domingo, 7 de dezembro de 2025

O Ser Humano meta-histórico “além da morte” (5)

 


 (Continua o tema do artigo anterior - parte 5)

O Ser humano meta-histórico “já e ainda não” - além de meta-social - é também meta-individual, mas a meta-individualidade não é a totalidade do Ser humano meta-histórico.

A "meta-individualidade" - "meta-corporeidade", "meta-biopsiquicidade" e "meta-espiritualidade" ou "meta-pessoalidade" - é, podemos dizer, "meta-individualidade social", porque o indivíduo influencia e condiciona dialeticamente a sociedade (e vice-versa, como já vimos).

O Ser humano individual, ou seja, em suas relações individuais (interindividuais), é "ontologicamente" voltado para o meta-individual; é, "já e ainda não", meta-individual. A dimensão da meta-individualidade - meta-corporeidade, meta-biopsiquicidade, meta-espiritualidade ou meta-pessoalidade - é constitutiva do Ser humano meta-histórico.

O Ser humano individual - ser corpóreo, biopsíquico e espiritual ou pessoal - meta-individualiza-se, dialética e permanentemente, como “Vida individual” ou “Morte individual”, até à meta-individualização plena (total, absoluta) como “Vida individual plena” ou “Morte individual plena”.

A meta-individualização plena (total, absoluta) como “Vida individual plena” é a afirmação da dimensão individual do Ser humano em sua plenitude: humanização plena (Vida eterna, Páscoa definitiva, plenitude da Ressurreição, plenitude do Reino de Deus, Salvação eterna, Céu, Paraíso).

A meta-individualização plena (total, absoluta) como “Morte individual plena” é a negação de tudo o que foi dito no parágrafo anterior (Anti-Reino de Deus, Perdiçao eterna, Inferno).

Para o Ser humano meta-individual (meta-corpóreo, meta-bio-psíquico, meta-espiritual ou meta-pessoal) unido aos outros (semelhantes), o processo dialético e permanente da meta-individualização - até à meta-individualização plena (total, absoluta) como Vida meta-individual plena ou Morte meta-individual plena - passa pelo reconhecimento dos outros como outros ou não e pela experiência do amor meta-individual (meta-corpóreo, meta-bio-psiquico, meta-espiritual ou meta-pessoal) ou não (desamor meta-individual, egoísmo meta-individual), em todas as suas manifestações (expressões).

Essa experiência é ainda a condição necessária para encontrar (conhecer e vivenciar) o significado fundamental - último e definitivo - da existência humana individual. A experiência do amor meta-individual ou não se dá (acontece) na e pela Práxis meta-individual (voltaremos sobre o assunto, falando da Práxis meta- individual).

No final do tema do Ser humano meta-histórico “já e ainda não” e “além da morte”, sinto a necessidade - baseado em argumentos racionais iluminados pela fé - de levantar alguns questionamentos e de dar-lhes a minha resposta.

Os questionamentos: Se cremos que Deus é Amor (Comunidade de Amor, Santíssima Trindade) e que o Ser humano - criado à imagem e semelhança de Deus - é também Amor, como podemos admitir que irmãos e irmãs nossos se encontrem na “absoluta frustração no ódio” (desamor), ou seja, na Morte plena (Morte eterna, Inferno)? Como podemos ser felizes, aceitando que irmãos e irmãs nossos sejam infelizes, sofrendo para toda a eternidade? Qual é a relação que existe entre a vontade de Deus e a liberdade do Ser humano?

A minha resposta: Reconheço que, ontologicamente falando, a possibilidade meta-histórica da Morte plena (Morte eterna) existe. Creio, porém, que Deus Amor, na sua infinita misericórdia (que é o Amor acontecendo), nunca permitiu (até no caso do traidor Judas Iscariotes), nunca permite e nunca permitirá que essa possibilidade meta-histórica “além-da-morte” se torne uma realidade concreta. Creio ainda que Deus - por ser Amor - no limiar entre o tempo e a eternidade, sempre deu, sempre dá e sempre dará a todos e a todas (inclusive, aos maiores criminosos e criminosas) as condições necessárias para fazerem um ato de Amor totalmente livre e sincero - tão intenso e tão profundo - que leve à conversão e à mudança total de vida (penso também que tenha acontecido o mesmo - embora de maneira diferente - com o chamado “mundo dos anjos”).

Na minha experiência existencial (imagino que isso aconteça com todos os Seres humanos), não conseguiria ser feliz, sabendo que um irmão meu (mesmo que tenha sido o maior criminoso do mundo e mesmo que seja um só) é infeliz para sempre, na Morte eterna. Afinal, é meu irmão ou minha irmã!

“Reconhecemos o Amor que Deus tem por nós e acreditamos nesse Amor. Deus é Amor: quem permanece no Amor permanece em Deus, e Deus permanece nele” (1Jo 4, 16). “Em Deus vivemos, nos movemos e existimos”. “Deus quer que todos os Seres humanos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade”. “É Deus que realiza em nós tanto o querer como o fazer, conforme seu desígnio benevolente” (At 17, 28; 1Tm 2, 4; Fl 2, 13 respectivamente. Veja também: CONCÍLIO VATICANO II.  A Igreja no mundo de hoje - GS, 45)

Ora, se é Deus “que realiza em nós tanto o querer como o fazer”, com certeza Ele só pode querer e fazer o bem.

Em atitude de adoração diante da infinita sabedoria de Deus Amor,

faço minha a prece das Laudes (Oração da Manhã)

da segunda-feira da Sexta Semana do Tempo Pascal:

“Pelos méritos da cruz de Cristo, que morreu para libertar o mundo,

dai à humanidade inteira a salvação e a paz”.

(No próximo artigo começaremos a refletir sobre o tema: O Ser Humano como Ser de Práxis)


Marcos Sassatelli, Frade dominicano

Goiânia, 06 de novembro de 2025





O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-5/ (16/11/25)

sexta-feira, 7 de novembro de 2025

O Ser Humano meta-histórico “além da morte” (4)

 


(Continua o tema do artigo anterior sobre o Ser Humano - parte 4)

Em síntese, podemos dizer: historicamente falando, é o Ser humano todo (ser histórico-social e histórico-individual: corpo, vida, espírito ou pessoa) que "morre", isto é, que deixa a modalidade de ser histórica - em via de meta-historicização - e "passa" para a modalidade de ser meta-histórica - em sentido pleno - ou, em linguagem teológica, "ressuscita"; - meta-historicamente falando, é o Ser humano todo que "vive" (é) no Amor (Vida plena) ou no Des-amor (Morte plena).

Tanto historicamente como meta-historicamente (em sentido pleno: “além da morte”), o Ser humano é (existe) pela "presença ontológica" (em linguagem filosófica) ou "presença criadora" (em linguagem teológica) do Absoluto (Deus), que é (existe) por si mesmo. Por isso, a existência (vida) humana - histórica, em via de meta-historicização e meta-histórica, em sentido pleno (“além da morte”) - é "dom" do Absoluto. Do ponto de vista ontológico, se Deus (o Absoluto) não fosse (não existisse), nada e ninguém seria (existiria).

Portanto, reafirmamos que a meta-historicidade “além da morte” (na linguagem comum, usa-se também a palavra "imortalidade", embora seja inadequada) é simultaneamente meta-historicidade social (estrutural) com dimensão individual e meta-historicidade individual com dimensão social.

Não se pode justificar adequadamente a meta-historicidade individual, "se não se faz ver que a comunidade - que vem sendo construída na história - salva-se (realiza-se) quanto ao essencial, não obstante a ruptura da morte” (GEVAERT, J. Il Problema dell'Uomo. Introduzione all'Antropologia filosofica. Elle Di Ci, 19814, p. 277).

“Aprouve a Deus salvar (realizar) e santificar os Seres humanos, não individualmente (somente), excluída qualquer ligação entre eles, mas constituindo-os em Povo (Comunidade) que O conhecesse na verdade e O servisse (amasse) santamente (perfeitamente, radicalmente)” (CONCÍLIO VATICANO II. A Igreja - LG, 9).

“Eu vim para que todos e todas tenham Vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10).

No Ser humano e com o Ser humano, toda a criação participa do processo de meta-historicização até à plenitude. “Sabemos que a criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para o nosso corpo. Na esperança, nós já fomos salvos. Ver o que se espera já não é esperar: como se pode esperar o que já se vê? Mas, se esperamos o que não vemos, é na perseverança que o aguardamos" (Rm 8, 22-25).

O cientista (como o Físico, o Biólogo, o Psicólogo ou outro), enquanto tal, não pode provar - pela verificação experimental - e nem afirmar - com conhecimento de causa - que o Ser humano individual é ou não é um ser espiritual ou pessoal.

Esse mesmo cientista (como vimos a respeito da “presença ontológica” ou “presença criadora” de Deus) não pode provar que o Ser humano histórico (social e individual) é ou não é um ser meta-histórico “além da morte” (aberto à transcendência plena, absoluta); que o Ser humano histórico e - com ele - o mundo todo existem (são) ou não existem (não são) pela "presença ontológica" ou "presença criadora" do Outro absoluto (Deus); e que o Outro absoluto (Deus) existe (é) ou não existe (não é) por si mesmo.

Destas questões não temos e nunca teremos "provas científicas". Em outras palavras, estas questões não "cabem" no nível da verificação experimental e, portanto, não podem ser conhecidas "cientificamente"; elas surgem - brotam, emergem, irrompem - da existência humana no mundo com o mundo como um todo e, para buscarmos ter delas uma compreensão sempre mais profunda - mas histórica - precisamos recorrer à inteligência reflexiva (meditativa), ou seja, ao "conhecimento filosófico" e/ou "teológico".

O conhecimento filosófico e/ou teológico parte do conhecimento científico (e, muitas vezes, também do conhecimento comum), incorpora seus dados, vai além dele e volta para ele (motivando e incentivando a pesquisa) num processo contínuo. É este o movimento do conhecimento (pensamento) humano (voltaremos sobre o assunto, falando da Práxis teórico-prática).

Por fim, o processo dialético permanente de meta-historicização “já e ainda não” e “além da morte” se dá na e pela Práxis meta-histórica (voltaremos sobre o assunto, falando da Práxis meta-histórica).

 (No próximo artigo sobre o Ser Humano, continua o mesmo tema: parte 5)


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282  
 
Goiânia, 06 de novembro de 2025










O artigo foi publicado originalmente em:

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-4/ (23/10/25) 

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Opção pelos Pobres - Reflexões teológico-pastorais



É com muita esperança que - no dia 9 de outubro deste ano de 2025 - recebamos, a primeira Exortação Apostólica do Papa Leão XIV: a "Dilexi te" (Eu te amei: Ap. 3,9), datada do dia 4 do mesmo mês, festa de S. Francisco de Assis.

Ela é um chamado à Igreja para que redescubra o Amor para com os Pobres com mensagem central do Evangelho. O documento aprofunda a reflexão sobre a relação entre a Fé cristã e a Opção pelos Pobres, convidando os cristão e cristãs a reconhecerem nele e nelas o rosto de Cristo e lutarem para superar todas as formas de marginalização exploração, opressão, exclusão e descarte.

Dou graças a Deus por tudo que o Papa Francisco fez - com seu testemunho de vida e com seu ensinamentos - pela renovação da Igreja e que o seu sucessor o Papa Leão XIV - com o jeito próprio de sua personalidade - pretende continuar.

Mesmo com tudo isso, a Igreja precisa mudar muito ainda para se tornar uma Igreja de irmãos e irmãs, realmente a evangélica: uma Igreja Pobre, desde os Pobres, com os Pobres, dos Pobres e para os Pobres. Jesus nunca quis uma Igreja Estado, uma Igreja de poder e de luxo.

Um exemplo da vida cotidiana da Igreja: nestes últimos anos - ao menos até 2021 - na Arquidiocese de Goiânia, a procissão do Corpo de Cristo passava nas Avenidas e Ruas centrais da Cidade, levando a Eucaristia num ostensório de ouro maciço e com paramentas luxuosos ao lado de irmãos e irmãs nossos - moradores em situação de rua - dormindo deitados na calçada. Não é contradição! Confesso que, pessoalmente, me sentia muito mal.

Mesmo reconhecendo - por experiência própria - que, nas Comunidades Cristãs Pobres (CEBs), temos muitas pessoas que são verdadeiros santos e santas, infelizmente a Igreja Instituição, em sua história, incorporou as piores contribuições do Imperialismo, do Feudalismo, do Escravismo e do Capitalismo. Ainda na escravidão do século XIX, a Igreja ensina que a virtude do escravo era a submissão e a virtude do dono de escravos era a benevolência. Não é um absurdo? Não é um comportamento totalmente antievangélico? Dá para entender?

Hoje a Igreja - oficialmente - condena os exageros do Capitalismo, mas não condena o Capitalismo como tal: um Sistema estruturalmente desumano, antiético e antievangélico. Com esse pecado estrutural de omissão, a Igreja Instituição acaba sendo conivente com o Sistema Capitalista.

"Para desempenhar sua missão, a Igreja a todo momento (reparem: a todo momento), tem o dever de escutar (perscrutar) os Sinais do Tempos e interpretá-los à luz do Evangelho (ou seja, desde os Pobres, na ótica dos Pobres), de tal modo que possa responder, de maneira adaptada a cada geração, às interrogações eternas sobre os significados da Vida presente e futura e de suas relações mútuas". "É necessário, por consguinte, conhecer e entender (repare: conhecer e entender) o Mundo no qual vivemos, suas esperanças, suas aspirações e sua índole frequentemente dramática" (Conc.Vatic. II - GS 4).

Escutar, pois, os Sinais dos Tempos, significa ouvir os apelos de Deus nos acontecimentos, sintonizar com eles e colocá-los em prática, ou seja, vivê-los.

A Igreja, em sua Ação evangelizadora, ou seja, no Anúncio da Boa Notícia do Reino de Deus, deve ser servidora e samaritana, viver a compaixão e a misericórdia - que é o amor acontecendo - e estar sempre do e ao lado dos Pobres.  

A Escuta dos Sinais dos Tempos à luz do Evangelho - se for verdadeira - é escuta desde os Pobres, na ótica dos Pobres e leva necessariamente à Opção pelos Pobres (empobrecidos, marginalizados, oprimidos, explorados, excluídos e descartados), que é uma Opção profundamente profética e libertadora - e não meramente ideológica, embora o ideológico seja uma mediação necessária, pelo fato de o Ser humano ser histórico, situado (no espaço) e datado (no tempo).

Fazemos a Opção pelos Pobres, para - a partir deles e delas e junto com eles e elas - participar do processo de Libertação do Ser humano todo e de todos os Seres humanos no Mundo com o Mundo - a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum - segundo o Projeto de Deus.

Os Direitos Humanos são os Direitos dos Pobres e - sendo dos Pobres - são de todos e de todas.  

O nosso referencial é Jesus de Nazaré e sua prática. Jesus nasceu como sem teto na manjedoura de um estábulo, foi trabalhador carpinteiro com seu pai José. Em sua vida pública, anunciou a Boa Notícia do Reino de Deus aos Pobres, até sua morte na cruz com a acusação de estar subvertendo o povo. Todos e todas somos convidados a entrar nesse caminho. Zaqueu, homem rico, se converteu e entrou. O jovem rico - ao menos no momento do seu encontro com Jesus - não teve coragem e foi embora triste.

Jesus declarou: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos Pobres (reparem: não diz ‘preferencialmente’ aos Pobres); enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19). E ainda: “Eu vim para que todos e todas tenham Vida e a tenham em plenitude” (Jo 10,10).

Reafirmo: a Opção pelos Pobres, “não é preferencial”, ou seja, uma alternativa entre duas ou mais alternativas, mas única. Ela nos leva a descobrir o verdadeiro sentido de nossa vida de seres humanos (homens e mulheres, cristãos e cristãs: radicalmente homens e mulheres) no mundo e com o mundo: a Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum.

É somente a Opção pelos Pobres que nos faz verdadeiramente felizes. 

Por fim, a Igreja - sendo Pobre, desde os Pobres, para os Pobres, com os Pobres e dos Pobres - ela é de todos e de todas. Que assim seja!

 





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP), Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282 - https://freimarcos.blogspot.com/
 
Goiânia, 03 de novembro de 2025



sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Vitória histórica dos Trabalhadores e Trabalhadoras

 


Com suas lutas, os trabalhadores e trabalhadoras têm desempenhado - ao longo da história - papel fundamental na construção de sociedades mais justas, igualitárias e democráticas. Toda conquista representa não somente uma vitória particular de uma categoria de trabalhadores e trabalhadoras, mas - também e sobretudo - um passo importantíssimo em direção à valorização do trabalho e ao respeito dos direitos humanos.

Em julho de 2015, dirigindo-se aos participantes dos Movimentos Populares, o Papa Francisco declarou: “Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês, na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos ‘3 T’ (terra, teto, trabalho), e na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança, regionais, nacionais e mundiais” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

As principais conquistas históricas dos trabalhadores e trabalhadoras são: a Jornada de trabalho regulamentada, o direito ao descanso semanal remunerado, a licença maternidade e paternidade, a garantia de salário-mínimo, a proteção contra demissão arbitrária e o direito à sindicalização. Elas foram alcançadas por meio de negociações, mobilizações sociais, greves e enfrentando resistências e desafios. Cada avanço reforça a importância de manter a luta e o engajamento por direitos e melhores condições de trabalho.

As vitórias dos trabalhadores e trabalhadoras vão além de aumentos salariais e melhorias nas condições de trabalho. Elas envolvem reconhecimento, dignidade, inclusão e oportunidades para todos e todas. É resultado de organização, mobilização e diálogo dos trabalhadores e das trabalhadoras.

Nos últimos anos, o mundo do trabalho passou por grandes transformações: a digitalização, o trabalho remoto, e o surgimento de novas formas de contratação.

Essas mudanças trazem benefícios, mas apresentam também desafios, como a precarização, a informalidade e a necessidade de adaptação das leis trabalhistas.

Os trabalhadores e as trabalhadoras continuam mobilizados, buscando garantir que seus direitos sejam preservados e que novas conquistas sejam alcançadas, levando em conta as demandas específicas de grupos historicamente marginalizados, como mulheres, pessoas negras, pessoas com deficiência e comunidade LGBTQIA+.

Os Sindicatos continuam sendo protagonistas na defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, promovendo negociações coletivas, campanhas de conscientização e apoio jurídico.

Paralelamente, a sociedade civil, por meio de ONGs, Movimentos Sociais Populares e Redes de apoio contribuem para ampliar o alcance dessas conquistas.

Depois de muitas lutas e mobilizações, os trabalhadores e trabalhadoras tiveram mais uma vitória histórica. Pela pressão popular, no dia 1º deste mês de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou, por unanimidade (493 votos favoráveis), o Projeto de Lei (PL) 1.087/2025 que isenta de Imposto de Renda (IR) quem ganha até R$ 5 mil (mais de 10 milhões de brasileiros/as) e institui cobrança adicional para pessoas com rendimento acima de R$ 800 mil ao ano (cf. Agência Câmara de Notícias).

Por fim, permito-me uma reflexão, que considero fundamental:

Não podemos esquecer das reais ambiguidades do Projeto Social Capitalista Neoliberal ou Ultraneoliberal. Ele é um Projeto Social (socioeconômico-sociopolítico-socioecológico-sociocultural-socioreligioso) estruturalmente desumano, injusto, antiético e - mais ainda - anticristão. Na Teologia Moral da Libertação, o Projeto Social Capitalista é o “pecado estrutural”.

Nesse Projeto Social, a democracia formal existe para todos e todas (o que não acontece num regime ditatorial), mas a democracia real existe só para a minoria que detém o poder econômico. Exemplo: a moradia é um direito formal para todos/as, mas um direito real somente para a minoria.

Por isso, os trabalhadores e trabalhadoras - com seus aliados e aliadas - nos Sindicatos e nos Movimentos Sociais Populares devem ter sempre duas frentes de luta.

Na primeira (mais imediata), devem lutar - unidos e organizados (mesmo com suas diferenças e divergências) - para conseguir novas vitórias no Projeto Social Capitalista, aproveitando a democracia formal, mas tendo consciência de sua ambiguidade: de um lado, essas vitórias melhoram a vida dos trabalhadores e das trabalhadoras; de outro lado, servem para fortalecer o Projeto Social Capitalista (evitando protestos e greves).

Na segunda frente de luta, os Trabalhadores e Trabalhadoras - com seus aliados e aliadas - devem abrir caminhos novos que levem a superar (ou, derrubar) o Projeto Social Capitalista e a implantar o Projeto Social Popular (comunitário e sem classes ou socialista e comunista no verdadeiro sentido das palavras).  

“A misericórdia (que é o amor acontecendo) sempre será necessária, mas não deve contribuir para criar círculos viciosos que sejam funcionais para um Sistema econômico iníquo. Requer-se que as obras de misericórdia sejam acompanhadas pela busca de verdadeira justiça social, que vá elevando o nível de vida dos cidadãos, promovendo-os como sujeitos de seu próprio desenvolvimento” (Documento de Aparecida - DA 385).

Mesmo no Projeto Social Capitalista - a classe produtora é a dos Trabalhadores/as e não a dos Proprietários/as (como se costuma dizer). Unidos/as e organizados/as continuemos a luta, Jesus de Nazaré está do nosso lado. "Continuem a combater a economia criminosa com a economia popular. Não desistam...” (https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2024-09/papa-movimentos-populares-sao-calisto-justica-social-amor.html).

(Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
08 de outubro de 2025


domingo, 5 de outubro de 2025

O Ser humano meta-histórico “além da morte” (3)

 


(Continua o tema do último artigo sobre o Ser Humano - parte 3)

O Ser humano histórico chega à descoberta da sua dimensão meta-histórica “além da morte” e da necessidade da existência de Deus pelos caminhos existenciais apresentados anteriormente e pela experiência mística (religiosa e/ou de Fé), que apresento agora.

Entre os momentos marcantes da experiência mística, destaco: a radical exigência que o Ser humano histórico tem de transcender toda situação; a clara percepção que seus anseios se dirigem a um Absoluto que precisa ser descoberto; e o encontro de amor interpessoal com o Outro Absoluto, que exige o encontro de amor interpessoal com os outros e as outras (semelhantes).

A verdadeira e autêntica experiência mística (religiosa e/ou de Fé) não leva o Ser humano a fugir da história, social e individual, mas a mergulhar mais profundamente nela para - em seu dinamismo conflitivo - buscar, descobrir e encontrar o Absoluto.

Na experiência de Fé cristã, "Cristo é a Imagem do Deus invisível, o Primogênito de toda criatura, porque Nele foram criadas (e são criadas) todas as coisas, nos céus e na terra, as visíveis e as invisíveis; (...) tudo foi criado (e é criado) por Ele e para Ele. Ele é antes de tudo e tudo Nele subsiste" (Cl 1, 15-17).

Cristo é "o Alfa e o Ômega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim" (Ap 22, 13). "O Verbo de Deus, pelo qual todas as coisas foram feitas (e são feitas), Ele próprio se encarnou, de tal modo que, como Ser humano perfeito, salvasse todos os Seres humanos e recapitulasse todas as coisas. O Senhor é o fim da história humana, ponto ao qual convergem as aspirações da história e da civilização, centro da humanidade, alegria de todos os corações e plenitude de todos os seus desejos" (Concílio Vaticano II. A Igreja no mundo de hoje - GS, 45).

Para os cristãos e as cristãs toda a história humana no mundo e com o mundo tem, portanto, uma dimensão crística. E é por isso que "o mistério do Ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. Com efeito, Adão o primeiro Ser humano era figura daquele que haveria de vir, isto é, de Cristo Senhor. Novo Adão, na mesma revelação do mistério do Pai e de seu amor, Cristo manifesta plenamente o Ser humano ao próprio Ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (ib. 22).

A partir do Ser humano histórico em sua condição existencial, tiramos a seguinte conclusão:   Cientificamente falando, podemos chegar a negar “determinadas maneiras” de entender a meta-historicidade do Ser humano “além da morte” (formas particulares) e “determinadas maneiras” de entender a existência de Deus (ateismos particulares), mas não podemos afirmar e nem negar a meta-historicidade do Ser humano “além da morte” e a existência de Deus em sentido absoluto (ateismo absoluto). Isso "extrapola" o nível da ciência.

Por exemplo, a respeito da existência de Deus, "fisicamente" falando, podemos negar - pela verifição experimental - a existência de um Deus-Primeira Causa "física" (Primeiro Motor "físico"), "em cima" ou "na frente"; "biologicamente" falando, podemos negar - sempre pela verificação experimental - a existência de um Deus-Primeira Causa "biológica" (Primeiro Motor "biológico"), "em cima" ou "na frente"; "sociologicamente" falando, podemos negar - pela verificação experimental e análise dos fatos - a existência de um Deus-Primeira Causa "social" (da sociedade), "em cima" ou "na frente".

Este Deus-Primeira Causa "social" é apresentado também como a Primeira Causa "legitimadora" da "ordem" - que, muitas vezes, é uma "desordem estrutural" ("estabelecida", "institucionalizada") - e torna-se, assim, um Deus-Fetiche (Ver o pensamento de K. MARX sobre o fetichismo e o pensamento de E. DUSSEL sobre a religião fetichista).

Determinadas formas de "ateismo" moderno têm, portanto, um caráter "libertador". Negam as concepções de Deus baseadas numa visão "pré-científica" do mundo e afirmam a "autonomia" do Ser humano histórico como ser de Práxis. Não negam, porém, a meta-historicidade do Ser humano “além da morte” e a existência de Deus em sentido absoluto.

(No próximo artigo sobre o Ser Humano, continua o mesmo tema: parte 4)


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
 
Goiânia, 03 de setembro de 2025




O artigo foi publicado originalmente em: 

https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-3/ (22/09/25)



quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Grito dos Excluídos e das Excluídas 2025: “Vox Patris”

 


O Grito dos Excluídos e das Excluídas é o conjunto de manifestações populares que acontecem em muitos lugares do Brasil durante a Semana da Pátria, culminando com a grande manifestação do Dia da Independência do País: 7 de setembro.  

O Grito acontece no Brasil desde 1995, a partir da Semana Social Brasileira da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). A iniciativa é da Igreja Católica - com um comprometimento especial das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e das Pastorais Sociais Populares - que denuncia as diversas formas de exclusão social, com destaque para a desigualdade econômica e a condição de vida sub-humana da maioria do nosso Povo.

(Por “social” entendo: socioeconômico, sociopolítico, socioecológico ou socioambiental, sociocultural e sociorreligioso. O mesmo no plural)

As atividades do Grito são realizadas em parceria e - porque não dizer - em comunhão de ideais com os Movimentos Sociais Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Entidades de Estudantes, Coletivos de Mulheres, Fóruns ou Comitês de Direitos Humanos e da Mãe Terra Nossa Casa Comum, Comissões de Justiça e Paz e outras Organizações Sociais Populares.

O Grito dos Excluídos e das Excluídas vive o que o Papa Francisco - de saudosa memória - diz sobre a Igreja, os Movimentos Sociais Populares e suas relações mútuas.

Dirigindo-se aos Movimentos Sociais Populares, o Papa Francisco afirma:

“Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas mãos de vocês, na capacidade de vocês se organizarem e promoverem alternativas criativas na busca diária dos ‘3 T’ (terra, teto e trabalho) e na participação de vocês como protagonistas nos grandes processos de mudança, regionais, nacionais e mundiais”.

Dirigindo-se, pois, à Igreja, Papa Francisco constata:

“Soube que são muitos na Igreja aqueles e aquelas que se sentem mais próximos dos Movimentos Sociais Populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vocês, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada Diocese, em cada Comissão de Justiça e Paz, uma colaboração real, permanente e comprometida com os Movimentos Sociais Populares” (bondade do Papa Francisco!). E, convida:

“Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos/as (ou seja, todos os cristãos e cristãs católicos e católicas), juntamente com as Organizações Sociais das periferias urbanas e rurais, a aprofundar este encontro” (2º Encontro Mundial dos Movimentos Populares. Santa Cruz de la Sierra - Bolívia, 09/07/15).

Nós que participamos do Grito dos Excluídos e das Excluídas (que o Papa Francisco chamava também Descartados e Descartadas) somos militantes de Comunidades Cristãs - sobretudo de CEBs - de Pastorais Sociais Populares, de Movimentos Sociais Populares, Sindicatos de Trabalhadores e Trabalhadoras, Entidades de Estudantes, Organizações de Mulheres, Fóruns ou Comitês de Direitos Humanos e da Mãe Terra Nossa Casa Comum, Comissões de Justiça e Paz e Outras Organizações Populares.

Como militantes, somos todos e todas solidários e solidárias para com os nossos irmãos e irmãs, que vivem em condições sub-humanas e degradantes. Juntos e juntas lutamos por um Brasil Novo e um Mundo Novo.

O tema geral do Grito dos Excluídos e das Excluídas é - desde o início - “Vida em primeiro lugar”. Seu objetivo sempre foi - e continua sendo - a luta contra a Exclusão.

Por ser sua atividade principal realizada no dia da Independência, o Grito dos Excluídos e das Excluídas questiona: a quem se refere essa Independência? E busca um País mais inclusivo e justo.

O tema do 31º Grito dos Excluídos e Excluídas em 2025 é: "Cuidar da Casa Comum e da Democracia é luta de todo dia".

(Por “democracia” entendo sempre “democracia popular” e não “democracia burguesa ou capitalista”: falsa democracia).

Neste ano de 2025 - além de denunciar, em todo o país, as desigualdades sociais, a exclusão, a ameaça à democracia popular e ao meio ambiente - o Grito ganha força pela realização:

- do Plebiscito Popular, uma iniciativa que emerge do diálogo entre a Igreja e os Movimentos Sociais Populares para ampliar os direitos no trabalho e promover a justiça fiscal. E:

- da COP 30 em Belém (PA), um evento que reforça a urgência das discussões sobre a crise climática e a necessidade de preparar lideranças para a defesa da Casa Comum. A mobilização busca reforçar a importância da democracia popular e o combate ao sistema capitalista, baseado na desigualdade estrutural - legalizada e institucionalizada - e na precarização da vida da grande maioria do nosso povo (Vejam: https://www.gritodosexscluidos/materiais).

Ao finalizar, com muito amor à Igreja, denuncio mais uma vez que a verdadeira Voz do Pai (“Vox Patris”) não é o maior sino do mundo, que agora faz parte do complexo faraônico e luxuoso do segundo Santuário Novo de Trindade (em construção), mas é o Grito dos Excluídos e Excluídas, seus filhos e filhas.

Luto por uma Igreja que seja realmente conforme o Evangelho, a Igreja que Jesus de Nazaré quis e quer: uma Igreja Pobre, desde os Pobres, com os Pobres e para os Pobres: o único caminho para que a Igreja seja de todos e de todas (Leiam o meu artigo: https://freimarcos.blogspot.com/2025/03/a-verdadeira-vox-patris.html).

 Marcos Sassatelli, Frade dominicano, Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) -  
Professor aposentado de Filosofia da UFG - E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282 -



Meu Irmão e minha Irmã participe e ouça a “Voz do Pai” (Vox Patris):  
o “Grito dos Excluídos e Excluídas”, seus filhos e filhas. 



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos