Nos três últimos artigos refletimos sobre o Ser humano meta-histórico (meta-social e meta-individual) “já e ainda não”.
Neste, vamos começar a refletir sobre o Ser humano meta-histórico (meta-social e meta-individual) “além da morte”.
Na existência histórica do Ser humano, encontramos, fundamentalmente, dois "caminhos" ("vias") que nos levam: o primeiro, a descobrir a necessidade da existência de Deus (o Outro absoluto), Fonte (Fundamento) do ser nos seres ou (em linguagem teológica) de Deus Criador; o segundo, a descobrir, diretamente, a dimensão da meta-historicidade humana “além da morte” e, indiretamente, a existência de Deus.
O primeiro "caminho" parte do "real" como tal (portanto, também do "real humano"). Antes de tudo, tenta responder à pergunta: por que existe o "real"? Esta pergunta é racional e perfeitamente legítima. Não basta explicar o real e mostrar como funciona (que é o papel das ciências); é preciso também questionar a própria existência do real. "Se se consegue não só 'falar' esta questão, mas também 'pensá-la' realmente, percebe-se que a existência do real, considerado no seu todo, faz surgir uma outra questão: ele não explica a sua própria existência (...). O real 'existe', é um ponto, eis tudo" (PODEUR, L. Imagem moderna do mundo e fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 131).
É esta a "contingência" do real. Se pararmos por aqui, o "real" torna-se um "absurdo". Continuemos o movimento da razão que interroga, inscrevendo o próprio real num contexto emglobante. "Neste caso, a existência do real (...) torna-se exigência de um fundamento (...). Somos levados então a propor a hipótese de uma fonte, da qual nada sabemos a não ser que seria 'completamente diferente' do mundo, porque seria o fundamento do mundo e ela mesma não teria que ter um fundamento" (ib., p. 132).
Chegamos, assim, ao tema da "presença ontólogica" de Deus - em linguagem filosófica - ou "presença criadora” de Deus (criação) - em linguagem teológica.
A hipótese da existência de um Deus - fundamento do ser nos seres existentes - não é irracional e irreal. "Mesmo que a ciência pudesse explicar cabalmente as existências que aparecem e desaparecem do universo, ela não poderia dizer nada a respeito da existência como tal da realidade: ela simplesmente a pressupõe e funciona tomando-a por base" (ib.).
Em seguida, o "caminho", que parte do "real" como tal, tenta responder à pergunta: qual é o "sentido" do real? É próprio do Ser humano histórico procurar um "sentido" (um "significado") não só para a sua existência, mas também para o "real" (a "realidade") considerado em si mesmo (e não neste ou naquele indivíduo).
O conhecimento "científico" dos mecanismos do real (material e vivente) - mesmo supondo a ciência totalmente acabada (o que é impossível na condição existencial do Ser humano) - não oferece nenhum dado concernente à existência e à natureza do sentido (significado) último das coisas (cf. ib., p. 133-134). Portanto, "a afirmação de um Deus-fundamento pode inserir-se em nossa concepção do real sem opor-se ao projeto científico e sem obrigar, por nada deste mundo, a repor em questão os nossos conhecimentos do universo" (ib., p. 134).
O segundo "caminho" - que nos leva a descobrir, diretamente, a meta-historicidade do Ser humano “além da morte” e, indiretamente, a existência de Deus - parte do "real humano" (da realidade humana). Antes de tudo, tenta responder à pergunta: por que o Ser humano "necessita estruturalmente" de Infinito? A "necessidade estrutural" (a "exigência estrutural") de Infinito mostra que o Ser humano histórico - embora limitado em suas possibilidades - é infinito em seus anseios e aspirações (tensões, projeções); ele vive em estado de busca permanente e nunca se satisfaz; ele anseia uma plenificação, ou seja, uma vida plena (completa), uma realização plena (total), que possa trazer-lhe uma felicidade plena (verdadeira).
Será que tais anseios (aspirações) são infundados e levam o Ser humano histórico à frustração (e/ou ao desespero), ou será que são fundados e levam este mesmo Ser humano histórico à esperança? Sua vida desenvolve-se numa contínua disputa entre a angústia (ou a inquietude constante) - que pode levar, às vezes, à frustração e/ou ao desespero - e a esperança - que leva ao Absoluto, ao Infinito (Veja o pensamento de S. Agostinho a respeito da inquietude constante do Ser humano).
Na existência histórica do Ser humano, "o par angústia-esperança não se pode cindir. Este par psicológico corresponde a este outro par ontológico: desamparo metafísico-plenitude subsistencial. A coexistência destes momentos na vida humana é orgânica e forma uma unidade substancial. Os vaivéns da vida devem-se ao predomínio do sentimento de nosso desamparo ontológico ou ao predomínio do pré-sentimento de nossa plenitude subsistencial. No 'ser contingente' ('ens contingens') que é o Ser humano, há um desfiladeiro para o nada e uma escada para o Absoluto. Somos, os humanos, um misterioso amálgama de nada e de eternidade" (DEL VALLE, A. Basave. Filosofia do homem. Fundamentos de Antropologia metafísica. Convívio, São Paulo, 1975, p. 95).
(No próximo artigo sobre o Ser humano continua o mesmo tema: parte 2)
Marcos Sassatelli, Frade dominicanoDoutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) Professor aposentado de Filosofia da UFG
O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-1/ (10/07/25)
O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-meta-historico-alem-da-morte-1/ (10/07/25)