Depois de ler a “Carta
aberta de Dom Erwin Kräutler à Opinião Pública Nacional e Internacional” de 25 de março/11 sobre a
Usina Hidrelétrica Belo Monte (UHE), senti a necessidade de fazer alguns
comentários, manifestando assim a minha total solidariedade à pessoa de Dom
Erwin, ao teor da Carta e à causa que ela defende. Antes de tudo, quero
declarar, alto e bom som, que fiquei profundamente indignado com o
autoritarismo do Governo Dilma. È o mesmo autoritarismo do Governo Lula
(padrinho político da Dilma) a respeito da Transposição das águas do Rio S.
Francisco.
Dom Erwin Kräutler diz: “Venho mais
uma vez manifestar-me publicamente em relação ao projeto do Governo Federal de
construir a Usina Hidrelétrica Belo Monte, cujas consequências irreversíveis
atingirão especialmente os municípios paraenses de Altamira, Anapu, Brasil
Novo, Porto de Moz, Senador José Porfírio, Vitória do Xingu e os povos
indígenas da região. Como Bispo do Xingu e presidente
do Cimi, solicitei uma audiência com a Presidenta Dilma Rousseff para
apresentar-lhe, à viva voz, nossas preocupações, questionamentos e todos os
motivos que corroboram nossa posição contra Belo Monte. Lamento profundamente
não ter sido recebido”.
Presidenta Dilma, por que tanto
descaso e tanta falta de consideração?
Diz ainda a Carta de Dom Erwin:
“Diferentemente do que foi solicitado, o Governo me propôs um encontro com o
Ministro de Estado da Secretaria Geral da Presidência da República, Gilberto
Carvalho. No entanto, o Senhor Ministro declarou na última quarta-feira, 16 de
março, em Brasília, diante de mais de uma centena de lideranças sociais e
eclesiais, participantes de um Simpósio Sobre Mudanças Climáticas que 'há no
governo uma convicção firmada e fundada que tem que haver Belo Monte, que é
possível, que é viável. Então, eu não vou dizer para Dilma não fazer Belo
Monte, porque eu acho que Belo Monte vai ter que ser construída'”.
Continua o bispo: “Esse
posicionamento evidencia mais uma vez que ao Governo só interessa comunicar-nos
as decisões tomadas, negando-nos qualquer diálogo aberto e substancial. Assim,
uma reunião com o Ministro de Estado Gilberto Carvalho não faz nenhum sentido,
razão pela qual resolvi declinar do convite”.
Que Governo é esse que se diz
democrático e não dialoga com ninguém! Que governo é esse que se diz “popular”
e “dos trabalhadores” e se nega a conversar com o povo! Parece que voltamos ao
tempo da ditadura! Será que a presidenta Dilma esqueceu o sofrimento e as
“torturas” pelas quais passou? Hoje ela aliou-se àqueles que, à época da
ditadura, foram - direta ou indiretamente - os mandantes de seus algozes? Como
entender isso? Como entender o comportamento do ministro Gilberto Carvalho, que
se declara militante do Movimento Nacional Fé e Política? O que ele entende por
Fé e Política? Diante de tanta arrogância e autossuficiência, a coordenação
nacional do Movimento Fé e Política, deveria declarar o ministro Gilberto
Carvalho “pessoa não grata”. Chega de hipocrisia!
Diz a Carta de Dom Erwin: “Nestes
últimos anos não medimos esforços para estabelecer um canal de diálogo com o
Governo brasileiro acerca deste projeto. Infelizmente, constatamos que esse
almejado diálogo foi inviabilizado já desde o início. As duas audiências
realizadas com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 19 de março e 22
de julho de 2009, não passaram de formalidades. Na segunda audiência, o
ex-presidente nos prometeu que os representantes do setor energético, com
brevidade, apresentariam uma resposta aos bem fundamentados questionamentos
técnicos feitos à obra pelo Dr. Célio Bermann, professor do curso de
pós-graduação em energia do Instituto de Eletrotécnica e Energia da
Universidade de São Paulo. Essa resposta nunca foi dada, como também nunca
foram levados em conta os argumentos técnicos contidos na Nota Pública do
Painel de Especialistas, composto por 40 cientistas, pesquisadores e
professores universitários”.
Presidenta Dilma, por que tanta
mentira? Por que tanto desrespeito? Não se trata de ideias mirabolantes de um
grupinho de pessoas exaltadas e irresponsáveis, mas de argumentos técnicos,
envolvendo 40 cientistas, pesquisadores e professores universitários. Mais uma
vez (como no caso da Transposição das águas do Rio S. Francisco) ficou muito
claro de que lado o Governo Federal está e quais são seus verdadeiros
interesses.
Continua a Carta: “Observamos, pelo
contrário, na sequência a essas audiências, que técnicos do Ibama reclamaram
estar sob pressão política para concluir com maior rapidez os seus pareceres e
emitir a Licença Prévia para a construção da Usina. Tais pressões políticas são
de conhecimento público e motivaram, inclusive, a demissão de diversos
diretores e presidentes do órgão ambiental oficial. Em seguida, foi concedida
uma 'Licença Específica', não prevista na legislação ambiental brasileira, para
a instalação do canteiro de obras”.
Esse comportamento ditatorial e essa
pressa só têm uma explicação: a submissão servil e covarde do Governo Federal
aos interesses das grandes empresas multinacionais e dos detentores do poder
econômico. Quantos discursos vazios para ludibriar e enganar o povo! Quanta
decepção! Quem diria que o Partido dos Trabalhadores (que hoje, talvez, poderia ser chamado de “Partido dos
Traidores”) chegaria a tanto!
Vejam o longo desabafo de Dom Erwin
na Carta: “No dia 8 de fevereiro de 2011, povos indígenas, ribeirinhos,
pequenos agricultores e representantes de diversas organizações da sociedade
realizaram uma manifestação pública em frente ao Palácio do Planalto. Na
ocasião, foi entregue um abaixo-assinado contrário à obra, contendo mais de 600
mil assinaturas. Embora houvessem solicitado uma audiência com bastante
antecedência, não foram recebidos pela Presidenta. Conseguiram apenas entregar
ao ministro substituto da Secretaria Geral da Presidência, Rogério Sottili, uma
carta em que apontaram uma série de argumentos para justificar o posicionamento
contrário à obra. O ministro prometeu mais uma vez o diálogo e considerou a
carta 'um relato que prezo, talvez um dos mais importantes da minha relação
política no Governo (…). Vou levar este
relato, esta carta, este manifesto de vocês, os reclamos de vocês (...)'. Até o
momento, nenhuma resposta!”.
No seu longo desabafo, Dom Erwin
continua dizendo: “As quatro audiências - realizadas em Altamira,
Brasil Novo, Vitória do Xingu e Belém - não passaram de mero formalismo para
chancelar decisões já tomadas pelo Governo e cumprir um protocolo. A maioria da
população ameaçada não conseguiu se fazer presente. Pessoas contrárias à obra
que conseguiram chegar aos locais das audiências não tiveram oportunidade real
de participação e manifestação, devido ao descabido aparato bélico montado pela
Polícia”.
O
bispo afirma também: “Até o presente momento, os índios não foram ouvidos. As
'oitivas' indígenas não aconteceram. Algumas reuniões foram realizadas com o
objetivo de informar os índios sobre a Usina. Os indígenas que fizeram constar
em ata sua posição contrária à UHE Belo Monte foram tranquilizados por
funcionários da Funai que as 'oitivas' seriam realizadas posteriormente. Para
surpresa de todos nós, as atas das reuniões informativas foram publicadas pelo
Governo de maneira fraudulenta em um documento intitulado 'Oitivas Indígenas'.
Esse fato foi denunciado pelos indígenas que participaram das reuniões. Com
base nestas denúncias, peticionamos à Procuradoria Geral da República
investigação e tomada de providências cabíveis”.
Dom
Erwin declara ainda: “A tese defendida pelo Sr. Maurício Tolmasquim, presidente
da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), de que as aldeias indígenas não serão
afetadas pela UHE Belo Monte, por não serem inundadas, é mera tentativa de
confundir a opinião pública. Ocorrerá justamente o contrário: os habitantes,
tanto nas aldeias como na margem do rio, ficarão praticamente sem água, em
decorrência da redução do volume hídrico. Ora, esses povos vivem da pesca e da
agricultura familiar e utilizam o rio para se locomover. Como chegarão a
Altamira para fazer compras ou levar doentes, quando um paredão de 1.620 metros
de comprimento e de 93 metros de altura for erguido diante deles? Julgo fundamental esclarecer que não há nenhum estudo sobre o impacto
que sofrerão os municípios à jusante, Senador José Porfírio e Porto de Moz,
como também sobre a qualidade da água do reservatório a ser formado. Qual será
o futuro de Altamira, com uma população atual de 105 mil habitantes, ao ser
transformada numa península margeada por um lago podre e morto? Os atingidos
pela barragem de Tucuruí tiveram que abandonar a região por causa de inúmeras
pragas de mosquitos e doenças endêmicas. Mas os tecnocratas e políticos que
vivem na capital federal, simplesmente menosprezam a possibilidade de que o
mesmo venha a acontecer em Altamira”.
Quanta enganação! Quanta
irresponsabilidade! Que vergonha, presidenta Dilma!
Dom Erwin - uma vida de luta em
defesa dos direitos dos povos indígenas e da Amazônia - termina a Carta,
fazendo um apaixonante apelo à opinião pública nacional e internacional.
Ouçamos o apelo: “Alertamos a sociedade nacional e internacional que Belo Monte
está sendo alicerçada na ilegalidade e na negação de diálogo com as populações
atingidas, correndo o risco de ser construída sob o império da força armada, a
exemplo do que vem ocorrendo com a Transposição das águas do Rio São Francisco,
no nordeste do país. O Governo Federal, no caso da construção da UHE
Belo Monte, será diretamente responsável pela desgraça que desabará sobre a
região do Xingu e sobre toda a Amazônia. Por fim, declaramos que nenhuma
'condicionante' será capaz de justificar a UHE Belo Monte. Jamais aceitaremos
esse projeto de morte. Continuaremos a apoiar a luta dos povos do Xingu contra
a construção desse 'monumento à insanidade'” (Conselho Indigenista Missionário
– www.cimi.org.br)
Realmente, a busca do lucro a qualquer custo e a ganância
- características do sistema capitalista neoliberal - são como um rolo
compressor, que destrói e mata tudo o que encontra pela frente. Diante desse
crime (a construção da UHE Belo Monte) do Poder Público, que grita por justiça
diante de Deus, os Movimentos Populares, os Sindicatos, e todas as Organizações
e Entidades, civis e religiosas, que lutam para preservar e defender “a vida no
planeta”, não podem se omitir. Precisam “organizar a resistência”, a nível nacional
e internacional, e combater esse crime com todos os meios legítimos possíveis.
Chega de tanta iniquidade humana!
Diário da Manhã, Opinião
Pública, Goiânia, 07/04/11, p. 2
fr. Marcos Sassatelli, Frade Dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia
Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG (aposentado)
Prof. na
Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão
Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
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