quinta-feira, 28 de maio de 2020

O “auxilio-saúde” do TJ-GO: uma imoralidade pública descarada



Em meio à pandemia do coronavírus (Covid-19), o Tribunal de Justiça (ou melhor: de Injustiça) do Estado de Goiás (TJ-GO) - no dia 13 deste mês de maio - aprovou o “auxílio-saúde” de R$ 1.280 mensais para os juízes e desembargadores, que já têm o “auxílio-moradia” de R$ 4.300 mensais, o “auxílio-alimentação” de R$ 1.200 mensais e o “auxílio-livro” de R$ 3.200 anuais, além do salário que varia de R$ 30.400 a R$ 35.400. O benefício do “auxílio-saúde” causará aos cofres públicos o impacto de R$ 6 milhões por mês.
    A respeito desse benefício, ouçamos a voz do povo:
  • “É uma tremenda covardia, falta de respeito ao povo que precisa tanto de ajuda e não está conseguindo. Como estes servidores, com os salários e benefícios que já têm, conseguem à noite dormir tranquilos? As filas de desesperados estão imensas, de pessoas que o estado nem reconhece como gente. Não há justiça neste país de forma alguma!! Vergonha destes seres desprezíveis!!!” (Hercilia Ramos).
  • "’Auxílio’ com dinheiro público para quem ganha mais de 30 salários-mínimos é um tapa na cara da sociedade. É assumir que está se lixando se tem gente que morre de fome. É lavar as mãos para o problema ‘dos outros’. É a distorção das distorções. É a falta total de vergonha” (Nando Tigrão).
  • “Esses caras não tem vergonha ...pobre passando fome e eles se esbaldando com o dinheiro público” (Luis Ribeiro). 
    Entre os muitos que poderiam ser citados, os três comentários acima expressam muito bem qual é o sentimento geral do povo - sobretudo dos pobres que são a grande maioria - diante da aprovação pelo TJ-GO do “auxílio-saúde”.
    O TJ-GO - por meio de Nota - “afirmou que já encaminhou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) um documento no qual informa o cumprimento da implementação de um programa de assistência suplementar à saúde. O órgão ressaltou que o benefício é previsto pela resolução do Conselho e que é de cada Tribunal a escolha sobre a forma de efetivar esta assistência a seus magistrados, servidores e pensionistas”.
No caso do TJ-GO, a Nota diz: “A assistência à saúde dos beneficiários será prestada, de forma suplementar, por meio de auxílio de caráter indenizatório, com a finalidade de subsidiar custos com planos de assistência à saúde privados. As despesas serão custeadas com orçamento do próprio TJ-GO”. 
Senhores juízes e desembargadores, o benefício - mesmo que seja legal - é imoral: uma imoralidade pública descarada, uma sem-vergonhice. É um acinte (uma ofensa, uma afronta, um insulto, um desaforo, um ultraje, um deboche) ao nosso povo. 
O “auxílio-saúde” é mais uma prova que os juízes e desembargadores - com algumas exceções - buscam somente seus próprios interesses, estão sempre ao lado dos poderosos, defendem os latifundiários (que, em grande parte, são grileiros de terras públicas), criminalizam os Movimentos Sociais Populares (como o MST e outros), condenam suas lideranças, colocando-as na cadeia e não estão nem aí com o sofrimento e a morte dos pobres.
O povo - e sobretudo os trabalhadores e trabalhadoras - podem confiar numa “Justiça” como essa? Certamente que não.
Como cristão católico, seguidor de Jesus de Nazaré e frade dominicano - por amor à Verdade (o lema da Ordem Dominicana é “Veritas”), em consciência - embora com muita dor - denuncio: 
  • O silêncio da Arquidiocese de Goiânia (oficialmente, não disse uma palavra sequer) diante da aprovação pelo TJ-GO do “auxílio-saúde” dos juízes e desembargadores, é conivência com uma injustiça que clama diante de Deus.
  • Uma Capela “católica” (portanto, confessional), com o Santíssimo Sacramento da Eucaristia, no TJ-GO (lugar público) é claramente inconstitucional e um desrespeito para com as outras Igrejas e Religiões (num lugar público, como o TJ-GO, no máximo poderia ter um local ou espaço ecumênico de meditação e oração).
  • Por tudo o que foi dito - mantendo uma Capela católica no TJ-GO - a Arquidiocese de Goiânia está traindo Jesus de Nazaré e profanando o Santíssimo Sacramento da Eucaristia na pessoa dos Pobres (o que é muito mais grave que a constitucionalidade ou não da própria Capela).
Nessa realidade - eclesial e, sobretudo, eclesiástica - de hoje, como é bom e animador fazer a memória do tempo em que a Arquidiocese de Goiânia era uma Igreja realmente profética e combativa! Pela fé, tenho certeza que esse tempo vai voltar e com mais força. As provações fortalecem a Igreja!
Por fim, antes de terminar, preciso dizer mais uma verdade. Alguém - que, pelo ministério que exerce, teria a obrigação de conhecer a história da Arquidiocese - afirmou que “a Igreja de Goiânia foi salva pela religiosidade popular, porque se tinha transformado numa ONG”. 
Por ter vivido intensamente e muito de perto (como um dos responsáveis) ao menos 15 anos da caminhada de renovação da Igreja de Goiânia depois do Concílio Vaticano II, posso afirmar, alto e bom som: trata-se de uma calúnia muito grave. Confio na justiça de Deus.
Lutemos por uma Igreja livre de todas as amarras de poder e suas insígnias; de todas as ostentações de luxo; e de todos os comportamentos diplomáticos, ambíguos, oportunistas, triunfalistas, ditatoriais e clericais.
Lutemos por uma “Igreja Pobre, para os Pobres, com os Pobres e dos Pobres”: a Igreja de Jesus de Nazaré, a Igreja de todos e de todas.


TJ-GO aprova auxílio-saúde de R$ 1,2 mil a juízes e desembargadores
   

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 Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG
Goiânia, 27 de maio de 2020


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