quarta-feira, 28 de maio de 2025

Por uma Igreja Cristã Católica evangélica (2ª parte)

 


Depois das reflexões feitas (na 1ª parte do artigo) à luz do Concílio Vaticano II e da Conferência de Medellín, apresento aqui algumas propostas concretas: caminhos que a Igreja Cristã Católica precisa percorrer para voltar a ser uma Igreja verdadeiramente evangélica.


1ª. A Igreja Cristã Católica deve reconhecer - não só na teoria, mas também na prática - que todos os Seres humanos - Cristãos e Cristãs incluídos - são iguais em dignidade e valor.


“Deus disse: ‘Façamos o Ser humano à nossa Imagem e semelhança’. (...) E Deus criou o Ser humano à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, macho e fêmea os criou” (Gn 1,26-27).


"Deve-se reconhecer cada vez mais a igualdade fundamental entre todos os Seres humanos" (A Igreja no mundo de hoje - GS 29). "A razão principal da dignidade humana consiste na vocação do Ser humano para a comunhão com Deus" (GS 19). Na Igreja “reina (deveria reinar...) verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os cristãos e cristãs na edificação do Corpo de Cristo" (A Igreja - LG 32).


“Na Igreja, Povo de Deus, é comum a dignidade dos filhos e filhas de Deus batizados e batizadas, no seguimento de Jesus, na comunhão recíproca e no mandamento missionário” (Exortação Apostólica Pós-sinodal “Ecclesia in America” - EA 44). “Na Igreja, todos e todas são chamados à santidade (perfeição humana, felicidade) e receberam a mesma fé pela justiça de Deus” (LG 32).


"O mistério do Ser humano só se torna claro verdadeiramente no mistério do Verbo encarnado. (…) Cristo manifesta plenamente o Ser humano ao próprio Ser humano e lhe descobre a sua altíssima vocação" (GS 22). “Todo aquele que segue Cristo, o Ser humano perfeito, torna-se ele também mais Ser humano” (GS 41).


2ª. A Igreja Cristã Católica deve ser toda ministeral, na diversidade dos dons (carismas) e dos serviços (ministérios).


Na Igreja: “existem dons diferentes, mas o Espírito é o mesmo; diferentes serviços, mas o Senhor é o mesmo; diferentes modos de agir, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Cada um recebe o dom de manifestar o Espírito para a utilidade de todos. A um, o Espírito dá a palavra de sabedoria; a outro, a palavra de ciência segundo o mesmo Espírito; a outro, o mesmo Espírito dá a fé; a outro ainda, o único e mesmo Espírito concede o dom das curas; a outro, o poder de fazer milagres; a outro, a profecia; a outro, o discernimento dos espíritos; a outro, o dom de falar em línguas; a outro ainda, o dom de as interpretar. Mas é o único e mesmo Espírito quem realiza tudo isso, distribuindo os seus dons a cada um, conforme ele quer” (1Cor 12,4-11).


3ª. A Igreja Cristã Católica deve ser uma Comunidade de Irmãos e Irmãs (um círculo) e não uma Hierarquia de classes - Clero e Laicato - com a classe intermediária chamada Vida Religiosa (uma pirâmide).


“Desenvolvendo perspectivas já presentes no Concílio, mas ainda não explicitadas, vários teólogos - a começar por Congar - têm proposto pensar a estrutura social da Igreja dentro do binômio 'comunidade - carismas e ministérios'. O primeiro termo, 'comunidade' (ou o teologicamente mais denso, 'comunhão'), inclui tudo o que há de comum a todos os membros da Igreja; e a dupla 'carisma e ministérios' inclui tudo o que positivamente os distingue. É esta, aliás, a perspectiva do Novo Testamento, onde nunca aparece o termo 'leigo' ou ‘leiga’ (e - podemos acrescentar - nem o termo ‘clero’), mas sublinham-se os elementos comuns a todos os cristãos/ãs e, ao mesmo tempo, valorizam-se as diferenças carismáticas, ministeriais e de serviço. Neste sentido, os termos que designam os membros do Povo de Deus acentuam a condição comum a todos os renascidos pela água e pelo Espírito: santos/as, eleitos/as, discípulos/as, irmãos/ãs” (CNBB. Missão e Ministérios dos Cristãos Leigos e Leigas - 62, 1999, número 104-106. Veja a íntegra do Documento. Infelizmente, depois de 17 anos, no Documento “Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade - 105 - 2016, a CNBB esqueceu o Documento anterior e voltou a reafirmar o binômio Hierarquia e Laicato)


Na Igreja, todas as eleições - nas Pastorais e nos Conselhos Pastorais (os novos Sínodos) - devem ser comunitárias e ter valor deliberativo, em comunhão com as outras Igrejas e com a Igreja de Roma, cujo bispo (papa deriva de pai) é sinal de unidade de todas as Igrejas numa só Igreja.


4ª. A Igreja Cristá Católica precisa se despojar de todas as formas de luxo, poder e triunfalismo


Para fazer isso, a Igreja deve seguir o caminho que Jesus (Caminho, Verdade e Vida) fez, desde a manjedoura de um estábulo, onde nasceu como sem-teto, até na Cruz, onde morreu como criminoso, acusado de “subverter” o povo. Ora, para seguir o caminho de Jesus, a Igreja precisa:

  • Acabar com todos os títulos honoríficos (eminência, excelência, monsenhor e muitos outros). Ficar somente com os títulos acadêmicos, que dizem qual é a área na qual o irmão ou a irmã está mais preparado ou preparada para servir e os títulos profissionais que indicam qual o serviço que o irmão ou a irmã presta.

  • Acabar com o cardinalato e sua sagrada púrpura (que de sagrado não tem nada).

  • Acabar com os palácios episcopais (que estão voltando), com outros palácios e com todo tipo de luxo na construção das Igrejas, nos vasos e vestimentas litúrgicas, mas preservando tudo o que é patrimônio histórico-cultural - positivo ou negativo - cuja memória nos ensina hoje (um exemplo: a Igreja de S. Francisco de Assis, em Salvador - BA, com o interior revestido em ouro (“Igreja de ouro”). Pergunto: Logo São Francisco? Que contradição!).

  • Acabar com todas as manifestações e celebrações triunfalistas. A Igreja deve ser sal da terra, fermento na massa e luz do mundo.

  • Acabar com todas as formas de poder. Na Igreja - além dos serviços (ministérios) das diferentes pastorais - só deve existir o serviço (ministério) da coordenação com sua secretaria.

  • Acabar, por fim, com a Igreja - Estado: o maior equívoco histórico, que não tem nada a ver com o Evangelho. Como? De duas maneiras:

º Devolvendo o Estado do Vaticano ao Estado italiano, com a responsabilidade de preservar seu patrimônio histórico-cultural, seja positivo que negativo, ou:

º Criando um pequeno Estado autônomo com a mesma responsabilidade e totalmente independente da Igreja, como - por exemplo - a República de S. Marino na Itália e outros.

Quem sabe, um dia tudo isso se tornará realidade e teremos uma Igreja Cristã Católica verdadeiramente evangélica. Invoquemos o Espírito Santo. (Vejam na imagem abaixo: o Papa Francisco é um irmão igual aos outros do grupo)     


Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)   
Professor aposentado de Filosofia da UFG
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br - Cel. e WA: (62) 9 9979 2282
 
https://freimarcos.blogspot.com/ - Goiânia, 26 de maio de 2025




           portaldascebs.org.br


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A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos