristãs - discípulos missionários e discípulas missionárias de Jesus - vivamos intensamente o sentido da Quaresma e da CFE 2016!
Quero ver o direito brotar como fonte e correr a justiça qual riacho que não seca” (Am 5,24).
Leia também o artigo: CFE: Casa comum, nossa responsabilidade, em http://www.dm.com.br/opiniao/2016/02/cfe-2016-casa-comum-nossa-responsabilidade.html;



Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

quarta-feira, 2 de março de 2016

Violência policial no Estado de Goiás


A Mensagem “Denúncia da Violência Policial no Estado de Goiás”, do dia 18 do mês corrente, inicia dizendo: “Enviamos esta Mensagem como forma de denúncia do que vem ocorrendo no Estado de Goiás. A polícia militar goiana já é conhecida por sua truculência, contudo, nos últimos meses e, particularmente nos últimos dias, a violência policial tem se intensificado de maneira desavergonhada”.
Como prova disso, a Mensagem traz três relatos de fatos recentes. Primeiro relato: “Na segunda-feira, dia 15/02 estudantes ocuparam a sede da Secretaria de Educação, Cultura e Esporte  (Seduce)  como forma de protesto contra a abertura dos envelopes com as propostas das Organizações Sociais (OSs) ‘qualificadas’ para gerirem 23 Escolas da rede pública estadual, que aconteceu a portas fechadas, violando o princípio da transparência, e em local diverso do previsto no Edital, caracterizando mais uma ilegalidade. Minutos após a ocupação, a Polícia Militar adentrou o prédio e prendeu os 31 manifestantes, dos quais 13 adolescentes e 18 adultos. Os advogados do movimento foram impedidos de entrar no local e acompanhar a operação, o que viola os direitos assegurados aos advogados no art. 7º da Lei 8.906/94, dentre os quais o de ter garantida a sua comunicação com os seus clientes, mesmo quando detidos e considerados incomunicáveis. As 3 mulheres detidas foram encaminhadas para o 14º Distrito Policial e os 15 homens para a DEIC - Delegacia de Investigações Criminais, onde passaram a noite. Na DEIC, por não haver vagas nas celas, os manifestantes dormiram no pátio, ao relento, e não foi permitida a entrada de colchonetes. A eles somente foi liberado o consumo de água”.
Continua a Mensagem: “Dentre os presos estava o professor do curso de História, da UFG (Goiânia), Rafael Saddi. Rafael contou que estava próximo ao prédio da Seduce, mas não participava da ocupação. Ele estava na condição de observador da ação policial para  ‘garantir que nenhum secundarista fosse machucado’. Quando chegou no prédio, os policiais mandaram-no deitar no chão e o algemaram. Depois disso, um policial ainda apontou o dedo na cara dele e disse: ’ah, você é aquele professor da UFG que estava falando coisas né’... ou seja, trata-se de uma prisão política deliberada de um intelectual que vinha denunciando os abusos desse processo de implantação das OSs no Estado”.
Segundo relato: “Na quarta-feira (17/02) no período da tarde, no centro de Goiânia (cruzamento da Av. Goiás com a Rua Três), durante uma manifestação contra o aumento da passagem de ônibus, a PM espancou uma garota até ela desmaiar. Vários adolescentes foram presos por ‘P2’ infiltrados e sem identificação alguma. A polícia cercou todos os manifestantes e não deixaram dispersar, vários foram presos e muitos apanharam. A moça desmaiada foi levada para dentro de um hotel por vários policiais, todos homens, que não deixavam ninguém se aproximar”.
Observa, pois, a Mensagem: “em 3 dias contabilizou-se 47 presos políticos; 18 foram liberados hoje (17/02) a tarde”.
Terceiro relato: “No período da noite (20:50h), também do dia 17/02, recebemos o seguinte comunicado de um dirigente estadual do MST (GO): "Companheirada, neste momento está em andamento a operação de despejo do acampamento Padre Jordá, em Itapaci-GO contrariando todos os acordos e entendimentos, inclusive normas sobre reintegração de posse que impede o comprimento de liminar após as 18h. Nem o coronel Edson e o Mota estão conseguindo retirar a tropa do local e abortar o processo. Ficamos todos e todas em alerta”.
Quinta-feira (18/02), pela manhã, “recebemos a confirmação que as famílias do acampamento Pe. Jordá (Itapaci-GO), foram despejadas, contrariando acordos, entendimentos e normas de reintegração de posse”.
Diz ainda a Mensagem: “Seja na cidade, que no campo o coronel Marconi Perillo (PSDB) não se constrange em dispor da violência contra aqueles que ousam se manifestar contra suas ações!”.
A Mensagem conclui afirmando: “Entendemos ser urgente que tais fatos se tornem conhecidos nacional e internacionalmente. A imprensa local é majoritariamente cooptada pelo Governo do Estado. Pedimos apoio na divulgação, bem como que contribuam provocando o posicionamento das entidades/instituições (via publicação de notas de repúdio, indignação, notícias, etc...) com as quais mantém contato. É absurda a situação de violência do Estado de Goiás, via seu braço armado, a Polícia Militar”.
Tudo indica que em Goiás a ditadura civil e militar não acabou. Que atraso cultural e ético! A mensagem termina com as palavras: “Há resistência, há vida!”.
Assinam a Mensagem: Fabiana Itaci C. Araujo, Psicóloga e Profa. UFG/Regional Goiás; Luís Augusto Vieira, Assistente Social e Prof. UFG/Regional Goiás; Frei José Fernandes Alves, OP, Membro da Comissão Justiça e Paz da CNBB; Irmã Maria Madalena dos Santos, OP, Coordenadora da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil; Irmã Sandra Camilo Ede, OP, Coordenadora da CRB/Regional Goiânia e o autor deste artigo, Frei Marcos Sassatelli, OP, Prior do Convento dos Frades Dominicanos de Goiânia.
A Mensagem faz, pois, um apelo, dizendo: “Aos que desejarem replicar  e assinar essa mensagem em suas listas de contatos, sintam-se a vontade”.
Enfim, comunicamos que a Mensagem foi divulgada na Assembleia da OEA no mesmo dia em que foi redigida (18/02). Um outro Goiás é possível e necessário! A esperança nunca morre! 
O texto da Mensagem, citado neste artigo, pode ser encontrado em:




Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 24 de fevereiro de 2016

Ocupação “Sonho Real”: 11 anos se passaram


Escrevi diversos artigos sobre a Ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, que podem ser acessados na internet.
16 de fevereiro de 2005 tornou-se o símbolo da maior barbárie humana de toda a história de Goiânia: um verdadeiro massacre praticado com requintes de crueldade. Fazer a memória dos principais fatos dessa barbárie renova a nossa esperança num “outro mundo possível”.
Retomo alguns dados do artigo de fevereiro de 2015 “Parque Oeste Industrial: 10 anos de impunidade” e faço algumas reflexões
À época, apesar de o governador Marconi Perillo ter prometido publicamente que não iria mandar retirar as famílias da Ocupação “Sonho Real” e que estava decidida a desapropriação da área, de 6 a 15 de fevereiro de 2005, de 0 às 6h, a Polícia Militar do Estado de Goiás começou a ação de reintegração de posse, realizando a cinicamente chamada "Operação Inquietação", que foram dez dias de tortura física e psicológica coletiva. Cercou a área com viaturas, impediu a entrada e a saída de pessoas e cortou o fornecimento de energia elétrica. Com as sirenes ligadas, com o barulho de disparos de armas de fogo, com a explosão de bombas de efeito moral, gás de pimenta e lacrimogêneo, a Polícia Militar promoveu o terror entre os Moradores da Ocupação e provocou traumas psicológicos nas crianças.
Após a “Operação Inquietação”, no dia 16 de fevereiro de 2005, a Polícia Militar do Estado de Goiás realizou uma verdadeira Operação Militar de Guerra, também cinicamente chamada "Operação Triunfo". Em uma hora e quarenta e cinco minutos, cerca de 14 mil pessoas foram despejadas de suas moradias de maneira violenta, truculenta e sem nenhum respeito pela dignidade da pessoa humana. A Operação Militar produziu duas vítimas fatais (Pedro e Vagner), 16 feridos à bala, tornando-se um desses paraplégico (Marcelo Henrique) e 800 pessoas detidas (suspeita-se com razão que o número dos mortos e feridos seja bem maior). Que maldade! Que iniquidade!
Se na nossa sociedade houvesse um mínimo de justiça, os responsáveis por essa barbárie - o governador e seus colaboradores diretos - deveriam estar na cadeia.
Como já disse outras vezes, nessas Operações Militares criminosas, ilegais, inconstitucionais e imorais todos os Direitos Humanos fundamentais foram gravemente violados: o Direito à Vida, o Direito à Moradia, o Direito ao Trabalho, o Direito à Saúde, o Direito à Alimentação e à Água, os Direitos da Criança e do Adolescente, os Direitos da Mulher, os Direitos dos Idosos e os Direitos das Pessoas com Necessidades Especiais.
Depois do despejo forçado e violento, e depois de passar uma noite acampadas na Catedral de Goiânia - onde aconteceu também o velório de Vagner e Pedro num clima de muita indignação e sofrimento - cerca de mil famílias (aproximadamente 2.500 pessoas), que não tinham para onde ir, ficaram alojadas nos Ginásios de Esportes dos Bairros Novo Horizonte e Capuava (por mais de três meses) e, em seguida, no Acampamento do Grajaú (por mais de três anos) como verdadeiros refugiados de guerra. Nesse período, diversas pessoas - sobretudo crianças e idosos - morreram em consequência das condições subumanas de vida, vítimas do descaso do Poder Público do Estado de Goiás e da Prefeitura de Goiânia.
No dia 16 do mês corrente, a barbárie do Parque Oeste Industrial completou 11 anos de impunidade. Que vergonha para Goiás! À época, o principal responsável por essa barbárie foi o governador Marconi Perillo, o mesmo que hoje - de maneira cínica, arrogante, demagógica e ditatorial - quer impor as assim chamadas “Organizações Sociais” (OSs) na gestão da Saúde e da Educação Públicas, mesmo que a grande maioria dos agentes da saúde, dos educadores, dos estudantes, dos Movimentos Populares urbanos e rurais, dos Sindicatos e da sociedade civil organizada seja contra.
Atualmente, em Goiás, defender a Educação Pública de qualidade é crime e caso de polícia. No início da noite do dia 15 deste mês (depois de um ato público na parte da manhã e depois que a Secretaria da Educação tinha sido desocupada no início da tarde) 40 pessoas ocuparam novamente a Secretaria para protestar contra as OSs. O governador Marconi Perillo mandou a tropa de choque da Polícia Militar para - com o apoio do Batalhão de Operações Especiais (Bope) e do Grupo de Radiopatrulha Aérea (Graer) - desocuparem o prédio da Secretaria. A Polícia levou 18 manifestantes maiores de idade e 13 menores para a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas (Draco). Durante a Operação representantes da OAB-GO foram impedidos de entrar no prédio.
Em seguida, os 13 menores foram levados para a Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai) e liberados no mesmo dia; os 18 maiores de idade foram levados para a Delegacia de Investigações Criminais (Deic) e liberados dois dia depois. Que absurdo! Que atraso!
Por fim, lembre-se o governador Marconi Perillo - o principal responsável da barbárie do Parque Oeste Industrial - que poderá escapar da “justiça” humana, mas não escapará da justiça divina, que nunca prescreve. Aguarde!
Ainda a respeito do Parque Oeste Industrial, renovo o pedido (já feito anteriormente), que é, ao mesmo tempo, uma advertência: não adquiram apartamentos nos empreendimentos imobiliários, localizados no terreno onde existia a Ocupação “Sonho Real”. Ninguém pode ser feliz num apartamento construído em cima de um terreno ensopado de sangue inocente dos pobres, por causa da ganância dos ricos e para fins de especulação imobiliária. É um terreno que só voltará a ser abençoado por Deus se for desapropriado por interesse social e utilizado para a realização de obras (como hospital, escola, moradia, área de lazer) em benefício dos trabalhadores.
Vivemos - diz o Papa Francisco - em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que as Ocupações pobres são marginalizadas ou, pior, quer-se erradicá-las! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando barracos, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje” (Discurso de Francisco aos Movimentos Populares, Roma, outubro de 2014). Meditemos!
O “Sonho Real” está vivo! Ele continua! É o Sonho da sociedade do bem viver! É o Sonho de Jesus de Nazaré! É o Sonho do Reino de Deus na história!

Leia na internet o artigo “16 de fevereiro de 2005: uma data que não pode ser esquecida” (fevereiro de 2014).

 


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 17 de fevereiro de 2016