quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Natal 2022: que o lado de Jesus seja o nosso lado!

 

Lendo e meditando o Evangelho, percebemos claramente que no Natal - e em toda a sua vida - Jesus tem lado, o dos Pobres: marginalizados, oprimidos, excluídos e descartados da sociedade. Do nascimento até a morte na cruz, Jesus se identifica e solidariza com os Pobres.

(Leia o meu artigo de dezembro de 2021: No Natal, Jesus tem lado, em:

https://www.ihu.unisinos.br/615556-no-natal-jesus-tem-lado;


Neste Natal 2022 coloco - para a nossa reflexão - três questões:
  • Primeira: Por que no Natal falamos tanto a respeito de Jesus, o Filho de Deus, o Salvador do mundo, o Emanuel (o Deus conosco) que se encarna e se torna um Ser humano como nós (uma parte da verdade) e não falamos quase nada a respeito do “como” Jesus faz isso (a outra parte da verdade)?

Apresentar uma parte da verdade como se fosse toda a verdade, falsifica a verdade! Para se encarnar, Jesus não precisava nascer numa manjedoura, mas - sobretudo por ser Filho de Deus - podia nascer num palácio.

  • Segunda: Nascendo na manjedoura de um estábulo como “sem-teto”, o que Jesus quis nos dizer? 

Jesus nos mostra que, se encarnando, assume o lado dos Pobres. É este o caminho que Jesus escolhe e que define sua identidade: estar do lado e ao lado dos Pobres. Ele não exclui ninguém. Todos e todas - inclusive, os ricos -  são convidados a entrar nesse caminho. Por exemplo, o homem rico Zaqueu - encontrando-se com Jesus - se converte e entra nesse caminho; ao contrário, o jovem rico - mesmo encontrando-se com Jesus - não tem coragem de segui-lo, não entra nesse caminho e - diz o Evangelho - vai embora triste.        

  • Terceira: Sabendo que Jesus tem lado - no Brasil, na América Latina e no mundo - onde vai ser o Natal de Jesus em 2022?

Com certeza, ele não vai ser nas mansões dos ricos, dos opressores do Povo e nem vai ser nas Igrejas luxuosas e cheias de ouro.

O Natal do “sem-teto” Jesus vai ser, antes de tudo:

o   nas Ocupações urbanas e rurais ao lado dos Pobres, que lutam pelo direito à moradia digna (terra de moradia) e pelo direito a uma agricultura familiar e comunitária ecológica (terra de trabalho). Jesus - junto com os Pobres e na pessoa dos Pobres - corre o risco de ser despejado por uma liminar injusta de um juiz.

O Natal do “sem-teto” Jesus vai ser também:

o   nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), uma Igreja de irmãos e irmãs em comunhão, na igualdade e na diversidade dos dons e serviços: o “jeito de ser Igreja” que Jesus quer;


o   nos Movimentos Sociais Populares, nos Sindicatos e Partidos Políticos de Trabalhadores que - com garra, coragem e muita fé - lutam pela Vida. “Eu vim para que todos e todas tenham Vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10).

O Natal do “sem-teto” Jesus vai ser ainda:

o   nos Fóruns ou Comitês de Direitos Humanos e da Irmã Mãe Terra Nossa Casa Comum, nas Comissões de Justiça e Paz e


o   em todas as Organizações ou pessoas que estão do e ao lado dos Pobres e caminham com eles e elas na luta por um Mundo Novo.

Como ser humano e como cristão (ser humano radical), reafirmo: todo despejo - mesmo com liminar judicial - é injusto, desumano e antiético. As pessoas humanas não se despejam e não se tratam com brutalidade e crueldade. Elas devem ser respeitadas em sua dignidade. A própria palavra “despejo” é ofensiva.

Mais uma vez: uma advertência aos Juízes e juízas. Cuidado! Não deem liminares de reintegração de posse, que na realidade são liminares de despejo. Com essas liminares, vocês mandam despejar seus irmãos e irmãs Pobres e o próprio Jesus na pessoa deles e delas: os “pequeninos” do Evangelho. Lembrem-se: Deus é justo!

Fazer a memória e celebrar o Natal de Jesus significa, pois, torna-lo presente hoje.

Que - no Natal 2022 e no Ano Novo 2023 - o lado de Jesus seja o nosso lado! São estes os meus votos de Feliz Natal e Feliz 2023.

Crianças diante do presépio

Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 20 de dezembro de 2022



 


quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

O Ser Humano com o mundo

 


Vimos que o Ser humano é um “ser-no-mundo” (“ser-na-Terra”, “ser-no-Universo”) - “ser-no-espaço”, “ser-no-tempo” - e que a “mundanidade” - “espacialidade” e “temporalidade” - é a condição existencial do Ser humano e de todos os seres.

Ora, o Ser humano - por “ser-no-mundo" conscientemente (ou seja, por saber - enquanto ser racional - de “ser-no-mundo") - percebe-se a si mesmo como um “ser-com-o-mundo": com-o-mundo material e vivente e com-os-outros (semelhantes), e com-o-Outro absoluto (Deus).

O Ser humano é, portanto, um “ser-no-mundo-com-o-mundo” e, ao mesmo tempo, um “ser-com-o-mundo-no-mundo”. O “ser-no-mundo-com-o-mundo” coloca a ênfase no “ser-no-mundo” conscientemente. O “ser-com-o-mundo-no-mundo” coloca a ênfase na “consciência” de “ser-no-mundo”.

Em outras palavras, o Ser humano - por “ser-no-mundo” conscientemente - percebe-se a si mesmo como um ser “pluri-dimensional” e "pluri-relacional" (ser de dimensões e de relações). "Onde existe uma relação, ela existe para mim: o animal não se 'relaciona' com nada, simplesmente não se relaciona. Para o animal, sua relação com os outros não existe como relação" (Marx, K. e Engels, F. A Ideologia Alemã (I- Feuerbach. Hucitec, São Paulo, 10865, p. 43). "Minha relação com meu ambiente é a minha consciência" (Ib., nota**).

Ora, como o Ser humano é um ser de relações interligadas, interconectadas e interdependentes, podemos falar dele partindo da relação com-o-mundo material e vivente e com-os-outros (semelhantes), e com-o-Outro absoluto (Deus), no-mundo; ou - vice-versa - no mundo, partindo da relação do Ser humano com-o-Outro absoluto (Deus), com-os-outros (semelhantes) e com-o-mundo material e vivente.

No caso, o Ser humano é com-o-Outro absoluto (Deus), com-os-outros (semelhantes) e com-o-mundo material e vivente, no-mundo e - ao mesmo tempo - é no-mundo, com-o-Outro absoluto (Deus), com-os-outros (semelhantes) e com-o-mundo material e vivente.

No Ser humano, as relações e as dimensões se confundem, se misturam e o destaque pode ser dado a qualquer uma delas na interligação e interconexão com as outras.

Enquanto “ser-com-o-mundo”, o Ser humano percebe-se também como um “ser-com-o-espaço” e um “ser-com-o-tempo”.

Por "ser-com-o-espaço" entende-se o espaço físico (geográfico), o espaço biológico e, sobretudo, o espaço humano: espaço histórico-social (sócio-econômico-político-ecológico-cultural-religioso) e espaço histórico-individual (corpóreo, bio-psíquico e espiritual ou pessoal).

Portanto, "ser-com-o-espaço", significa para o Ser humano ser com todos estes espaços, mas principalmente com o espaço humano, que incorpora ou integra os outros espaços.  

Por "ser-com-o-tempo" entende-se o tempo que se articula em três momentos: passado, presente e futuro. A "temporalidade" não se identifica com nenhum destes momentos isoladamente, mas com a unidade ou mútua interferência de todos com todos. Assim os três momentos do tempo formam conjuntamente um todo contínuo (Cf. Peña, J. L. Ruiz de la. As novas Antropologias. Um desafio à Teologia. Loyola, São Paulo, 1988, p. 18).

Antes de tudo, o Ser humano "é-com-o-tempo" matemático - objetivo, cronológico, cosmológico. A existência do Ser humano pode ser datada cronologicamente entre o nascimento e a morte. Esse tempo, porém, não é específico do Ser humano. "O ser temporal é um estatuto objetivo da existência humana, independentemente da sua intenção pela consciência" (Vaz, H. C. de Lima. Ontologia e História. Duas Cidades, 1968, p. 267).

Em segundo lugar, o Ser humano - também e sobretudo - "é-com-o-tempo" humano, que é diferente do matemático. No tempo matemático "o presente tende a desaparecer (a desfazer-se): ele não é um momento que pode ser preso entre um futuro que ainda não é (existe) e um passado que já não é mais. No tempo humano, ao contrário, o presente é o aspecto determinante. Trata-se de um presente que fundamentalmente se estende também ao passado e ao futuro. O passado aparece e é vivido como passado, porque continua, de certa maneira, presente ao Ser humano, ou, mais exatamente, porque o Ser humano continua, de certa maneira, presente ao tempo passado. O futuro aparece como futuro, porque é antecipado no presente como apelo, projeto, possibilidade” (Gevaert, J.  Il problema dell'uomo. Introduzione all'Antropologia Filosofica. Elle Di Ci, Torino, 19814, p. 188. Cf. Heidegger, M. Ser e Tempo -  Parte II. Vozes, Petrópolis, 1989, § 68, p. 132-149).

No próximo artigo - continuando o mesmo tema - refletiremos sobre o Ser humano como “ser-com-o-mundomaterial e vivente” e “ser-com-os-outros” (semelhantes).





Marcos Sassatelli, Frade dominicano
Doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP)
Professor aposentado de Filosofia da UFG

Goiânia, 05 de dezembro de 2022



O artigo foi publicado originalmente em:
https://portaldascebs.org.br/o-ser-humano-com-o-mundo/



A palavra do Frei Marcos: uma palavra crítica que - a partir de fatos concretos e na escuta dos sinais dos tempos aponta caminhos novos