terça-feira, 20 de maio de 2025

Por uma Igreja Cristã Católica evangélica (1ª parte)

 


O Vaticano II faz-nos passar:

  • de uma Igreja-instituição ou de uma Igreja-sociedade perfeita para uma Igreja-comunidade, inserida no mundo, a serviço do Reino de Deus;
  • de uma Igreja-poder para uma Igreja pobre, despojada, peregrina;
  • de uma Igreja-autoridade para uma Igreja serva, servidora, ministerial;
  • de uma Igreja piramidal para uma Igreja-povo;
  • de uma Igreja pura e sem mancha para uma Igreja santa e pecadora, sempre necessitada de conversão, de reforma; 
  • de uma Igreja-cristandade para uma Igreja-missão, uma Igreja toda ela missionária”. 

(Dom Aloísio Lorscheider. Fotografia da Igreja que o Concílio Vaticano II sonhou” - Os destaques em negrito são meus).

O Concílio Vaticano II colocou as bases para que a Igreja Cristã Católica viva um processo de libertação permanente dos pecados pessoais de todos os que somos cristãos e cristãs dessa Igreja e, sobretudo, do seu pecado estrutural como Instituição. É só fazendo isso que a Igreja Cristã Católica voltará a ser - no mundo de hoje - uma Igreja realmente evangélica como eram, no seu tempo, as primeiras Comunidades Cristãs

A Conferência de Medellín - em teoria, mas ainda muito pouco na prática - encarnou esses ensinamentos do Concílio Vaticano II na realidade da América Latina e do Caribe.

Costuma-se dizer que a Igreja é santa e que os pecadores são os cristãos e cristãs. Essa afirmação é verdadeira somente em parte. Explico-me:

Todos e todas nós, cristãos e cristãs - enquanto seres humanos situados (no espaço) e datados (no tempo) - somos pecadores e pecadoras, mas também santos e santas. Enquanto estamos nesse mundo, sempre precisamos nos libertar dos nossos pecados pessoais e crescer na santidade - que, no Plano de Deus, é a perfeição humana - vivendo cada dia mais profundamente o mandamento do Amor a Deus e aos Irmãos e Irmãs.

Jesus carinhosamente diz aos seus discípulos/as: “Filhinhos/as: vou ficar com vocês só mais um pouco. Vocês vão me procurar, e eu digo agora a vocês o que eu já disse aos judeus: para onde eu vou, vocês não podem ir. Eu dou a vocês um mandamento novo: amem-se uns aos outros. Assim como eu amei vocês, vocês devem se amar uns aos outros. Se vocês tiverem amor uns para com os outros, todos/as reconhecerão que vocês são meus discípulos/as” (Jo 13, 33-35).

O projeto de vida dos que somos cristãos e cristãs deve ser um projeto de vida humana radical.

Pessoalmente - por viver há mais de 50 anos a experiência de vida cristã das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) - posso testemunhar que, no meio dos nossos irmãos e irmãs, trabalhadores e trabalhadoras pobres dessas Comunidades, encontrei - além de pecados - muita santidade.

Foi na convivência com os irmãos e as irmãs dessas Comunidades que aprendi a ser cristão (frade dominicano, padre, professor de filosofia na UFG e teologia em outras Instituições) e aprendo até hoje.

Nessa caminhada, entre os muitos fatos que me marcaram profundamente, cito um: numa Comunidade da periferia de Goiânia visitava periodicamente um senhor baiano, idoso e doente. As visitas eram sempre muito fraternas e - depois de uma longa e carinhosa conversa de irmãos, sentados num banquinho, um ao lado do outro, na porta do barraco onde ele morava - quando ia embora, sempre me dizia: “Deus conte seus passos!”. Após algum tempo, a filha voltou com ele para a Bahia. Na hora de sua morte (plenitude da Páscoa), disse à filha com toda simplicidade: “Quando você for a Goiânia, avisa Frei Marcos que eu morri!”. Quanta sabedoria de vida e quanta fé!  Acho que Deus está contando meus passos até hoje!

Continuando as nossas reflexões - além dos pecados pessoais dos que somos cristãos e cristãs - o que há de mais grave na Igreja Cristã Católica é seu pecado estrutural (institucionalizado), do qual ela precisa se libertar para voltar a ser hoje uma Igreja realmente evangélica.

No decurso de sua história - ao contrário de Jesus que venceu as tentações - a Igreja Instituição cedeu a três grandes tentações: do poder, do luxo e do triunfalismo. Ela incorporou estruturas do imperialismo, do feudalismo e do capitalismo, que não têm nada a ver com o Evangelho de Jesus de Nazaré e tornou-se uma Igreja poderosa, luxuosa e triunfalista.

Entre muitos, cito somente um fato: na Procissão da Solenidade do Corpo de Cristo, pessoalmente sinto-me sempre muito mal vendo a Eucaristia transportada nas ruas centrais de Goiânia num ostensório de ouro e por Ministros com vestimentas litúrgicas luxuosas, enquanto Jesus, na pessoa dos Moradores em Situação de Rua, dorme deitado na calçada das ruas, onde a procissão eucarística passa. Que contradição! Que Igreja é essa!

Agradeço a Deus a vida do nosso irmão Papa Francisco pelo seu testemunho e por tudo aquilo que ele - dentro do possível - conseguiu fazer por uma Igreja mais evangélica e que o nosso Irmão, o Papa Leão XIV pretende continuar. Mesmo com tudo isso, ainda há muito a ser feito!

(Esclarecendo: no texto uso a palavra “evangélica” como expressão do seguimento radical de Jesus)

(Depois dessas reflexões de caráter mais geral, na 2ª parte do Artigo - com muito amor à Igreja Cristã Católica da qual sou membro - apresentarei algumas propostas concretas para que essa Igreja volte a ser - cada dia mais - uma Igreja realmente evangélica).

 


portaldascebs.org.br




Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
 
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 19 de maio de 2025


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