“Um em cada cinco imóveis de Goiânia está vago"
(O Popular. Manchete. 1º de abril de 2024, p. 10)
De um lado, Goiânia “conta com 653,8 mil domicílios, mas mais de 100 mil estão sem uso para fins de moradia”. Os Setores “Marista, Bueno, Centro, Campinas e Sul figuram entre os mais desocupados” (ib.).
De outro lado, Goiânia conta com ocupações em mais de 496 hectares de terra (cf. O Popular, 12/11/2022). São dezenas de Ocupações de 20, 30, 40, 50, 100, 500 famílias, que lutam pelo direito à moradia digna, com a solidariedade e o apoio - direto ou indireto - dos Movimentos Socioambientais Populares e, de maneira especial, dos Movimentos por Moradia digna, como o Movimento de Trabalhadoras/es por Direitos (MTD), o Movimento de Trabalhadoras/es Sem Teto (MTST), o Movimento por Moradia Popular (MMP), o Movimento de Luta nos Bairros , Vilas e Favelas (MLB), o Movimento Nacional de Luta por Moradia(MNLM) e a União dos Movimentos de Moradia (UMN).
Não
podemos nunca esquecer que, infelizmente, Goiânia tem o título desonroso de “campeã
brasileira” em despejos. Refiro-me à barbárie do Parque Oeste
Industrial de 16 de fevereiro de 2005: cerca de 14 mil pessoas
- inclusive muitas crianças - da Ocupação Sonho Real foram despejadas e jogadas
na rua numa hora e meia da forma mais cruel e perversa possível. Uma verdadeira
operação de guerra! Eu vivi essa experiência! Não dá para acreditar que o ser
humano possa ser tão mau e tão diabólico.
Goiânia
conta ainda (segundo dados amplamente divulgados) com mais de dois mil Moradores
de Rua, que também tem a solidariedade e o apoio dos Movimentos
Socioambientais Populares e - de maneira especial - do Movimento Nacional da
População de Rua (MNPR) e da Pastoral do Povo da Rua.
Do
ponto de vista humano (filosófico) e, mais ainda, do ponto de vista cristão ou
radicalmente humano (teológico), esse contraste chocante é totalmente
antiético. A propriedade particular deve estar subordinada à
destinação dos bens para uso de todos os seres humanos. Trata-se de uma
injustiça social gritante: uma imoralidade estrutural legalizada e
religiosamente legitimada. Pela Ética, os imóveis vazios são de quem
precisa deles para morar, trabalhar e viver dignamente.
O que
me deixa mais indignado é o silêncio e a indiferença da Igreja
Instituição e da maioria dos cristãos e cristãs diante dessa
realidade. É um pecado de omissão muito grave! Onde está a dimensão
profética da Igreja?
Inclusive,
não duvido nada que muitos/as dos/as que se dizem donos desses imóveis “sem
uso para fins de moradia”, se declarem cristãos católicos e cristãs
católicas, recebam a comunhão todos os domingos e sejam até ministros/as da
Eucaristia. Quanta hipocrisia!
Dia 7
deste mês de abril, segundo domingo da Páscoa - chamado domingo da Divina Misericórdia
(o Amor de Deus acontecendo na história do ser humano) - os pretensos donos
desses imóveis vazios, que se dizem cristãos católicos e cristãs católicas,
devem ter ouvido, na Celebração da Missa, a mensagem da Primeira Leitura dos
Atos dos Apóstolos, que fala do ideal de vida - de irmãos e irmãs de verdade - das
primeiras Comunidades Cristãs.
“A multidão dos fiéis era um
só coração e uma só alma. Ninguém considerava propriedade
particular as coisas que possuía, mas tudo era posto em comum entre eles/as.
Com grande poder os Apóstolos davam testemunho da Ressurreição do Senhor Jesus.
E todos eles/as gozavam de grande estima. Entre eles/as ninguém passava
necessidade, pois aqueles/as que possuíam terras ou
casas as vendiam, traziam o dinheiro e
o colocavam aos pés dos Apóstolos. Depois ele era distribuído a
cada um/uma conforme a sua necessidade” (At 4. 32-35).
Como
estamos longe ainda do ideal de vida das primeiras Comunidades Cristãs, que
é o ideal de Jesus de Nazaré!
Em geral,
as nossas Dioceses e Paróquias são muito voltadas para dentro de si mesmas,
para sua organização, para seus problemas internos e se contentam com alguma obra
social assistencial. Esquecem o que Jesus diz a seus discípulos (também no
Evangelho do segundo domingo de Páscoa): “Como o Pai me enviou, eu envio vocês.
Soprou sobre eles e disse: Recebam o Espírito Santo” (Jo 20, 21-22).
Os
cristãos e cristãs somos enviados e enviadas para continuar no mundo a
presença e a missão de Jesus, testemunhando e anunciando o seu Projeto
de Vida, que é o Reino de Deus: um Mundo Novo. Que missão bonita! Que
responsabilidade nós temos!
Renovo
o meu total apoio às CEBs, às Pastorais Socioambientais, aos Movimentos
Socioambientais Populares, aos Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras e a
todas as Organizações Populares que lutam por esse ideal. Estamos juntos e
juntas! A vitória é e será nossa!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
Goiânia, 13 de abril de 2024
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