Com todo respeito e estima que tenho pelos meus Irmãos Pe. Manoel Godoy que levantou o assunto e Pedro A. Ribeiro de Oliveira que o desenvolveu (cf. https://portaldascebs.org.br/um-novo-jeito-de-ser-ceb/ - 24/08/24), não há a necessidade - no meu entender - de encontrar “um novo jeito de ser Comunidade Eclesial de Base” (CEB). Esse “novo jeito” não existe. Explico.
· As CEBs sempre tiveram, têm e terão rostos diferentes,
conforme as realidades históricas nas quais elas estiveram, estão e estarão -
consciente e criticamente - inseridas. É nessas realidades que as CEBs
nasceram, nascem e nascerão; cresceram, crescem e crescerão, cumprindo sua missão libertadora, que é a continuação da missão
de Jesus de Nazaré.
· As CEBs - com rostos diferentes - sempre tiveram, têm e terão a mesma
identidade: a identidade evangélica.
Por terem rostos diferentes, as CEBs
foram, são e serão sempre um “novo jeito de ser Igreja”.
Por terem identidade evangélica,
as CEBs foram, são e serão sempre um “antigo jeito de ser Igreja”:
o “jeito” de ser das Primeiras Comunidades Cristãs, o “jeito” de ser
de Jesus de Nazaré.
Atualmente, as CEBs - mesmo
quando são tratadas com indiferença e desinteresse pelo Poder
Eclesiástico Clerical e, às vezes, obrigadas a viver nas Catacumbas
- estão vivas e não morrem, porque o Espírito Santo está com
elas. É por isso que as CEBs - como ideal e meta a ser perseguida - são
também um “novo jeito de toda a Igreja ser”.
Pela minha experiência de mais de cinquenta anos de convivência com o Povo de Deus nas
CEBs e com suas Pastorais Socioambientais, dou testemunho que nas CEBs
temos muitos irmãos e irmãs, cristãos e cristãs que são verdadeiros santos
e santas.
Infelizmente, a Igreja Católica
como Instituição - no decurso de sua história - cedeu à tentação do
Poder (ao contrário de Jesus que a venceu) e se tornou uma Igreja Estado
de três classes: Leigos/as (a grande maioria), Religiosos/as
e Clero (diáconos, presbíteros e bispos) com muitos paramentos imperiais
e títulos honoríficos (Monsenhor, Excelência, Eminência e outros): uma Igreja
piramidal, hierárquica e clerical, que nada tem a ver com o Evangelho de
Jesus de Nazaré.
Atualmente, as CEBs estão sendo
propositalmente esquecidas pelo Poder Eclesiástico, que quer um modelo
de Paróquia e de Diocese piramidal e clerical, contrário ao ensinamento do
Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín.
Diante dessa realidade, precisamos
tomar posição, denunciando profeticamente esse comportamento farisaico da
Igreja Instituição e defendendo o jeito de ser Igreja das CEBs, que é o jeito
de ser Igreja conforme o Evangelho: nosso jeito de ser Igreja, com a certeza
que o Espírito Santo está do nosso lado.
Há alguns anos que a Igreja no Brasil,
diplomaticamente, não fala mais de CEBs, mas de Comunidades Eclesiais
Missionárias. Ora, será que a Igreja não sabe ou - o que é pior -
finge de não saber que as Comunidades Eclesiais, para serem Missionárias, têm que ser de Base?
(Veja: https://freimarcos.blogspot.com/search?q=Comunidades+Eclesiais+de+Base+mission%C3%A1rias
ou: https://www.ihu.unisinos.br/categorias/597412-comunidades-eclesiais-de-base-missionarias e outros sites)
Nos Documentos atuais da Igreja, os
Documentos da Conferência de Medellín não são lembrados nem na Lista de
Siglas. Ora, para a Igreja do Brasil e da América Latina, esquecer a
Conferência de Medellín, significa esquecer o Concílio Vaticano II.
Apesar de tudo isso, “as CEBs continuam
sendo um ‘sinal da vitalidade da Igreja’ (Redemptoris Missio - RM 51). Os
discípulos e as discípulas de Cristo nelas se reúnem na escuta e na partilha da
Palavra de Deus. Buscam relações mais fraternas, igualitárias e inclusivas.
Superam a cultura machista e o clericalismo. Celebram os mistérios cristãos e
assumem o compromisso de transformação da sociedade e a defesa da criação, a
Nossa Casa Comum” (Carta do 14º Intereclesial das CEBs).
Lembro mais uma vez: nos ensinamentos
da Conferência de Medellín, a CEB (Comunidade de Fé, Esperança e
Caridade) “é o primeiro e fundamental núcleo eclesial, que deve, em seu
próprio nível, responsabilizar-se pelo valor da fé e sua expansão, como também
do culto, que é sua expressão. Ela é, pois, célula inicial da estrutura
eclesial e foco de evangelização e, atualmente, fator primordial da
promoção humana e do desenvolvimento”. A CEB é uma “Comunidade local
ou ambiental, que corresponde à realidade de um grupo homogêneo e que tenha
uma dimensão tal que permita o trato pessoal fraterno entre seus membros”
(Medellín, XV, 10).
A Paróquia passa a ser “um
conjunto pastoral unificador das Comunidades de Base” (Ib. 13). Reparem:
Comunidades de Base! (Por estar falando da Igreja, a palavra “cristã” ou
“eclesial” está subentendida).
Se a Igreja do Brasil - dando o mau
exemplo - não se sente obrigada a aceitar os ensinamentos da Conferência de
Medellín, nós também - como cristãos e cristãs - não nos sentimos obrigados a
aceitar os ensinamentos da Igreja do Brasil.
Aqueles e aquelas que querem acabar com
a Igreja Povo de Deus e, mais especificamente, com as CEBs,
lembrem que estão lutando contra o Espírito Santo.
Como foi dito no 1º Intereclesial
(6-8/01/75) - e continua válido - as CEBs são “uma Igreja que nasce
do Povo pelo Espírito de Deus”. E, se nasce do Povo pelo Espírito de Deus,
não morre nunca.
Por fim, as CEBs são uma Igreja
Pobre, para os Pobres, com os Pobres e dos Pobres. Elas são a Igreja de
Jesus de Nazaré. Todos e todas somos convidados e convidadas a entrar nessa
Igreja, inclusive os ricos.
O Evangelho registra dois casos de
encontro de Jesus com ricos: Zaqueu e mais um do qual o Evangelho não diz o
nome. Na presença de Jesus, eles sentem-se
obrigados a tomar uma
decisão (não ficam “em cima do muro”, como se costuma dizer).
Zaqueu, encontrando-se com Jesus, ficou de pé, e disse: “A metade dos meus bens, Senhor, eu dou aos Pobres; e, se roubei alguém, vou devolver quatro vezes mais” (Lc.19,8). O outro homem rico, dialogando com Jesus, disse-Lhe que observava os mandamentos desde jovem. Diante dessa afirmação, “Jesus olhou para ele com amor e disse: ‘Falta só uma coisa para você fazer: vá, venda tudo, dê o dinheiro aos Pobres, e você terá um tesouro no céu. Depois venha e siga-me’. Quando ouviu isso, o homem ficou abatido e foi embora cheio de tristeza (ao menos naquele momento), porque ele era muito rico” (Mc 10,21-22).
O caminho de Jesus - que as CEBs sempre seguiram, seguem e seguirão - está aberto a todos e todas.
O convite para entrar nesse caminho é de Jesus. A resposta é nossa e não tem meio-termo. Deve ser radical.
Marcos Sassatelli
Frade dominicanoDoutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)Professor aposentado de Filosofia da UFG
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 18 de novembro de 2024