“Cordeiro
de Deus, que tirais o ‘pecado do mundo’, tende piedade de nós!”
Os naufrágios de migrantes são hoje uma
das faces mais cruéis do “pecado do mundo”: pecado social,
pecado estrutural.
Na última semana de maio, aconteceram três
naufrágios de migrantes, que faziam a rota entre a Líbia e a
Itália, com pelo menos 1000 mortes.
Segundo estimativa feita pela Organização
Internacional para a Migração (OIM), o número de mortes este ano
na travessia do Mediterrâneo cresceu 34% em comparação com os
cinco primeiros meses de 2015. A entidade - com base nos relatos dos
sobreviventes - estima que até o dia 29 de maio, 2.443 pessoas
morreram ou desapareceram nas diferentes rotas no Mediterrâneo..
Sempre segundo cálculos da OIM, os mortos
entre 1º de janeiro e 31 de maio do ano passado, foram 1.828. Em
2015 como um todo o número de pessoas estimadas mortas no local foi
3.770.
Federico Soda, da OIM em Roma, diz: “Essa
é uma emergência humanitária no deserto e no mar, onde milhares
estão morrendo (...). Sem o notável trabalho de equipe de resgate,
o número de mortes seria maior”.
Stefanos, um jovem eritreu, que sobreviveu
a um dos naufrágios da última semana de maio, relata: “A água
estava entrando no barco, mas tínhamos uma bomba para tirá-la.
Quando acabou o combustível da bomba, pedimos mais ao capitão do
barco à nossa frente (e que rebocava o segundo), mas ele disse
‘não’. Neste momento, não tínhamos mais nada o que fazer.
Havia cerca de 35 mulheres e 40 crianças perto de mim: todas
morreram” (Folha de S. Paulo, 1º de junho de 2016, p. A9).
Defensores dos direitos dos imigrantes
reivindicam a abolição de uma lei que criminaliza a imigração
ilegal. "Emigrar não é um crime”. Zeid Ra'ad Al Husein, Alto
Comissário da ONU para os Direitos Humanos, criticou duramente as
políticas migratórias "cínicas" adotadas pela União
Europeia (UE). “A Europa dá as costas aos emigrantes mais
vulneráveis do mundo e corre o risco de transformar o Mediterrâneo
em um vasto cemitério".
Zeid exortou os governos dos países da UE
a adotarem "um enfoque mais corajoso e menos cínico",
acusando-os de ceder aos movimentos xenófobos em ascensão no bloco.
Ele criticou também a falta de vias legais implantadas para os
emigrantes e demandantes de asilo. "Estou horrorizado, mas não
surpreso com a tragédia". "Estes mortos e as centenas que
os precederam nos últimos meses eram previsíveis". Destacou
que as mortes eram o resultado do fracasso da governança e de uma
"imensa falta de compaixão". Elhadj As Sy, presidente da
Federação Internacional da Cruz Vermelha, criticou a posição da
UE e lançou um apelo para "por um fim à indiferença que
transforma o Mediterrâneo em um grande cemitério".
(http://www.opovo.com.br/app/opovo/mundo/2015/04/21/noticiasjornalmundo,3425954/alto-comissario-da-onu-diz-que-mediterraneo-pode-virar-vasto-cemiterio.shtml).
Quanta crueldade! Quanta desumanidade!
Com frequência, os migrantes fazem a
travessia em embarcações pouco resistentes, superlotadas, sem
coletes salva-vidas e com combustível insuficiente. Tommaso Fabri,
da ONG Médicos Sem Fronteiras (MSF) da Itália, afirma: “Passou da
hora de a Europa ter coragem de oferecer uma alternativa segura que
permita que essas pessoas venham sem colocar vidas em risco” (Folha
de S. Paulo, 30 de maio de 2016, p. A8).
O Papa Francisco, em julho de 2013,
escolheu Lampedusa (ilha italiana do Mediterrâneo, entre a Sicília
e a costa da Tunísia e da Líbia), uma das principais portas de
entrada para a União Europeia, para a sua primeira viagem fora de
Roma. Essa escolha é altamente simbólica para um Papa que colocou
os pobres e os excluídos no centro do seu pontificado.
Com sua visita, o Papa Francisco quis
sensibilizar a ilha de 6000 habitantes e o país para a necessidade
de acolher essas pessoas e garantir os seus direitos. Ao mesmo tempo
que elogiou Lampedusa como "exemplo para todo o mundo",
pediu: “tende a coragem de acolher aqueles que procuram uma vida
melhor”.
Apelou a um "despertar das
consciências" para combater a "globalização da
indiferença" em relação aos imigrantes e lamentou: "perdemos
o sentido da responsabilidade fraterna e esquecemo-nos de como chorar
os mortos no mar”. “Ninguém chora estes mortos". Criticou
“os traficantes" que "exploram a pobreza dos outros"
e desabafou: “o resto da Itália e a Europa têm de ajudar-nos!”.
Enfim, lançou um apelo à Igreja para que cumpra, com dedicação e
amor, sua missão de servir os
imigrantes.
Em 3 de outubro de 2013, o papa Francisco
chamou de "vergonha" o naufrágio que matou pelo menos 92
imigrantes procedentes da África e pediu a todos os fiéis que rezem
por eles e por todos os refugiados do mundo. "Tenho que
mencionar as numerosas vítimas deste enésimo naufrágio. A palavra
que me vem à mente é vergonha. É uma vergonha".
No início de julho de 2014, o Papa
escreveu uma mensagem à Arquidiocese de Agrigento para fazer a
memória do primeiro aniversário da sua visita à Lampedusa - que
foi lida na Praça Garibaldi da ilha durante as cerimônias que
evocaram a visita de Francisco - lamentando, mais uma vez, a “lógica
da indiferença” perante os naufrágios que continuam a acontecer
no Mediterrâneo.
“Um ano depois, o problema da imigração
está se agravando e outras tragédias seguiram-se, infelizmente, a
um ritmo acelerado. O nosso coração tem dificuldades em aceitar a
morte desses nossos irmãos e irmãs, que enfrentam viagens
extenuantes para fugir dos dramas, da pobreza, das guerras, dos
conflitos, muitas vezes ligados às políticas internacionais”.
Em sua mensagem, Francisco diz ainda
regressar “espiritualmente” ao Mediterrâneo para “chorar com
quantos estão na dor” e para “lançar as flores da oração de
sufrágio pelas mulheres, os homens e as crianças que são vítimas
de um drama que parece não ter fim”. “Tudo isso deve ser
enfrentado não com a lógica da indiferença, mas com a lógica da
hospitalidade e da partilha, a fim de tutelar e promover a dignidade
e a centralidade de cada ser humano”.
Na Sexta-feira Santa de 2016, Francisco -
numa bonita Oração - dedicou parte de sua mensagem aos naufrágios
dos migrantes: “Ó Cruz de Cristo, vemos-te ainda hoje no nosso
Mediterrâneo e no Mar Egeu feitos um cemitério insaciável, imagem
da nossa consciência insensível e narcotizada”.
Meditemos as palavras, cheias de ternura e
amor, do Papa Francisco! Não podemos ser insensíveis e indiferentes
diante dessa tragédia humana! É um crime, que clama a Deus por
justiça!
Todos e todas podemos fazer algo. “Vitória,
tu reinarás! Ó Cruz, tu nos salvarás!
Fr.
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor
em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor
aposentado de Filosofia da UFG
E-mail:
mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia,
15 de junho de 2016
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