quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Moradia é um direito sagrado -


         Neste 4º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o 3º ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: moradia é um direito sagrado.
            Enfaticamente e de maneira muito firme, o Papa - depois de falar que a Terra é um direito sagrado - afirma: “em segundo lugar, teto. Eu disse e repito: uma casa para cada família. Nunca se deve esquecer que Jesus nasceu em um estábulo porque na hospedagem não havia lugar, e que a sua família teve de abandonar o seu lar e fugir para o Egito, perseguida por Herodes”.
            Com sentimentos de compaixão, ou seja, de partilha do sofrimento do povo, ele diz: “hoje há tantas famílias sem moradia, ou porque nunca a tiveram, ou porque a perderam por diferentes motivos. Família e moradia andam de mãos dadas”.
Francisco destaca, pois, a importância da dimensão comunitária da família. “Um teto, para que seja um lar, tem uma dimensão comunitária: e é o bairro... e é precisamente no bairro onde se começa a construir essa grande família da humanidade, a partir do mais imediato, a partir da convivência com os vizinhos”. É o oposto do individualismo, que leva ao isolamento.
O Papa, com tristeza e ao mesmo tempo com ironia, desmascara a hipocrisia da sociedade e constata: “hoje, vivemos em imensas cidades que se mostram modernas, orgulhosas e até vaidosas. Cidades que oferecem inúmeros prazeres e bem-estar para uma minoria feliz... mas nega-se o teto a milhares de vizinhos e irmãos nossos, inclusive crianças, e eles são chamados, elegantemente, de ‘pessoas em situação de rua’”.
E acrescenta: “é curioso como no mundo das injustiças abundam os eufemismos. Não se dizem as palavras com toda a clareza, e busca-se a realidade no eufemismo. Uma pessoa, uma pessoa segregada, uma pessoa apartada, uma pessoa que está sofrendo a miséria, a fome, é uma pessoa em situação de rua: palavra elegante, não? Vocês, busquem sempre, talvez me equivoque em algum, mas, em geral, por trás de um eufemismo há um crime”. É uma crítica contundente à sociedade capitalista, estruturalmente desumana e antiética.
Como verdadeiro profeta do nosso tempo, Francisco denuncia a crueldade - que é fruto da ganância pelo deus dinheiro - das grandes cidades.
“Vivemos em cidades que constroem torres, centros comerciais, fazem negócios imobiliários... mas abandonam uma parte de si nas margens, nas periferias. Como dói escutar que as ocupações pobres são marginalizadas ou, pior, quer-se erradicá-las! São cruéis as imagens dos despejos forçados, dos tratores derrubando barracos, imagens tão parecidas às da guerra. E isso se vê hoje”.
As imagens do bárbaro despejo da ocupação “Sonho Real” do Parque Oeste Industrial, em Goiânia, são um exemplo paradigmático dessa crueldade. Realmente, não dá para entender como um governo - que está sempre a serviço dos poderosos - pode ser tão cruel para com o povo.
Pela sua experiência existencial (que é também a minha de muitos anos), que brota da proximidade e sintonia de vida com os pobres, Francisco - com perspicácia - evidencia os valores profundamente humanos que existem nos bairros populares e nas ocupações. Os bairros populares são os verdadeiros bairros “nobres”, que não se definem pelo poder econômico, como hipocritamente se costuma afirmar, mesmo em ambientes ditos “religiosos”.
“Vocês sabem que, nos bairros populares, onde muitos de vocês vivem, subsistem valores já esquecidos nos centros enriquecidos. As ocupações urbanas estão abençoadas com uma rica cultura popular: ali, o espaço público não é um mero lugar de trânsito, mas uma extensão do próprio lar, um lugar para gerar vínculos com os vizinhos. Como são belas as cidades que superam a desconfiança doentia e integram os diferentes e que fazem dessa integração um novo fator de desenvolvimento. Como são lindas as cidades que, ainda no seu desenho arquitetônico, estão cheias de espaços que conectam, relacionam, favorecem o reconhecimento do outro”.
Enfim, o Papa faz um caloroso apelo: “por isso, nem expulsão, nem marginalização: é preciso seguir na linha da integração urbana. Essa palavra deve substituir completamente a palavra expulsão, desde já, mas também esses projetos que pretendem envernizar os bairros populares, ajeitar as periferias e maquiar as feridas sociais, em vez de curá-las, promovendo uma integração autêntica e respeitosa. Há uma espécie de arquitetura de maquiagem, não? E vai por aí”.
Diz ainda Francisco: “continuemos trabalhando para que todas as famílias tenham uma moradia e para que todos os bairros tenham uma infraestrutura adequada (esgoto, luz, gás, asfalto e, continuo, escolas, hospitais ou salas de primeiros socorros, clube de esportes) e todas as coisas que criam vínculos e que unem, acesso à saúde - já disse - e à educação e à segurança”. Lutemos pelo direito sagrado à moradia!
Que o Natal 2014 traga a todos e a todas nós muita felicidade e nos comprometa sempre mais com a Justiça e a Paz e os Direitos Humanos, que - por serem humanos - são também divinos!  

Leiam na internet - como minha mensagem de Natal - os artigos: “Jesus, ‘morador de rua’ em Belém” e “Jesus, o ‘sem teto’ de Belém”.


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 24 de dezembro de 2014  

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Gratificação “imoral, indecente e antiética”



“Ai dos juízes que fazem leis injustas” (Is 10,1)

            Sábado, dia 13, o Jornal O Popular publicou a reportagem: “Auxílio-moradia. Juízes recebem retroativo a 2008”. Lendo a notícia, o sangue ferveu e a indignação tomou conta do meu ser. Quando já estava me refazendo do susto, terça-feira, dia 16, no mesmo Jornal, saiu outra reportagem: “Auxílio-moradia. Promotores também vão receber. Categoria começa a se mobilizar para garantir pagamento retroativo a 2008 até para os aposentados”. O sangue ferveu novamente e a indignação voltou. Parece uma competição entre juízes e promotores para ver quem fica em primeiro lugar na ganância, no roubo e na imoralidade pública. É de chorar! É realmente uma sem-vergonhice que não tem limites!
 Todas as pessoas - penso eu - que tomaram conhecimento das reportagens e que têm um mínimo de consciência moral, devem ter tido a mesma reação que eu tive. Pergunto: como é possível que juízes e promotores aceitem, com tanta cara-de-pau, tamanha imoralidade? Como é possível confiarmos em juízes e promotores, que não têm nenhuma sensibilidade humana e nenhuma responsabilidade social?
            Felizmente, ainda existem algumas exceções que são motivo de esperança. Em Goiás, apenas um desembargador do TJ “negou-se a receber o benefício, de acordo com a administração do Tribunal, que não quis divulgar o nome dele”. Desembargador, sua atitude é exemplar, divulgue o seu nome e defenda a justiça com orgulho e de cabeça erguida! Não tenha medo! A verdade deve ser proclamada de cima dos telhados e em alta voz!
            Outro caso é o do juiz do Trabalho Celso Fernando Karsburg, de Santa Cruz do Sul (RS), que merece o nosso reconhecimento pelo testemunho que nos deu. Ele negou-se a receber o auxílio-moradia por considerar a gratificação “imoral, indecente e antiética” (palavras que tomo emprestadas como título do meu artigo). A atitude dele ganhou repercussão nacional. Ah, se todos os juízes fossem como os dois citados!
Vejam, pois, o que acontece com os juízes que querem ser honestos. “Magistrados que recusam o benefício correm o risco de serem malvistos pelos colegas de toga”. Que absurdo! Para os juízes que defendem - sem nenhum escrúpulo de consciência - tamanha maracutaia, a atitude dos que recusam o auxílio-moradia é uma falta de “solidariedade de classe” incompreensível.
            De acordo com a reportagem de sábado, dia 13, “o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) começou a pagar, no mês passado, um total de R$ 43 milhões de auxílio-moradia a magistrados com mais de cinco anos de carreira. Os valores e a quantidade de parcelas pagas a juízes e desembargadores são distintos no montante. Além da quantia retroativa a 2008, eles continuarão recebendo todo mês o valor do benefício reajustado (R$ 4.377,73), o que provocará impacto anual de mais R$ 15 milhões nos cofres públicos”. É um verdadeiro assalto ao dinheiro do povo e um roubo legalizado.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, “o presidente do TJ-GO, desembargador Ney Teles de Paula, autorizou o pagamento do retroativo em 29 de outubro, atendendo a um pedido da Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego). O despacho de Ney Teles não especifica, no entanto, a quantidade de beneficiados que receberão as parcelas retroativas. O desembargador baseou-se em liminar do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), e em resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que, em 7 de outubro, definiu o teto do benefício, com pagamento retroativo a 15 de setembro deste ano”.
Em Goiás, a imoralidade do auxílio-moradia adquire proporções ainda maiores. Reparem: “juízes e desembargadores do Poder Judiciário do Estado de Goiás já recebiam o benefício no valor de R$ 2,3 mil - o equivalente a 10% do subsídio - desde janeiro de 2013, com base na Lei estadual 17.962/13. Uma resolução da Corte Especial do Tribunal de Justiça de Goiás regulamentou a norma e previu a retroatividade pelos 60 meses anteriores, o que, na prática, alcança o ano de 2008”. Que descaramento!
De acordo com a reportagem de terça-feira, dia 16, “o Ministério Público do Estado de Goiás (MP-GO) começa a se articular para conceder auxílio-moradia retroativo a 2008 a promotores e procuradores de Justiça, nos mesmos moldes do que já passou a ser pago, em novembro, a juízes e desembargadores do Poder Judiciário Estadual. Representantes do órgão ministerial sustentam que também têm direito ao efeito retroativo, baseando-se no princípio da paridade. A categoria quer que o benefício também seja pago aos membros aposentados, assim como já pediram os magistrados, e a casais”. A reivindicação dos promotores tem o apoio do procurador-geral de Justiça de Goiás, Lauro Machado.
O presidente da Associação Goiana do Ministério Público (AGMP), o procurador de Justiça Benedito Torres Neto, sustenta que “se é paga (a retroatividade a 2008) no Judiciário, pelo princípio da paridade, deve ser paga no Ministério Público”.
Em se tratando dos seus interesses, os juízes e promotores são realmente especialistas na utilização de artifícios jurídicos, que justifiquem legalmente a imoralidade. Eles querem “parecer” (não ser) pessoas de bem.
Uma reportagem de O Popular, de 20 de outubro passado, mostra que os cofres públicos terão uma baixa anual de quase R$ 50 milhões para pagamento de auxílio-moradia a 904 magistrados, promotores e procuradores de Justiça que atuam em Goiás, nas esferas estadual e federal.
É uma afronta aos trabalhadores, sobretudo aos que ganham o salário mínimo, que são a maioria. É uma injustiça que clama diante de Deus.
Termino fazendo uma advertência: lembrem os juízes e os promotores que se o dinheiro “roubado” dos cofres públicos (mesmo legalmente) - que é dinheiro do povo, principalmente dos pobres - não for devolvido, Deus fará justiça. Aguardem!
Leia também - na internet - o artigo “Auxílio-moradia dos juízes: imoralidade pública legalizada”, de 17 de outubro deste ano.
Como não podia ficar calado diante de uma injustiça tão gritante, retomarei nos próximos artigos as reflexões sobre os pontos marcantes do Discurso de Francisco no Encontro Mundial de Movimentos Populares, já iniciadas nos anteriores.

Em tempo: o desembargador de Goiás, que não aceitou o auxílio-moradia, é Alan Sebastião de Sena, que hoje - quinta-feira, dia 18 - concedeu uma entrevista ao O Popular, na qual ele mostra sua coerência de vida, afirmando:não é nenhum desejo de ser moralista, apenas ser coerente com uma história de vida”. É essa a verdadeira moral (não moralismo), a verdadeira ética!





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 18 de dezembro de 2014


quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Terra é um direito sagrado -



        No Encontro Mundial de Movimentos Populares, Francisco apresenta-se como um irmão entre irmãos e irmãs. Com extraordinária sensibilidade humana, identifica-se com o Encontro. Em seu discurso, chama o Encontro de “nosso”. Como isso é bonito e significativo na sociedade “classista” em que vivemos! “Este Encontro nosso - diz o Papa - responde a um anseio muito concreto, algo que qualquer pai, qualquer mãe quer para os seus filhos; um anseio que deveria estar ao alcance de todos, mas que hoje vemos com tristeza cada vez mais longe da maioria: terra, teto e trabalho”.
Com muita clareza, Francisco afirma: “não se entende que o amor pelos pobres está no centro do Evangelho. Terra, teto e trabalho - isso pelo qual vocês lutam - são direitos sagrados. Reivindicar isso não é nada raro, é a doutrina social da Igreja”.
Terra, teto e trabalho foram escolhidos pelos próprios Movimentos Populares como tema do Encontro e o Papa, em seu discurso, detém-se sobre cada um deles.
            Neste 3º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o segundo ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: terra é um direito sagrado.
            Ante de tudo, Francisco lembra que, “no início da criação, Deus criou o homem, guardião de sua obra, encarregando-o de cultivá-la e protegê-la”. Com muito carinho, ele afirma: “vejo que aqui há dezenas de camponeses e camponesas, e quero felicitá-los por cuidar da terra, por cultivá-la e por fazer isso em comunidade”.
            O Papa manifesta, pois, sua preocupação, dizendo: “preocupa-me a erradicação de tantos irmãos camponeses que sofrem o desenraizamento, e não por guerras e desastres naturais”. E profeticamente denuncia: “a apropriação de terras, o desmatamento, a apropriação da água, os agrotóxicos inadequados são alguns dos males que arrancam o homem de sua terra natal. Essa dolorosa separação, não é só física, mas também existencial e espiritual, porque há uma relação com a terra que está pondo a comunidade rural e seu modo de vida peculiar em notória decadência e até em risco de extinção”.
Ah, se os governantes entendessem a mensagem do nosso irmão Francisco! Infelizmente, a ganância pelo deus dinheiro obceca os latifundiários, que se consideram donos absolutos da terra, muitas vezes com a conivência criminosa do Poder Público.
            Francisco continua denunciando: “a outra dimensão do processo já global é a fome. Quando a especulação financeira condiciona o preço dos alimentos, tratando-os como qualquer mercadoria, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome. Por outro lado, descartam-se toneladas de alimentos. Isso é um verdadeiro escândalo. A fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável”.
            A respeito da Reforma Agrária, o papa afirma: “eu sei que alguns de vocês reivindicam uma Reforma Agrária para solucionar alguns desses problemas, e deixe-me dizer-lhes que, em certos países - e cito aqui o Compêndio da Doutrina Social da Igreja - ‘a Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral’ (CDSI, 300)”.
            E justamente por ser a Reforma Agrária uma necessidade política e uma obrigação moral, no Brasil e em muitos outros países, os Movimentos Populares do campo - com o apoio e a solidariedade dos Movimentos Populares da cidade - lutam e constroem a Reforma Agrária Popular. Ela “consiste na democratização da terra, prioriza a produção de alimentos saudáveis, através da agroecologia, procura desenvolver sistemas de agroindústrias no campo e sob o controle dos camponeses. Isso possibilita agregar valor aos produtos, gerando mais renda e novos postos de trabalho, sobretudo à juventude. Ainda, busca garantir condições e direitos básicos, como saúde, educação, acesso a tecnologias, cultura e lazer a toda a população do campo” (http://oglobo.globo.com/opiniao/reforma-agraria-popular-urgente-11565408).
             Ora, lutar e construir a Reforma Agrária Popular - democratizando o acesso à terra, à água e aos bens da natureza - significa também alcançar a Soberania Alimentar, que é “o direito de cada nação a manter e desenvolver os seus alimentos, tendo em conta a diversidade cultural e produtiva” (Via Campesina).
Enfim, o Papa Francisco conclui suas palavras sobre o direito sagrado à terra com um caloroso apelo aos Movimentos Populares: “por favor, continuem com a luta pela dignidade da família rural, pela água, pela vida e para que todos possam  se beneficiar dos frutos da terra”.   

Leiam também os artigos “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares” e “Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Os pobres querem ser protagonistas”.


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 10 de dezembro de 2014 

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Discurso de Francisco aos Movimentos Populares - Os pobres querem ser protagonistas -



          Neste 2º artigo sobre o Encontro Mundial de Movimentos Populares destaco o primeiro ponto marcante do Discurso do Papa Francisco: os pobres querem ser protagonistas.
            Com muita clareza e objetividade, Francisco afirma: “os pobres não se contentam com promessas ilusórias, desculpas e pretextos”. São palavras que tocam numa questão-chave. A respeito dos pobres, o que mais existe são promessas ilusórias, desculpas e pretextos. Na sociedade capitalista os pobres não contam. É como se não existissem. São sobras descartáveis.
Diz ainda Francisco: “os pobres também não estão esperando de braços cruzados a ajuda de ONGs, planos assistenciais ou soluções que nunca chegam ou, se chegam, chegam de maneira que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar. Isso é meio perigoso”. Quantas vezes as obras sociais tratam os pobres como meros objetos de assistência ou ação caritativa! Quantas vezes elas servem para anestesiar ou domesticar os pobres! As palavras do nosso irmão Francisco nos questionam a todos e a todas.
Reduzir - como fazem muitas Igrejas (comunidades, paróquias dioceses) - a Pastoral Social ou as Pastorais Sociais a obras assistenciais é fugir do verdadeiro problema, que são as causas estruturais da pobreza. Fazer Pastoral Social ou Pastorais Sociais significa, sobretudo, ser solidários e solidárias com os Movimentos Populares e participar de suas lutas, que abrem caminhos para um novo modelo de sociedade, mais justo, mais igualitário e mais de acordo com o projeto de Jesus de Nazaré. Pensemos!
Dirigindo-se diretamente aos participantes do Encontro Mundial de Movimentos Populares, o Papa diz ainda: “vocês sentem que os pobres já não esperam e querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer”. Os pobres querem ser sujeitos e protagonistas de sua própria história e da história de toda a humanidade.
O papa nos explica, pois, em que consiste a verdadeira solidariedade. Ela “é muito mais que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra, de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas”. Será que nós - mesmo cristãos e cristãs - estamos lutando contra as causas estruturais da pobreza?
O papa, com extraordinário realismo, continua dizendo: “solidariedade é enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar”.
Francisco conclui: “a solidariedade, entendida em seu sentido mais profundo, é um modo de fazer história e é isso que os Movimentos Populares fazem”. Notemos como o papa confia nos Movimentos Populares (que não são Movimentos Eclesiais) e como os valoriza!
Ora, se os Movimentos Populares praticam a solidariedade no seu sentido mais profundo, como um modo de fazer história - que é o oposto do modo de fazer história capitalista - por que será que muitas de nossas Igrejas (comunidades, paróquias, dioceses) são tão indiferentes e, muitas vezes, até resistentes em relação aos Movimentos Populares e à participação em suas lutas? A solidariedade não é o amor que acontece? E o mandamento do amor não é a mensagem central do Evangelho?
Sempre dirigindo-se aos participantes do Encontro, o papa de coração aberto reconhece: “vocês não trabalham com ideias, trabalham com realidades, como as que mencionei e muitas outras que me contaram. Vocês têm os pés no barro e as mãos na carne. Têm cheiro de bairro, de povo, de luta!”.
Francisco faz, pois, um veemente apelo: “queremos que se ouça a sua voz, que em geral se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam, mas sem ir às periferias, as boas propostas e projetos, que frequentemente ouvimos nas conferências internacionais, ficam no reino da ideia, é mero projeto”.
Enfim, Francisco, como um verdadeiro profeta atento aos desafios do mundo de hoje, de maneira contundente afirma: “não é possível abordar o escândalo da pobreza promovendo estratégias de contenção que unicamente tranquilizem e convertam os pobres em seres domesticados e inofensivos”. Num profundo desabafo, denuncia: “como é triste ver quando, por trás de supostas obras altruístas, se reduz o outro à passividade, se nega ele ou, pior, se escondem negócios e ambições pessoais: Jesus lhes chamaria de hipócritas”.
E anuncia: “ao contrário, como é lindo quando vemos em movimento os Povos, sobretudo os seus membros mais pobres e os jovens. Então, sim, se sente o vento da promessa que aviva a esperança de um mundo melhor. Que esse vento se transforme em vendaval de esperança. Esse é o meu desejo”. Que seja também esse o nosso desejo!
Nunca um Papa falou com tanta empatia dos Movimentos Populares e de suas lutas sociais e ambientais. Trata-se de uma verdadeira revolução na Igreja, uma revolução evangélica! Sigamos o seu exemplo!
Leiam também o artigo “O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares”, em:




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                                                                                                   Goiânia, 03 de dezembro de 2014

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

O significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares

Neste artigo - o primeiro de uma série - farei algumas considerações e reflexões sobre o significado do Encontro Mundial de Movimentos Populares (EMMP), que foi promovido - a pedido do Papa Francisco - pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, em colaboração com a Pontifícia Academia das Ciências Sociais e que aconteceu em Roma, entre os dias 27 e 29 de outubro passado. Em outros artigos (não necessariamente na sequência cronológica), destacarei os pontos mais marcantes do Discurso do Papa aos participantes do Encontro e da Carta Final do Encontro, que são luzes para a nossa militância nas Pastorais Sociais e nos Movimentos Populares.
Qual é, pois, o significado desse Encontro? Com certeza, ele representa uma verdadeira revolução na Igreja, uma “revolução evangélica” radical, uma clara volta às fontes, ou seja, uma volta ao seguimento de Jesus de Nazaré, que - ainda no seio de sua mãe Maria - foi “morador de rua” e que nasceu na manjedoura de Belém como “sem-teto”. “Não havia lugar para eles dentro de casa” (Lc 2,7).
            Na história da Igreja, já houve Papas que promoveram Encontros com cientistas, com acadêmicos, com industriais ou empresários ditos “católicos” e outras categorias de pessoas, mas nunca um Papa que tenha promovido um Encontro Mundial de Movimentos Populares (não de Movimentos Eclesiais). É de ficar boquiaberto!
Acolhendo os participantes do Encontro, o Papa Francisco, com toda fraternura, diz: “eu estou contente por estar no meio de vocês. Aliás, vou lhes fazer uma confidência: é a primeira vez que eu desço aqui (na Aula Velha do Sínodo), nunca tinha vindo. Como lhes dizia, tenho muita alegria e lhes dou calorosas boas-vindas. Obrigado, por terem aceitado este convite para debater tantos graves problemas sociais que afligem o mundo hoje, vocês que sofrem em carne própria a desigualdade e a exclusão”.
De maneira clara, Francisco afirma: “este Encontro de Movimentos Populares é um sinal, é um grande sinal: vocês vieram colocar na presença de Deus, da Igreja, dos Povos, uma realidade muitas vezes silenciada. Os pobres não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela!”.
Para quem é Igreja e ama a Igreja, doe muito saber que existem dioceses ou arquidioceses que não deram a mínima para esse Encontro e que não publicaram, em seus meios de comunicação, uma palavra sequer sobre o acontecimento. Nestes dias, conversando com um padre, percebi claramente que nem sabia que o Encontro tinha acontecido. Não dá para entender! Essa não é a Igreja que Jesus quer! Essa não é a minha Igreja!
O Papa Francisco - como Jesus de Nazaré - tomou, com coragem profética e sem nenhuma ambiguidade, o partido dos pobres, que lutam pela justiça, pelos direitos humanos e pelos direitos da irmã mãe Terra. Ele fez a Opção pelos Pobres, para - a partir deles e junto com eles - anunciar a todos e a todas a Boa-Notícia de um mundo novo, que à luz da fé é o Reino de Deus. Tornou-se próximo e solidário com todos os excluídos e excluídas e com todos os descartados e descartadas da sociedade.
Ah, se nós, que somos a Igreja (comunidades, paróquias, dioceses) entendêssemos o recado que, com tanta fraternura, nos vem do nosso irmão Francisco! Como seríamos diferentes! Teríamos outras preocupações! No lugar de nos preocupar somente com a estrutura interna da Igreja, com uma Igreja de grandes eventos, com uma Igreja de templos suntuosos, com uma Igreja triunfalista e clerical, com uma Igreja que quer se impor pelo poder e pela ostentação, seríamos uma Igreja simples, despojada, inserida no meio dos pobres - formando Comunidades de Base - e aliada aos Movimentos Populares e a todos aqueles e aquelas - entidades e pessoas - que lutam pela justiça e pelos direitos humanos e ambientais (direitos da irmã mãe Terra)
O nosso irmão Francisco nos ensina que - em nossas comunidades, paróquias e dioceses - só podemos fazer pastoral social e promover as diversas pastorais sociais, necessárias para responder cristãmente aos desafios do mundo de hoje (os apelos de Deus para nós) na proximidade e solidariedade, ou seja, na entranhada aliança com os Movimentos Populares, respeitando e valorizando sua identidade e suas diferentes manifestações culturais e religiosas.

Precisamos mergulhar, sem medo e com muito amor, no mundo dos pobres, dos excluídos e excluídas, dos descartados e descartadas da sociedade, que são nossos irmãos e irmãs, para - sempre a partir deles e junto com eles - abrirmos caminhos novos, que levem a mudanças estruturais e a uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais de acordo com o projeto de Jesus de Nazaré, que é o Reino de Deus no mundo.


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 26 de novembro de 2014

terça-feira, 18 de novembro de 2014

Direitos Humanos: chama viva que ilumina

[Livro: Agenda Latino-americana Mundial 2015]

            “É nossa hora e este Livro-Agenda nos lembra disso:
hora de mudar o mundo, hora revolucionária de exigir
e cumprir todos os Direitos Humanos para todos!”
(Pedro Casaldáliga e José Maria Vigil)

O Livro “Agenda Latino-americana Mundial” é “o livro latino-americano mais difundido, cada ano, dentro e fora do Continente”. Ele é “sinal de comunhão continental e mundial entre as pessoas e as comunidades que vibram e se comprometem com as Grandes Causas da Pátria Grande, como resposta aos desafios da Pátria Maior”.
Ele é ainda “um anuário de esperança dos pobres do mundo a partir da perspectiva latino-americana; um manual companheiro para ir criando a ‘outra mundialidade’; uma síntese da memória histórica da militância e do martírio de Nossa América; uma antologia de solidariedade e criatividade; uma ferramenta pedagógica para a educação, a comunicação, a ação social e a pastoral popular” (1ª página).
            O Livro “Agenda Latino-americana Mundial” foi pensado não só para uso pessoal, mas também e sobretudo para ser “um instrumento pedagógico para comunicadores, educadores populares, agentes de pastoral, animadores de grupos e militantes”.
            Os textos são breves e “apresentados sob a concepção pedagógica de ‘página-cartaz’, pensada e diagramada de forma que, diretamente fotocopiada, possa ser entregue como ‘material de trabalho’ na escola, na reunião de grupo, na alfabetização de adultos ou exposta no mural. E também para os textos serem transcritos no boletim da associação de bairro ou na revista local”.
            A obra é “macroecumênica”: “enquadra-se nesse mundo de referências, crenças, valores e utopias comuns aos povos e aos homens e mulheres de boa vontade, que nós cristãos chamamos de ‘Reino’, a Utopia de Jesus”. Ela é “obra coletiva, patrimônio latino-americano, anuário antológico da memória e da esperança do Continente” (página 9).
            O Livro “Agenda Latino-americana Mundial 2015” aborda o tema “Direitos Humanos”, que é muito atual e desafiante às Igrejas, às Instituições e à sociedade como um todo. Seguindo o método “ver-julgar-agir”, o tema - nos seus múltiplos aspectos - é aprofundado em vários textos, por diferentes autores e desde diferentes enfoques.
Os Direitos Humanos são, pois, “um sonho, uma causa, uma utopia e uma consciência, que crescem e que é preciso ajudar a crescer cada vez mais” (José Maria Vigil, página 8).  
            As “Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil” (2011-2015) ensinam que “a Igreja, como mãe, deve ser a primeira a se interessar pela defesa dos Direitos Humanos” (112).
            No intuito de viver a comunhão com a Igreja e sendo também Igreja, a Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil - que tem sede em Goiânia e presença em 19 Estados do Brasil - há anos, assume a missão de ser responsável pela edição brasileira do Livro “Agenda Latino-americana Mundial”.
            Em Goiânia, o lançamento do Livro “Agenda Latino-americana Mundial 2015” acontecerá no próximo dia 20, às 19:30 horas, no Centro Cultural Cara Vídeo (Rua 83, Nº 361 - Setor Sul).
Na mesma ocasião, acontecerá também o lançamento dos Livros “Advertências e Esperanças: Justiça, Paz e Direitos Humanos” e “Dom Tomás é Terra e Dignidade”.
O Livro “Advertências e Esperanças: Justiça, Paz e Direitos Humanos” reúne “a contribuição de religiosas, religiosos, leigas e leigos da Família Dominicana que se unem em mutirão teológico-pastoral para recordar os 25 anos de vida e ação da Comissão Dominicana de Justiça e Paz do Brasil, estimulando a avançar, cada vez mais, na aventura de construirmos um mundo novo de Justiça, Paz e comunhão amorosa com o universo”.
O Livro “Dom Tomás é Terra e Dignidade”, reúne - entre as várias centenas de mensagens que chegaram por ocasião do falecimento de Dom Tomás - “aquelas que romperam as barreiras dos protocolos e da formalidade; aquelas que deixaram o coração se manifestar para falar do homem, amigo, pastor, irmão que se foi; aquelas que desvendam as pegadas por onde Dom Tomás andou”.
As mensagens foram organizadas em cinco blocos: mensagens das Igrejas e suas instituições; mensagens de entidades e movimentos sociais populares; mensagens do mundo da política; mensagens do exterior; mensagens diversas.
“Trata-se de um registro para preservar a memória de quem, incansavelmente, lutou por uma Igreja, seguidora dos passos de Jesus, por uma sociedade de inclusão, onde todos e todas tenham vida”.
Divulgue os três Livros em seus contatos! Eles são um valioso subsídio na nossa missão em defesa e promoção dos Direitos Humanos e da Justiça e Paz. Participe do lançamento dos Livros! Sua presença é importante e faz a diferença!


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 18 de novembro de 2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Presidenta Dilma, não recue!

Presidenta Dilma não recue! Não traia os Trabalhadores e as Trabalhadoras! Respeite a vontade do Povo, manifestada - por quase 8 milhões de pessoas - no Plebiscito Popular! Honre o voto dos pobres! Ouça o grito das ruas! Faça aliança com os Movimentos Populares! Experimente a força desses Movimentos! Povo unido, organizado e mobilizado jamais será vencido! Seja mulher forte e corajosa! Não tenha medo de arriscar!  
Renovando o pedido que lhe fiz no escrito anterior, convoque, no início de seu segundo mandato, um grande Encontro de Movimentos Populares e - estando à frente dela - lance uma Campanha de Mobilização Nacional, que sacuda o Brasil. Vamos ocupar as ruas e praças do país! Vamos ocupar o Congresso e exigir (não pedir) a imediata convocação do Plebiscito por uma Assembleia Constituinte Soberana e Exclusiva do Sistema Político. Não dá mais para esperar! Com o Congresso que temos, se não houver uma pressão muito forte do Povo, nada irá acontecer em benefício dos pobres.
Depois de aprovada pelo Plebiscito, vamos eleger, com urgência, uma Assembleia Constituinte, única e exclusivamente para, de modo soberano, fazer uma Reforma Política, que seja uma verdadeira mudança estrutural do Sistema Político.
Presidenta Dilma, desistir do Plebiscito e apoiar o Referendo, para aprovar ou não as “reformas” realizadas no Congresso, é mais um jeito de tapear o Povo. Chega de enganação! Não podemos aceitar essa maracutaia!
            Senhora Presidenta, não fique em cima do muro! Não se preocupe em agradar o deus-mercado! Mostre de que lado está! Lembre as palavras do Evangelho: "ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro” (Mt 6,24). E servir a Deus, Presidenta Dilma, é servir ao Povo.
            No Encontro Mundial de Movimentos Populares (de 27 a 29 de outubro último), o papa Francisco, em seu vibrante discurso, de maneira clara e inequívoca (sem meias palavras), posicionou-se a favor dos pobres e solidarizou-se com sua luta.
            “Este Encontro - diz o nosso irmão Francisco - é um sinal, é um grande sinal”. Os pobres “não só padecem a injustiça, mas também lutam contra ela”. Eles não esperam planos assistenciais, “que vão em uma direção ou de anestesiar ou de domesticar”, mas “querem ser protagonistas, se organizam, estudam, trabalham, reivindicam e, sobretudo, praticam essa solidariedade tão especial que existe entre os que sofrem, entre os pobres, e que a nossa civilização parece ter esquecido ou, ao menos, tem muita vontade de esquecer”.
            A solidariedade - diz ainda o papa - é “muito mais do que alguns atos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridade de vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. Também é lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, de terra e de moradia, a negação dos direitos sociais e trabalhistas, É enfrentar os destrutivos efeitos do Império do dinheiro: os deslocamentos forçados, as migrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas essas realidades que muitos de vocês sofrem e que todos somos chamados a transformar”. Em seu sentido mais profundo, a solidariedade “é um modo de fazer história, e é isso que os Movimentos Populares fazem”.
            Francisco, num caloroso apelo, declara: “queremos que se ouça a sua voz (dos Movimentos Populares), que, em geral, se escuta pouco. Talvez porque incomoda, talvez porque o seu grito incomoda, talvez porque se tem medo da mudança que vocês reivindicam”.
            Presidenta Dilma, não tenha medo da mudança, não desista da mudança! Ouça a voz dos Movimentos Populares e junte-se a eles, para abrir caminhos novos e fazer acontecer, no Brasil, o Projeto Popular!

            Infelizmente, o cerco do Congresso à Presidenta Dilma já foi montado, para que não aconteça o Plebiscito! Derrubemos esse cerco! O Povo é soberano!
Plebiscito por uma Constituinte Soberana e Exclusiva do Sistema Político, já!  Reforma Política, já!

Leia também na internet os artigos:
“Um conselho à presidenta Dilma” e 
“Plebiscito: primeiro desafio da presidenta Dilma” 

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 12 de novembro de 2014

quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Plebiscito: primeiro desafio da presidenta Dilma

Presidenta Dilma, com o Congresso (Câmara e Senado) que temos, nenhuma mudança política estrutural irá acontecer. É mais do que evidente. A grande maioria dos deputados federais e senadores - com algumas louváveis exceções - foram eleitos por causa do seu poder econômico, enganando ou comprando os eleitores. Com eles e elas, o máximo que poderá acontecer no Congresso será: pequenas reformas ou retoques, que servem de maquiagem para manter e fortalecer o sistema político e econômico dominante.
Como exemplo, basta lembrar a derrubada (dois dias após as eleições) na Câmara Federal, presidida por Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) - com o apoio do PMDB, principal aliado do Planalto - do decreto presidencial que institui os Conselhos Populares e outras formas de participação popular (Política Nacional de Participação Social - PNPS). Com ironia, cinismo e desrespeito, o deputado federal Mendonça Filho (PE), líder do DEM e autor do projeto que cancela os Conselhos Populares, afirma: é preciso reverter “esse decreto bolivariano”. Por sua vez, Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, diz que o decreto será derrubado também pelos senadores. Que vergonha nacional! Dá nojo!
Está claro que estes deputados federais e senadores querem servir-se do povo e não servir ao povo. Se fossem realmente representantes do povo (e não aproveitadores), deveriam ficar contentes e apoiar com entusiasmo a criação de novas formas de participação do povo - como os Conselhos Populares - na implementação de políticas públicas. Seria uma maneira de consolidar a participação popular como método de governo, multiplicando os espaços do exercício da democracia direta ou participativa e não somente da democracia indireta ou representativa.
Inclusive - como afirma José Fortunati (PDT), prefeito de Porto Alegre - “a decisão dos parlamentares fere a Constituição. A Carta assegura a participação direta dos cidadãos na política e não deixa dúvidas quanto à inexistência de concorrência de atribuições entre a participação popular e o indelegável papel dos Legislativos” (Câmara na contramão das ruas. Folha de S. Paulo, 03/11/14, p. A3).
Infelizmente, a nossa democracia (que é, quase sempre, indireta ou representativa), na prática não é democracia (governo do povo), mas aristocracia (governo de uma elite - que usa o povo para seus interesses).
Pretender que - nesse Congresso (Câmara e Senado) e, pior ainda, no Congresso da próxima legislatura - a maioria dos deputados federais e senadores aprove os Conselhos Populares é como pretender que - no galinheiro - a raposa aprove os conselhos das galinhas.
            Presidenta Dilma, a senhora está diante de um grande dilema: governar com o povo, para conseguir mudanças estruturais, ou governar com os detentores do poder econômico, para manter e fortalecer o sistema vigente, que é um “sistema econômico iniquo” (Documento de Aparecida, 385) ou, em outras palavras, uma “economia da exclusão e da desigualdade social”, que é uma “economia que mata” (Papa Francisco. O Evangelho da Alegria, 53). Não há outra saída!
Com os detentores do poder econômico poderá até haver - por necessidade estratégica - acordos pontuais sobre alguns posicionamentos políticos, mas nunca aliança (comunhão de projetos). Trata-se de dois projetos políticos e econômicos totalmente diferentes e opostos. Não se iluda, presidenta Dilma!
O seu primeiro e grande desafio, no segundo mandato, é realizar o Plebiscito para uma Constituinte Soberana e Exclusiva (insisto: Exclusiva) para a Reforma (mudança estrutural) do Sistema Político. A senhora só irá conseguir isso com o apoio do povo unido, organizado e mobilizado.
Presidenta Dilma, siga o exemplo do papa Francisco e - logo no início do seu segundo mandato - convoque um grande Encontro de Movimentos Populares do Brasil todo, lance uma aguerrida Campanha de Mobilização Nacional e esteja à frente dela. Vamos ocupar as ruas do país! Vamos ocupar e pressionar o Congresso, lembrando aos deputados federais e senadores que todo poder é do povo e emana do povo! Presidenta Dilma, venha conosco! Venha no meio do povo! O povo é soberano!
            O Plebiscito Popular (que, pela Constituição atual, não é oficial, mas que, com a Reforma Política, poderá sê-lo) - planejado por cerca de 400 Entidades e realizado de 1 a 7 de setembro passado, com quase 8 milhões de assinaturas - é uma prova concreta da força do povo.
            No Encontro Mundial de Movimentos Populares (27-29 de outubro), o papa Francisco, em seu vibrante discurso afirma: “alguns de vocês expressaram: esse sistema não se aguenta mais, Temos que mudá-lo, temos que voltar a levar a dignidade humana para o centro e que, sobre esse pilar, se construam as estruturas sociais alternativas de que precisamos”.  
Diz ainda o papa: “os Movimentos Populares expressam a necessidade urgente de revitalizar as nossas democracias, tantas vezes sequestradas por inúmeros fatores. É impossível imaginar um futuro para a sociedade sem a participação protagônica das grandes maiorias, e esse protagonismo excede os procedimentos lógicos da democracia formal”. Ah, se os nossos deputados federais e senadores tomassem consciência disso!
            Sem nenhuma pretensão proselitista e numa atitude ecumênica de profundo respeito às diferentes culturas e religiões como um grande valor humano, o papa - com muita fraternura - faz um veemente apelo aos membros dos Movimentos Populares: “queridos irmãos e irmãs, sigam com sua luta, fazem bem a todos nós. É como uma benção de humanidade”.
Referindo-se aos textos evangélicos das Bem-Aventuranças (Mt 5,1-12 e Lc 6,20-26) e do Juízo Final (Mt 25,31-46) e recomendando vivamente sua leitura, Francisco afirma: “os cristãos têm algo muito lindo, um guia de ação, um programa, poderíamos dizer, revolucionário”.

            Presidenta Dilma, sejamos, pois, verdadeiros revolucionários e revolucionárias! O Brasil e o mundo de hoje exigem isso de nós!

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP),
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br
                                                                                       Goiânia, 05 de novembro de 2014