segunda-feira, 16 de abril de 2012

Páscoa: uma reflexão teológico-pastoral

A Páscoa - passagem da morte para a vida (vida de ressuscitados, vida nova em Cristo, vida segundo o Espírito) - acontece no mundo na medida em que o ser humano se humaniza, naturalizando-se (vivendo em comunhão com a natureza e suas formas de vida) e o mundo se naturaliza, humanizando-se (vivendo em comunhão com o ser humano e sua forma de vida). A Páscoa, podemos dizer, é a utopia de um humanismo naturalizado e de um naturalismo humanizado, acontecendo. "A criação toda geme e sofre dores de parto até agora. E não somente ela, mas também nós, que possuímos os primeiros frutos do Espírito, gememos no íntimo, esperando a adoção, a libertação para nosso corpo” (Rm 8, 22-23).
O ser humano - como tudo o que existe - é um ser-no-mundo (a mundanidade é constitutiva do ser humano e de todos os seres). O ser humano, porém, sabe (tem consciência) que é um ser-no-mundo (a consciência é constitutiva do ser humano). Por isso, ele é também um ser-com-o-mundo (material e vivente), com-os-outros (semelhantes) e com-o-Outro absoluto” (Deus). A alteridade mundana (cósmica), a alteridade humana e a alteridade divina são as dimensões e relações fundamentais do ser humano. Elas se desdobram em muitas dimensões e relações e constituem sua identidade. O ser humano, portanto, é um ser pluridimensional e pluri-relacional.
As dimensões e relações do ser humano são históricas, situadas (no espaço) e datadas (no tempo). Sendo históricas, elas são estruturais (sociais, econômicas, políticas, ecológicas, culturais) e individuais ou interindividuais (corpóreas - incluindo a sexualidade -, bio-psíquicas, espirituais ou pessoais). Toda dimensão e relação marca o ser humano todo, mas não é a totalidade do ser humano.
Fazer acontecer a Páscoa (passagem) significa humanizar naturalizando e naturalizar humanizando as dimensões e relações do ser humano no mundo. Significa fazer acontecer o Amor em todas essas dimensões e relações. Significa passar, sempre mais, de uma vida de desamor (egoísmo) para uma vida de amor.
Quando afirmamos que Deus é Amor, afirmamos, em primeiro lugar, que Deus é. "Eu sou Aquele que sou” (Ex 3, 14). Deus é a plenitude do Ser. O ser humano (homem e mulher) - como tudo o que existe - é, porque Deus é. Deus é a fonte do ser nos seres. "Nele vivemos, nos movemos e existimos” (At, 17, 28).
Cada um de nós pode dizer: Eu sou "eu" antes que alguém possa entrar em contato comigo, mas eu não sou "eu" (no sentido estrito do verbo ser) sem a "presença ontológica" (em linguagem filosófica) ou a "presença criadora” (em linguagem teológica) de Deus que me "põe" no ser, como "põe" no ser tudo o que existe. Neste sentido, Deus é mais íntimo a mim do que eu mesmo (cf. Santo Agostinho, Confissões, III, 6, 11). "Quando eu me torno presente, 'íntimo', a mim mesmo, Deus, de certo modo, 'já' está em mim: presente em mim antes de mim mesmo" (L. Podeur. Imagem moderna do mundo e Fé cristã. Paulinas, São Paulo, 1977, p. 127). A "presença ontológica" ou a "presença criadora” de Deus atinge o real por dentro e não por fora; é nisso que se funda toda relação para com Deus. Pela "presença ontológica" ou "presença criadora”, "Deus está no mais profundo da realidade; ele é o fundo, porque é o fundamento transcendente (absoluto) de tudo" (Ib. p. 128).
Em segundo lugar (em sentido lógico e não cronológico), depois de afirmar que Deus é, afirmamos que Deus é Amor (cf. 1Jo 4, 8). O amor é a natureza de Deus, é o ser de Deus. Ora, o ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus, por amor e para amar, e, portanto, ele também é amor". Deus disse: ‘façamos o ser humano à nossa imagem e semelhança’” (Gn 1, 26). O amor - que é a natureza de Deus - é também a natureza do ser humano, é o ser do ser humano. "O amor é o meu peso. Para qualquer parte que vá, é ele quem me leva” (S. Agostinho. Confissões, XIII, 9).
O que significa para o ser humano ser amor? O amor define e envolve a totalidade do ser humano no mundo, a totalidade de sua existência, em todas as suas dimensões e relações, para com o mundo (material e vivente), para com os outros (semelhantes) e para com o Outro absoluto (Deus), no mundo. O ser humano existe para amar, é a sua condição existencial. "Somos o que amamos” (S. Agostinho. Cidade de Deus, XIV, 28), isto é, nossa essência está definida pelo que amamos.
Mas o que é realmente amar? Amar é a vocação ontológica do ser humano, ou seja, a vocação do ser humano enquanto ser humano. Amando, o ser humano encontra o verdadeiro sentido da vida; amando, ele é feliz, realizado. "Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas em tom alto, fala por amor; se corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor: dessa raiz não pode sair senão o bem!" (S. Agostinho. Comentário à Primeira Carta de João, VII, 8).
E o que significa amar? Se amar é a vocação ontológica do ser humano, amar significa "ser mais”, significa ser sempre mais ser humano e viver sempre mais intensamente (profundamente) sua humanidade, em todas as dimensões e relações. O ser humano é um "vir-a-ser”, um ser de busca permanente.
A vocação ontológica se constitui (se realiza) e acontece na história (no tempo e no espaço). Há uma dialeticidade, ou, em outras palavras, uma interação entre o ontológico e o histórico. Podemos dizer que o ser humano é enquanto histórico e é histórico enquanto é. A vocação ontológica do ser humano torna-se vocação histórica. O ser humano é chamado (permito-me criar uma palavra) a "amorizar” o mundo e a sociedade na qual ele vive, isto é, a impregnar esse mundo e essa sociedade de amor.
A Páscoa acontece onde o Amor acontece. Sejamos, hoje, os agentes da Páscoa, até a Páscoa definitiva.

(Veja também o meu Artigo: A festa do Divino Pai Eterno. Uma reflexão teológico-pastoral.
Em Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 02/07/11, p. 4, ou em: http://www.adital.com.br/site/noticia_imp.asp?lang=PT&img=N&cod=58062;http://www.diocesedecaxias.org.br/conteudo_artigos.php?cod_artigo=504;http://www.claudiocarvalhaes.com/uncategorized-pt-br/a-festa-do-divino-pai-eterno-uma-reflexao-teologico-pastoral/.
No presente escrito, retomo algumas reflexões desse Artigo).

Diário da Manhã, Opinião Pública, Goiânia, 13/04/12, p. 02

http://www.dmdigital.com.br/novo/?ref=dmsite#!/view?e=20120413&p=18
http://www.adital.com.br/site/noticia.asp?lang=PT&langref=PT&cod=65974


Fr. Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Prof. de Filosofia da UFG aposentado
Prof. na Pós-Graduação em Direitos Humanos
(Comissão Dominicana Justiça e Paz do Brasil / PUC-GO)
Vigário Episcopal do Vicariato Oeste da Arquidiocese de Goiânia
Administrador Paroquial da Paróquia Nossa Senhora da Terra
E-mail: mpsassatelli@uol.com.br

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