quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Tomás, presente! Sua luta, é nossa luta!


 

 

 Sessão Solene
em Homenagem a Dom Tomás Balduino,
na abertura do Centenário de seu nascimento.
Câmara Federal, 28/11/22  


Neste Ato, represento a Província dos Frades Dominicanos Frei Bartolomeu de Las Casas do Brasil. Tomás era Frade Dominicano.

Antes de tudo:

  • saúdo e parabenizo os Trabalhadores e Trabalhadoras desta Casa - a Câmara Federal - que, com seu trabalho silencioso e dedicado, possibilitaram a realização desta Sessão Solene em Homenagem a Dom Tomás Balduino, o Mestre Solidário, na abertura do Centenário de seu nascimento.
  • saúdo e parabenizo também a querida Dona Nena - irmã de D. Tomás - e os familiares presentes;
  • saúdo e parabenizo, pois, o Deputado Federal Vicentinho, autor da proposta de Homenagem e demais Deputados Federais que - com o apoio da Comissão Brasileira Justiça e Paz da CNBB - nos convidaram a todos e todas para participarmos - presencialmente ou online -  dessa Sessão Solene;
  • saúdo e parabenizo, enfim, todos os irmãos e irmãs, companheiros e companheiras de caminhada e de luta, que nos acompanham.

Na minha breve mensagem destaco - entre outras -  quatro qualidades que marcaram a história de vida de Tomás (já destacadas em dezembro de 2012, por ocasião de seus 90 anos de idade, no artigo “Dom Tomás, pastor - profeta do nosso tempo”).

Destaco também - sempre entre outras - três causas que Tomás defendeu (já destacadas em maio de 2017, fazendo a memória dos primeiros três anos da Páscoa definitiva de Tomás, no artigo “Dom Tomás, sua luta continua”).

As 4 qualidades de Tomás:

  • sua profunda sensibilidade humana;
  • sua extraordinária perspicácia na escuta dos sinais dos tempos;
  • sua prática radicalmente profética;
  • e sua fé inabalável na utopia do Reino de Deus, que é a Boa-Notícia de Jesus de Nazaré, seu Projeto de vida”. 

As 3 causas de Tomás:

  • a Igreja Renovada e Libertadora;
  • a Reforma Agrária Popular;
  • e os Povos Indígenas”.

A respeito da primeira causa - a Igreja Renovada e Libertadora - Tomás, à luz do Concílio Ecumênico Vaticano II e da Conferência de Medellín, sonhou com uma Igreja renovada, libertadora e realmente evangélica; com uma Igreja Povo de Deus e toda ministerial; com uma Igreja Comunhão; com uma Igreja pobre, para os pobres, com os pobres e dos pobres: o jeito de ser Igreja das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que é hoje o jeito de ser Igreja das primeiras Comunidades Cristãs.

A respeito da segunda causa - a Reforma Agrária Popular - Tomás sempre foi solidário e deu total apoio aos trabalhadores e trabalhadoras que lutavam pelo direito à terra - terra de trabalho e terra de moradia - e pelo direito a uma agricultura familiar e comunitária agroecológica.

A respeito da terceira causa - os Povos Indígenas - Tomás sempre lutou pela demarcação das terras dos Povos Indígenas, pela valorização de sua cultura, de suas tradições e do seu jeito comunitário de viver, que é a sociedade do “bem-viver” e “bem-conviver”, sinal concreto do Reino de Deus.

Concluindo, Tomás foi um homem profundamente humano e evangélico, que doou sua vida a serviço dos Pobres, da Justiça e dos Direitos Humanos. Sua atuação marcou profundamente a Diocese de Goiás e todos os lugares por onde ele passou.

Tomás foi personagem fundamental no processo de criação do Conselho Indigenista Missionário (CIMI), em 1972, e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 1975.  Nas duas Instituições, Tomás sempre teve atuação destacada, tendo sido presidente do CIMI, de 1980 a 1984 e presidente da CPT de 1999 a 2005. A Assembleia Geral da CPT, em 2005, o nomeou Conselheiro Permanente.

Lutar por um mundo mais justo, mais igualitário, mais humano e mais fraterno, significa lutar pelo Reino de Deus, que é o Projeto de vida de Jesus de Nazaré, que é a missão da Igreja. Pelo seu testemunho de vida, a Igreja deve ser no mundo sinal visível do Reino de Deus.

Tomás, seu testemunho, sua profecia, sua esperança e sua memória continuam hoje na vida de tantos irmãos e irmãs nossos do campo e da cidade. Repetimos com você, Tomás: “Direitos Humanos não se pede de joelhos, exige-se de pé”.

Tomás, presente! Sua luta, é nossa luta!


(Dom Tomás Balduino:
Nascimento: Posse - GO, 31 de dezembro de 1922
Páscoa definitiva: Goiânia - GO, 02 de maio de 2014.
Bispo de Goiás: 1967 - 1998)
 
 
Frei Marcos Sassatelli, OP
Brasília - DF: Câmara Federal
28 de novembro de 2022








domingo, 13 de novembro de 2022

O Ser humano no mundo


 

O que é o Ser humano? De onde ele vem? Para onde ele vai? São estas as perguntas fundamentais (indagações) que todos e todas nós nos colocamos.

Podemos dizer que de imediato, o Ser humano percebe-se (descobre-se) a si mesmo como um “ser-no-mundo” (“ser mundano”: parte integrante do mundo). Enquanto tal, percebe-se também como um “ser-no-espaço” e um  “ser-no-tempo”. A “mundanidade” - “espacialidade” e “temporalidade” - é a condição existencial do Ser humano e de todos os seres. O que significa, porém, para o Ser humano “ser-no-mundo" (“ser-mundo"), “ser-no-espaço” (“ser-espaço”) e “ser-no-tempo” (“ser-tempo”)?

Por “mundo” entendemos a Terra (a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum) com tudo o que nela existe, ou o Universo com tudo o que nele existe, incluindo a Terra. (Hoje, hipoteticamente, fala-se até de “Multiverso”: um conjunto de universos possíveis, incluindo o nosso, ou de “Multiversos”).

Seja num caso como no outro, a palavra “mundo” tem vários significados, mas todos fazem referência a uma totalidade:

- "A totalidade das coisas existentes (qualquer que seja o significado de existência) e neste sentido a palavra emprega-se sem adjetivos;

- A totalidade de um campo ou de mais campos de investigação (de atividade) ou de relações como quando se diz: 'mundo físico' ou 'mundo histórico' ou 'mundo artístico' ou 'mundo dos negócios' ou também 'mundo sensível', isto é, atingível pelos órgãos sensoriais ou 'mundo intelectual', isto é, atingível pelos instrumentos intelectuais. Neste sentido fala-se também de 'mundo ambiente' para indicar o conjunto das relações de um ser vivente com as coisas que o circundam ou a situação em que se encontra; mas a palavra não tem significado diverso de ambiente;

- A totalidade de uma cultura como quando se diz 'mundo antigo' ou 'mundo moderno' ou 'mundo primitivo' ou 'mundo civil';

- Uma totalidade geográfica como quando se diz 'novo mundo' (...) ou 'velho mundo' (...)" (Abbagnano, N. Mundo. Em: Dicionário de Filosofia. Mestre Jou, São Paulo, 19822, p. 657.

Os significados da palavra "mundo" apresentados e outros podem ser reduzidos aos dois primeiros: o mundo como totalidade de tudo o que existe (na Terra ou no Universo) e o mundo como totalidade particular ou totalidade de campo: a totalidade do mundo físico, a totalidade do mundo biológico, a totalidade do mundo humano, etc. Uma totalidade cultural ou uma totalidade geográfica é também uma totalidade particular ou de campo. As totalidades particulares ou de campo são as mais diversas e - quanto ao conteúdo - podem ser mais ou menos abrangentes.

Por exemplo, o "mundo humano" - como vimos - é uma totalidade particular ou de campo, mas, no mundo humano, temos totalidades mais particulares ainda como o "mundo social" (sócio-econômico, sócio-político, sócio-ecológico, sócio-cultural, sócio-religioso) e o "mundo individual" (corpóreo, bio-psíquico, espiritual ou pessoal) com suas relações sociais.

Portanto, para o Ser humano - enquanto totalidade particular ou de campo - “ser-no-mundo", “ser-mundo” (“ser-na-Terra”, “ser-Terra” ou “ser-no-Universo”, “ser-Universo”), significa ser na totalidade das coisas existentes, ser parte integrante dessa totalidade.

Como já dissemos, o mundo, por ser uma realidade concreta, é uma realidade espacial e temporal. A "espacialidade" e a "temporalidade" fazem parte da "mundanidade" e, por isso, são também constitutivas do Ser humano e de todos os seres existentes.

O que significa, pois, “ser-no-espaço” (“ser-espaço”) e “ser-no-tempo” (“ser-tempo”)? Para o Ser humano e todos os seres, “ser-no-espaço” (“ser-espaço”) significa ser em todos os espaços de sua existência; “ser-no-tempo” (“ser-tempo”) significa ser em todos os tempos de sua existência.

Por fim, o mundo como a totalidade de tudo o que existe (na Terra ou no Universo), é uma realidade objetiva, concreta; tem uma constituição ou estrutura com consistência própria, com funcionamento próprio e com sentido ou valor próprio, independentemente da consciência do Ser humano. A totalidade material e orgânica do mundo existe, funciona e tem sentido. "antes" (do ponto de vista lógico e não necessariamente cronológico) do Ser humano ter consciência de “ser-no-mundo". O Ser humano no mundo, por ser racional, pode (como veremos) dar um novo sentido ao mundo ou desrespeitar e “profanar” o sentido que o mundo já tem.

No próximo artigo refletiremos sobre o Ser humano como um “ser-com-o-mundo” (“ser-com-o-espaço” e “ser-com-o-tempo”).



Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 10 de novembro de 2022



O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-no-mundo/?amp=1



terça-feira, 8 de novembro de 2022

Governo Lula - Conselho Político Popular

 


Presidente Lula, parabéns pela sua vitória, que é também a vitória de muitos e muitas de nós: a vitória da Democracia, a vitória do Brasil.

Irmão e Companheiro Lula, o seu Governo - como todos os Governos democráticos - deverá, antes de tudo, cumprir a Constituição Federal, dialogando, sempre com o Congresso (Senado e Câmara), o Judiciário e - em nível Estadual e Municipal - os Governadores e os Prefeitos.

Além disso, por estarmos na mesma caminhada, a partir de minha longa experiência de Trabalho de Base e com a única intenção de colaborar, tomo a liberdade de - publicamente - dar a você Lula e aos demais membros do seu novo Governo uma sugestão concreta: criem - em caráter extraoficial - o Conselho Político Popular - CPP (um Conselho nacional permanente, com reuniões periódicas), para assessorá-los, garantindo inclusive o permanente contato com o Trabalho de Base.  

O CPP deve ser formado por representantes - eleitos por eles e elas - dos Movimentos Sociais Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Partidos Políticos Populares, Organizações dos Povos Indígenas e Quilombolas, Comitês ou Fóruns de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum e outras Organizações Populares (com seus “intelectuais orgânicos”), que - mesmo tendo, em determinados aspectos, visões diferentes (deverão ser respeitadas e valorizadas) - estão unidos e unidas na luta por um Projeto Político alternativo ao Projeto Político Capitalista Neoliberal: o Projeto Político Popular.

Lula, pessoalmente, penso que a sua atuação política e a dos demais do seu Governo devem acontecer em duas grandes frentes de trabalho: a conjuntural e a estrutural.

  • Na frente conjuntural, vocês devem enfrentar corajosamente a situação (que se tornou dramática) de fome, de miséria, de pobreza e falta de condições de vida digna, em que vive a maioria doe trabalhadores e trabalhadoras. Trata-se de uma situação tão perversa e tão desumana, que clama diante de Deus e não pode esperar.     
  • Na frente estrutural, vocês devem dar passos históricos concretos marcantes e significativos no caminho que - a médio e longo prazo - levará:

o   à superação do Projeto Político Capitalista Neoliberal, que é de uma desigualdade e injustiça legalizadas e institucionalizadas gritantes e (o que é pior) legitimadas - hipócrita e diabolicamente - em nome da Natureza (é natural!) e de Deus (é vontade de Deus!);

e, ao mesmo tempo:

o   à implantação do Projeto Político Popular, que quer ser, cada vez mais, igualitário, justo, humano, ético, fraterno, comunitário (verdadeiramente “socialista”).  


Irmão e Companheiro Lula, você e os demais do seu Governo - assessorados pelo CPP - devem também fazer permanentemente a leitura - análise e interpretação - dos Sinais dos Tempos desde os Pobres (na ótica dos Pobres) e ter, em cada momento histórico, a consciência crítica dos passos “possíveis” a serem dados e das estratégias “possíveis” a serem utilizadas para fazer acontecer, no Brasil e no mundo, o Projeto Político Popular.

Lula, cuidado com as artimanhas dos poderosos! Seu Governo não pode cair na tentação de ser um “Governo reformista”, que trai as expectativas dos trabalhadores e trabalhadoras e que - mesmo amenizando, com programas sociais de assistência, situações de extrema pobreza - acaba fortalecendo o Projeto Político Capitalista Neoliberal (Ultra - neoliberal).

No entusiasmo da vitória, falou-se e escreveu-se muito sobre o seu novo Governo como um “Governo de conciliação”. Mais uma vez, cuidado! A expressão é ambígua e - de certa forma - perigosa. Entre o Projeto Político Capitalista Neoliberal e o Projeto Político Popular, não há possibilidade de “conciliação” e nem de “aliança” (a não ser meramente formais). São Projetos objetivamente opostos. Só poderá haver, em casos muitos especiais e por razões diferentes, “acordos pontuais”.

E ainda: não confundamos “luta de classe” com “ódio de classe”. Por defenderem Projetos Políticos opostos, entre a classe dos trabalhadores e a classe dos capitalistas há luta de classe, mas não necessariamente ódio de classe. Aliás, o ser humano consciente de sua dignidade e, mais ainda, o cristão ou cristã não odeia ninguém, ama a todos e a todas.

Jesus nos ensina que devemos amar até os nossos inimigos (ora, se devemos amar até os nossos inimigos, quer dizer que eles existem) e o educador Paulo Freire nos recorda que a única maneira de amar os opressores é lutar contra o Projeto de Vida que eles defendem.

Por fim, ouçamos as palavras do Papa Francisco. No 2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares, ele pergunta: “Reconhecemos que este Sistema (o Sistema Capitalista Neoliberal) impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social e nem na destruição da natureza?” E responde: “Se é assim - insisto - digamo-lo sem medo: queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este Sistema é insuportável: não o suportam os Camponeses, não o suportam os Trabalhadores, não o suportam as Comunidades, não o suportam os Povos.... E nem sequer o suporta a Terra, a Irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco” (Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 07-09/07/15. O grifo é meu).

Peço a Deus, Lula, que seu Governo “tenha lado”: o lado de Jesus de Nazaré, o lado dos Pobres (marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados) de nossa sociedade brasileira. Estamos com você! Conte conosco!

O caminho está aberto! Com muita esperança, sigamos em frente!

                                             http://porsimas.blogspot.com/2022/11/charge-de-jorge-braga.html
                                                                            (ou também: Jorge Braga. O Popular, 04/11/22, p. 2)


 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 07 de novembro de 2022